Matemática? Não, curiosidade, estratégia e diversão

Laboratório de Ensino da Matemática (LEM) muda a relação de adultos e crianças com a ciência, que se revela um grande barato

Começo este texto de forma covarde, propondo uma aposta, de antemão, ganha por mim. No seu tempo de escola, matemática era a matéria que você menos gostava, para não dizer a que mais abominava. Sim ou não? Sim, aposto que sim. À exceção das exceções, aluno nenhum gosta de estudar números e fazer contas, embora sempre fica feliz quando acerta o resultado e, na maior parte das vezes, gosta do professor.

Quando fiz o primário (atual primeiro ciclo do Ensino Fundamental), e lá se vão algumas décadas, nutria verdadeira adoração pelas professoras (que chamávamos de tia) e autêntico pavor das aulas de matemática, por absoluta incompreensão. O universo paralelo e distante da lógica e das estratégias permaneceu inacessível durante toda a vida escolar, comprometendo a aprendizagem de física, química e afins. Não à toa sou jornalista, mas suava frio sempre que recebia pauta de economia, confesso. 

O Laboratório de Ensino da Matemática (LEM), com seus jogos e materiais manipulativos, teria resolvido – ou amenizado grandemente – minha dificuldade. Criado em 1987, pela professora Sônia de Souza Rodante, o LEM possibilita situações de aprendizagem nas quais a intuição é provocada por um desafio, levando o aluno a questionar, a tomar decisões e, principalmente, ter coragem para resolver problemas. “A prática do LEM é fazer com que a matemática se torne compreensível e seja prazerosa”, explica a coordenadora Sandra Regina D’Antonio Verrengia.

O acervo é formado por 150 objetos, entre jogos e materiais manipulativos, sendo que mais da metade foi desenvolvida no próprio laboratório por alunos da graduação de matemática, que usufruem da aprendizagem lúdica juntamente com acadêmicos de pedagogia, professores e alunos da rede básica de ensino e professores em formações continuadas. 

Parte do acervo está descrita e explicada em dois livros publicados pelo professor João César Guirado, idealizador de grande parte dos jogos.

Então, os futuros (e atuais) professores de matemática têm dificuldade com matemática? Humanos que são, sim, têm. “O aluno chega na graduação sem conhecimento matemático fundamental, no contexto de pensar por si e não mais receber, repetir e memorizar informações, como era até o ensino médio. Daí a dificuldade”, diz Sandra. 

Segundo ela, a matemática não é invenção de gênios que nos deixaram de herança a obrigação de memorizar uma infinidade de fórmulas e teorias, e sim relações encontradas em contextos históricos e filosóficos por meros mortais a partir de problemas reais que exigiam soluções matemáticas. 

“A matemática é viva, continua sendo ampliada e refinada, porque surgem novos problemas que pedem novas matemáticas. Estas estão sendo estudadas e, aos poucos, introduzidas nos currículos”, diz Sandra. Então, é uma ciência humana e não exata? Talvez meu caso não seja de todo perdido e ainda bem que não é genético. Para meu alívio e orgulho, meus sobrinhos mais novos, Theo, 10, no 5° ano, e Rafael, 12, no 7° ano, vivem a matemática de maneira muito distinta da que eu vivi – brincando e jogando. 

“Eu adoro matemática, porque adoro matérias exatas. Acho simples”, diz Rafael. O conteúdo preferido? “Oposto e simétrico”, resumo de conjunto dos números inteiros (positivos e negativos). Meu afilhado Theo (pelo visto, não por acaso), adora a “prô”, mas considera a matéria entediante, embora tenha gostado muito de aprender “mais”, uma das operações matemáticas básicas (adição). “ A ‘prô’ usa joguinhos pra gente aprender melhor”, conta ele. 

Como reforço do que é trabalhado em sala de aula, os jogos e materiais manipulativos do LEM alcançam resultados fantásticos. Permitem aos licenciados em matemática desenvolver boas perguntas e refinar as definições matemáticas a partir das boas respostas. E, melhor ainda, avaliar o conhecimento matemático dos alunos com base nas hipóteses e suposições registradas no caminho proposto pelo jogo. Sem avaliação escrita, meu sonho. 

