Bem-estar do corpo e do espírito

O que o apoio de um grupo de professoras de educação física pode fazer para promover saúde em corpos em dor

Promoção da saúde! Esse é o conceito, ou melhor, é o tema da nossa conversa de hoje. O C² está em um movimento de pensar como se pode ajudar a melhorar a qualidade de vida de pessoas saudáveis e, também, daquelas que enfrentam algum tipo de desequilíbrio, seja físico ou mental. É aí que entra a ideia de promover saúde, que podemos definir, em princípio, como uma prática de “despertar” as pessoas para atuarem na melhoria da própria qualidade de vida, contribuindo com a melhora da sua saúde e do seu bem-estar geral, este último, englobando os aspectos físico, mental ou social. 

Nós do C² colocamos esse assunto em pauta, porque levantamos a informação de que as estratégias que podem contribuir para fortalecer e disseminar as ações de promoção da saúde são a comunicação através de seus meios formais e informais e, consequentemente, os profissionais da comunicação. É inegável a contribuição que nós podemos dar à saúde pública e coletiva, ao informar à população sobre os cuidados preventivos, por exemplo. Rádio, TV, site e jornais conseguem organizar de forma mais clara as informações e preocupações do setor público, de epidemiologistas e outros profissionais para a população em geral e podemos, também, responder às principais dúvidas da população em geral.

Então, vamos à nossa missão. Há um artigo que escrevi há muitos anos com uma aluna, a Ivania Skura, e a professora Regiane Macuch, sobre a promoção da saúde do idoso. Nele contamos um pouco da trajetória do significado do termo saúde. Mostramos que foi mudando ao longo do tempo e, atualmente, associa-se a valores como: vida, solidariedade, equidade, democracia, cidadania, desenvolvimento, participação e parceria. 

Este entendimento surgiu na Conferência de Alma Ata, realizada pela Organização Mundial de Saúde (OMS), em 1979, e está na base do significado do que é promoção da saúde. Podemos resumir dizendo que esta é uma área de ação interdisciplinar, que prega a importância de se oferecer ao indivíduo informações para que ele possa ser peça atuante na própria qualidade de vida. Essa proposta surge junto com um movimento chamado de cuidados primários ou Atenção Primária à Saúde (APS), que tem como premissa a prevenção de doenças. 

O importante é a gente marcar que todo esse campo baseado no novo conceito de saúde a concebe como um bem, um direito do cidadão. Essa ‘filosofia’ vai, inclusive, inspirar a Constituição Brasileira de 1988, a chamada Constituição Cidadã.  Nela está escrito que saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não somente ausência de enfermidades. 

Comunidade feliz e sinal de população vivendo com saúde e bem-estar (FOTO/O SUS em fotos)

Nesse novo cenário, pensa-se que a sensação de estar saudável ocorre quando todas as múltiplas dimensões do indivíduo estão equilibradas. E, para que isso se dê, o indivíduo deve viver de acordo com as indicações propostas pelo sistema de saúde e cuidar do próprio corpo. Então, para estar ativo e saudável, o indivíduo precisa manter-se informado a respeito do que gira em torno de seu bem-estar. 

Ou seja, para promover saúde é preciso que as autoridades da área estimulem a participação  social,  desenvolvam  ações de educação em saúde, criem ambientes  saudáveis e formulem políticas públicas que melhorem as condições de vida das pessoas.  

O professor Tiago Franklin Rodrigues Lucena, do curso de Comunicação e Multimeios, da Universidade Estadual de Maringá (UEM), pesquisa a área de Comunicação em Saúde. Ele destaca que, “nos últimos anos, surgiu uma perspectiva nova, menos preventiva de doenças e mais ativa na busca pelo bem estar dos indivíduos, que foi chamada de Promoção da Saúde”. Esse conceito passou por revisões e atualizações em diversas conferências no mundo, mas há uma compreensão de que a promoção da saúde passa por diversos atores e setores, incluindo o indivíduo e a comunidade, que devem participar das decisões de saúde e outras políticas públicas que afetam diretamente a ele. 

“Para dar um exemplo mais claro, mais do que a recomendação de um profissional dizendo que devemos fazer exercícios físicos, a abordagem da Promoção da Saúde considera que esse desejo também deve partir das pessoas, que devem lutar por ambientes mais adequados  para a prática de atividades na sua cidade, avaliar as políticas públicas nesse setor, participar de grupos. Ou seja, não basta assumir um comportamento porque o profissional de saúde nos diz que devemos, precisamos nos empoderar e ter hábitos mais saudáveis, porque queremos isso, aprendemos e reconhecemos que aquilo é importante para nós, para a cidade e para a comunidade no geral. Assim podemos, inclusive, ensinar e, coletivamente, tornar o nosso ambiente mais agradável de se viver”, ensina Lucena. 

Mexer o corpo é um dos hábitos que promove saúde física e mental (Foto/O SUS em fotos)

O professor reforça que o sujeito  precisa  se  sentir  estimulado sobre modos de melhorar as condições de vida, de cuidar dos detalhes que promovam saúde. Afinal, a  busca por dados que auxiliem na promoção da saúde pode melhorar, além da qualidade de vida da comunidade, o bem-estar individual no nível mais profundo. Falamos de autoestima, de confiança, de aparência, entre outros aspectos. No vídeo abaixo, confira a diferença entre saúde pública e saúde coletiva, termos que são usados como se tratassem da mesma coisa:

Educação física e apoio moral

Lucena reconhece, no entanto, que não é tão simples instrumentalizar as pessoas para o acesso a informações e mudanças de hábitos que promovam a saúde individual e coletiva. Especialmente, se aquele indivíduo passou por problemas de saúde física e emocional há pouco tempo. 

Essa é a experiência da professora Débora Alves Guariglia, graduada, mestre e doutora em Educação Física. Hoje, ela atua como docente do mestrado em Ciência do Movimento Humano, da Universidade Estadual do Norte do Paraná (UENP) e conta que, ao final da graduação, em 2006, participou como voluntária de um projeto que levava exercícios físicos a pessoas vivendo com HIV (o C² também registrou uma experiência semelhante). Naquele momento, percebeu que a atividade física fazia muita diferença na vida e no tratamento daquelas pessoas. Desde então, se aproximou de populações especiais com o objetivo de contribuir no dia a dia delas por meio da profissão que escolheu. 

Em pouco tempo, criou o Grupo Multidisciplinar em Promoção da Saúde (GMPS), que atua nas áreas de ensino, pesquisa e extensão e tem como objetivo diferentes ações de promoção da saúde de qualquer população (Instagram: @gmps_uenp). Nos últimos anos, o GMPS implementou três grandes projetos. O primeiro foi o estudo de desfechos de saúde em pessoas vivendo com HIV; o segundo foi com escolares e docentes sobre educação sexual e saúde; e o mais atual, que hoje a equipe despende a maior parte dos esforços, é a promoção da saúde em pacientes oncológicos, isto é, com câncer, que é o projeto “Vida em Movimento”.

Cintia, Rute, Patrícia, Odete (participantes), Ana Paula (fisioterapeuta voluntária e aluna do mestrado), Eliane, Lurdinha, Sidneia, Débora (professora de educação física e coordenadora do projeto) e Giovanna (Fisioterapeura e aluna do mestrado) (FOTO/Arquivo pessoal)

“Quando vim para Ourinhos e Jacarezinho, comecei alguns projetos de exercício físico com pessoas que vivem com HIV. Porém, percebi que, nas cidades menores, a adesão dessa população era muito pequena, por medo de identificação. Assim, fui me aproximando de outros grupos e percebi que existia a prescrição de exercício para pessoas com câncer e que os benefícios eram igualmente importantes no grupo oncológico. Levei esse tema para as discussões do GMPS e, lá, muitos alunos com histórico familiar de câncer se associaram às reuniões e começamos a fazer uma formação educacional sobre esse assunto, que durou um ano. Ao final de 2022, sentimos a necessidade de disponibilizar todo aquele conhecimento para a população e nos aproximamos da Rede Brasil de Oncologia. Os médicos nos deram um grande suporte para iniciarmos um projeto de pesquisa e extensão com os pacientes e, desde o início de 2023, começamos duas ações com essa temática, uma de pesquisa e outra de extensão”, explicou a professora Débora.

Os pacientes do “Vida em Movimento” são encaminhados pelos médicos, pela psicóloga e pela fisioterapeuta da Rede Hospitalar de Oncologia, de Ourinhos. Podem estar em tratamento ou já ter tido alta. Mas a professora conta que, atualmente, os próprios pacientes divulgam entre seus amigos da Rede e eles entram em contato para participar dos encontros. 

Segundo Débora, tanto a prática de atividade quanto o exercício físico são realizados de forma sistemática e capazes de prevenir a incidência da maior parte dos cânceres, além de auxiliar no tratamento, melhorando a efetividade, a redução dos efeitos adversos da quimioterapia, rádio e hormonioterapia, além de contribuir na redução da recidiva da doença. 

“São vários modelos de exercícios. Trabalhamos exercícios aeróbicos, resistidos, alongamentos, equilíbrio, relaxamento… As restrições são muito particulares. De forma geral, quase todos os pacientes podem e devem treinar. Mas alguns cuidados são tomados de acordo com as particularidades dos praticantes, como aqueles que têm anemias, passaram por transplantes ou cirurgias recentes”, explica a educadora física

Atualmente, 20 pacientes vêm sendo atendidos no projeto de atividade física. Eles treinam três vezes por semana, na Casa Rosa, em Ourinhos. No hospital, o grupo estima acompanhar o desfecho em saúde de 50 pacientes oncológicos por ano.

Tanto o projeto de pesquisa no hospital e o de extensão com o programa de atividade física são realizados pelos orientandos do mestrado em Ciência do Movimento Humano da UENP. Há também a participação de alguns orientandos de TCC da UENP, que auxiliam nos treinos. E, por fim, como é um projeto voluntário, a atividade física ainda conta com profissionais já formados pela UENP e outras universidades. São 10 pessoas envolvidas, no total.

“Estamos à procura de investimentos para a ampliação dos projetos. A ideia é que um número maior de pacientes possa ser atendido. Estamos solicitando fomento para auxiliar na estrutura física, material e disponibilizar bolsas para os voluntários”, anuncia a professora.

Afinal, lembra Débora, além desses benefícios específicos, a prática do exercício proporciona melhorias gerais na vida das pessoas, como já foi observado pelo professor Lucena, da UEM.

Mais que físico, exercício mental

Maria de Lourdes diz que a participação no grupo de atividade física está sendo “uma benção, desde o início. Fiz uma mastectomia total há mais de dez anos. Me faz bem em todos os sentidos. Além de tudo, eu tinha uma dor horrível nos joelhos que não conseguia abaixar. Ia até fazer uma cirurgia. E não preciso mais, devido aos exercícios. Meu braço, também, que, às vezes, me incomodava… sarou. E até o meu emocional melhorou. Faço de tudo para não perder. São momentos meus, sabe? As meninas são maravilhosas, as professoras se dedicam demais. Então, para mim, faz toda a diferença. Gostaria que todas as pessoas que passam pela experiência do câncer pudessem ter a oportunidade de passar por ali. Porque, como disse, é um momento nosso. Sou muito grata a Deus e a todas as meninas, que se dispõem a nos ajudar e cuidar da gente com tanto carinho. Obrigada mesmo”.

Outra integrante do grupo, a Rute, disse: “o treino do projeto está ajudando a me sentir bem melhor, tanto física como emocionalmente. Também sou muito grata pela oportunidade do meu esposo estar participando junto. A professora Débora é excelente, muito atenciosa e amorosa. A todos os treinadores eu só tenho a dizer muito obrigada”.

Sidneia enviou uma mensagem dizendo que só tem a agradecer aos professores e à UENP “pela oportunidade de poder participar do projeto que está me proporcionando a recuperação da amplitude dos movimentos do braço esquerdo, porque, após a cirurgia, tive bastante limitação. Sem contar que pude recuperar o condicionamento físico e minha autoestima. Professores atenciosos e cuidadosos, sempre respeitando o limite de cada um. Gratidão pelos cuidados”!

Cuidar e dar carinho é promover bem-estar e saúde. A professora Débora lembra que o grupo está lá para isso. “Quem tiver interesse em conhecer o projeto pode nos acompanhar nas redes sociais e fazer uma visita. A gente se reúne às segundas, quartas e sextas, na Casa Rosa de Ourinhos. Você será bem-vindo”!

Glossário

Epidemiologista: profissional que desenvolve pesquisas sobre as doenças e os impactos na saúde pública.

Interdisciplinar: é um adjetivo que qualifica o que é comum a duas ou mais disciplinas ou outros ramos do conhecimento.

HIV: é a sigla em inglês do vírus da imunodeficiência humana, causador da AIDS, que ataca o sistema imunológico, responsável por defender o organismo de doenças.

Recidiva: é o retorno ou recorrência do câncer, ou seja, ele pode voltar em pouco tempo ou mesmo anos após o término do tratamento oncológico.

Exercícios aeróbicos: são aqueles em que o consumo de oxigênio é a principal fonte de energia para a queima de gordura, e de longa duração.

Exercício resistido: é o treinamento contra resistência, geralmente realizado com a utilização de pesos, e tem como benefícios o desenvolvimento de potência, força e resistência muscular.

TCC: Trabalho de Conclusão de Curso é uma avaliação que acontece quando a graduação está chegando ao fim; tem o objetivo de fazer com que o aluno coloque no papel tudo o que aprendeu desde o início dos estudos.

EQUIPE DESTA PÁGINA
Texto:
Ana Paula Machado Velho e Ezequiel Moreira
Colaboração: Bruna Mendonça
Supervisão de texto: Silvia Calciolari
Revisão: Silvia Calciolari
Arte:  Marjorie Corrêa Gracino
Supervisão de arte: Tiago Franklin Lucena
Roteiro de vídeo: Ana Paula Machado Velho
Edição de vídeo: Luiza da Costa
Edição Digital: Gutembergue Junior

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