“Com as alunas da pedagogia, trabalhamos as relações matemáticas a partir do trivial, desmistificando conceitos caracterizados como fórmulas e procedimentos”, diz Sandra. Os metros cúbicos da conta de água, ensinados à criança com caixas que definem a medida, são um exemplo. Nas formações pedagógicas com professores da educação básica, o que a coordenadora mais ouve é “não pensava em trabalhar matemática desse jeito”, “é lúdico, divertido, as crianças gostam, se apaixonam, começam a participar mais”. 

Sandra Verrengia em formação com professoras da educação básica de Cianorte
Sandra Verrengia em formação com professoras da educação básica de Cianorte (Foto/Arquivo Pessoal)

Eliane D’Antonio Moretti, professora do sexto e nono ano da rede estadual, mudou a maneira de enxergar e trabalhar a matemática em sala depois de cursar, pelo Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE), a disciplina “O conhecimento matemático e o uso de jogos em sala de aula”, ministrada por sua irmã, a coordenadora do LEM. 

A partir da experiência, Eliane construiu uma sequência didática para o ensino de análise combinatória e probabilidade no nono ano e percebeu enorme diferença na metodologia e nos resultados de avaliações. “Os alunos jogavam, registravam as jogadas, respondiam situações-problema a partir do jogo e depois socializavam os resultados”, conta. Sempre que possível, a professora se vale de jogos, brincadeiras e atividades lúdicas para a “mágica” acontecer. “Muitos alunos que tinham pavor da matemática começaram a perceber que são capazes de resolver atividades matemáticas tanto quanto os outros e passaram a ‘ver’ a matéria com outros olhos”. Bingo!

Eliane foi uma aluna de matemática normal, de notas medianas, e aprendeu a matéria com professoras tradicionais e exigentes. Agora, com os papéis invertidos e graças ao reforço conceitual proposto pelos jogos e materiais manipulativos do LEM, ela percorre o fantástico mundo da compreensão e do conhecimento brincando e se divertindo com os alunos. “É justamente o que queremos. Estimular a participação e, a partir dela, gerar conhecimento matemático estruturado, não apresentado. Construído”, finaliza Sandra.  

Do Clube Unesco de Ciências “Santos Dumont” para o LEM

Graduado em matemática, pela Universidade de Campinas (Unicamp), João César Guirado pós-graduou-se na área de Análise, de olho na atuação no ensino superior com disciplinas da Álgebra, Análise e Topologia. Em julho de 1980, a Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) subsidiou um curso de Especialização em Prática e Instrumentação para o Ensino de Ciências, ofertado pela Universidade de São Paulo (USP) juntamente com a Universidade Federal do Paraná (UFPR), para professores de universidades paranaenses. Guirado foi um deles e descobriu duas coisas: paixão cada vez maior pelo ensino da matemática e necessidade de melhor fundamentação teórica para trabalhar com os alunos da licenciatura. 

Formalizando uma das exigências da Unesco, o professor criou e coordenou o Clube Unesco de Ciências Santos Dumont, no Colégio de Aplicação Pedagógica/UEM (CAP). “Foi um período de grande desafio e de criatividade, que considero o embrião para trabalhar as disciplinas da licenciatura de forma lúdica e prazerosa e vislumbrar a criação de um Laboratório de Ensino de Matemática”, comenta. 

Ele constatou que a licenciatura era tratada com o rigor exigido para o bacharelado e solicitou ao departamento a criação da disciplina “Instrumentação do Ensino da Matemática”, que combinava o lúdico com um pouco de história e diferentes metodologias adequadas a cada conteúdo. Ser aprovado nessa disciplina implicava apresentar um material manipulável para o ensino, capaz de motivar ou fixar algum conceito matemático. “Todos os materiais produzidos ficaram sob minha responsabilidade, sendo os primórdios do acervo do futuro LEM”, lembra Guirado. 

Uma das boas lembranças entre as muitas vividas no laboratório ocorreu num dia chuvoso. Sem acesso aos materiais do LEM (disco de madeira de diferentes diâmetros e pedaços de barbante), estavam ele e um aluno do CAP, da então 5ª série do Ensino Fundamental, que queria construir um instrumento para caçar borboletas – um aro de arame com uma rede e acoplado a uma vareta. 

“Embora a ciência determine o diâmetro desse aro, questionei-o sobre a quantidade de arame para construir o equipamento. Ele respondeu: ‘compramos um pedaço bem grande e cortamos o necessário’”, recorda Guirado, que refutou o plano em função do desperdício e propôs utilizarem várias tiras de papel de diferentes comprimentos para formar argolas circulares de diferentes diâmetros. Após as medições e cálculos com os valores encontrados para o comprimento das tiras e respectivos diâmetros, o aluno encontrou a fórmula do comprimento de uma circunferência. 

“Oito anos depois, cursando Agronomia na UEM, esse aluno foi à minha procura para agradecer, dizendo que aquela atividade o fez gostar não só da matemática, mas de estudar. Disse que jamais se esquecera da fórmula, pois ele a havia encontrado e não simplesmente recebido pronta pelo professor.”

Ensinar é preciso, divulgar é uma farra

Quando se fala em matemática, ensino e divulgação andam juntos. O LEM se encarrega da primeira parte e o Laboratório de Divulgação Matemática, da segunda. Um dos projetos de extensão deste laboratório é o Matemativa – Exposição Interativa de Matemática, que mantém um espaço físico no Museu Dinâmico Interdisciplinar (MUDI) da UEM e promove exposições itinerantes em escolas e eventos culturais e científicos de Maringá e região. 

Com o mesmo objetivo do LEM, ou seja, mudar a forma como o visitante sente e experimenta a matemática enquanto é apresentado a conceitos, o Matemativa possui três percursos, totalizando 16 peças: jogos, material lúdico e quebra-cabeças. O primeiro é composto por dois jogos da velha (3D em planos paralelos e jogo da velha chinês). O de material lúdico, pela gaiola de espelhos, cone gigante, casa de Ames, mágica com números, contador binário e espelhos parabólicos e câmara triangular. Há ainda a peça Ciclóide, relacionada ao tema “Curvas”. O último percurso, com seis peças, tem Monte o cubo, Monte um quadrado, Torre de Hanoi, Puzzle 15, Teorema de Pitágoras quadrado e Teorema de Pitágoras hexagonal.

Percurso Jogos, com jogo da velha 3D em planos paralelos e jogo da velha chinês
Do Percurso Quebra-cabeça, os teoremas de Pitágoras quadrado e hexagonal (Arquivo LDM)

O acervo total do Matemativa também possui 150 peças, algumas provocadoras de reações interessantes porque quebram paradigmas. “Os espelhos chamam muita atenção. Quando entra na cabine e se espalha infinitamente no plano e no espaço, a pessoa se surpreende, fica tão envolvida que nem lembra se tratar de matemática”, diz Eduardo de Amorim Neves, coordenador do Matemativa e do curso de Matemática. 

O professor Eduardo Neves em dia de exposição cheia (Arquivo Pessoal)

Se você ainda não conhece a exposição, vá até o MUDI e encante-se. Aberto de terça a sexta-feira e domingo, de 8h às 11h e 14h às 17h, no campus sede da UEM. E se você quer visitar a Matemativa itinerante, participe da comemoração do Dia da Criatividade, 20 de abril, promovida pela prefeitura de Maringá na praça do teatro Reviver Magó. Quer apostar que a matemática vai virar seu crush

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Texto: Juliana Daibert
Supervisão de texto: Ana Paula Machado Velho
Roteiro do vídeo: Isadora Monteiro
Edição de vídeo: Luiza da Costa
Arte: Hellen Vieira
Supervisão de arte: Tiago Franklin Lucena
Edição Digital: Gutembergue Junior

A pesquisa que mencionamos contribui para os seguintes objetivos ODS: