Morcegos: entre mitos e fatos

Ao contrário do que muitos pensam, esse mamífero cumpre um papel essencial para o equilíbrio da natureza

Drácula, vampiros e super-heróis… o que eles têm a ver com os morcegos? Bom, para não dizer NADA, apenas as lendas que os rodeiam, contribuindo para o terror de muitos causos contados há anos. Mas, saiba que nem tudo o que te contam sobre os morcegos é verdade! E eu estou aqui para dizer para você sobre a importância que esses mamíferos têm para a conservação do meio ambiente.

“Mamãe, quero conhecer os morcegos que ficam no seu trabalho”, disse meu filho de apenas quatro anos, cheio de curiosidade após ter seu primeiro contato com os morcegos, na Exposição Feira Agropecuária, Industrial e Comercial de Maringá, a famosa Expoingá 2023. “Será que ele vai me morder e sugar todo meu sangue?”, continuou me perguntando. Por um segundo, me senti um pouco perdida, porém, entrei no jogo de perguntas e respostas, me divertindo ao descobrir as surpresas que o mundo dos morcegos oferece. Mas, como sempre, insaciável por conhecimento, o Conexão Ciência – C² foi mais além e descobriu fatos muito interessantes sobre esses mamíferos.

E se você acha que somente as crianças ficam impactadas com esse “bichinho”, está redondamente enganado. Os adultos também se impressionaram!  Veja o exemplo da professora de matemática Marcela Signorini, que, ao visitar a exposição com os filhos, ficou admirada com a quantidade de informações que adquiriu sobre os morcegos.

Para ela, a primeira impressão que temos é a de que o morcego vai nos atacar, vai nos morder ou matar. Mas, após conhecer esse bichinho de perto, ela conta que ficou até com pena deles. A professora compreendeu que esses animais, além de não serem maus, como sempre acreditou, cumprem uma função essencial no meio ambiente que a maioria das pessoas desconhece, “alguns se alimentam do bicho barbeiro, escorpião e até do mosquito da dengue, além de auxiliarem no controle de pragas nas plantações agrícolas”, destacou Marcela. 

Mas, voltando pro meu filho, ao final da semana de Expoingá, a curiosidade dele pelo assunto morcego foi tamanha, que acabou me obrigando a levá-lo para conhecer, pela primeira vez, o Museu Dinâmico Interdisciplinar (Mudi), da Universidade Estadual de Maringá (UEM), a fim de explorar esse universo que, até mesmo eu – veja só que ironia – que já estou há cinco meses como bolsista no Conexão Ciência, alocado no Museu, não conhecia muito bem. Então, lá fomos nós viver as aventuras desse novo mundo e procurar um monitor para sanar as nossas dúvidas. O resultado dessa busca, você confere a seguir!

Os morcegos – “Guardiões da noite”

O nosso guia nessa conversa sobre os morcegos é o professor do Departamento de Ciências da UEM, Henrique Ortêncio Filho, que atua na área de ecologia de mamíferos e educação ambiental. Segundo ele, com o avanço dos estudos de biologia molecular e genética, é possível sabermos que existem mais de 1440 espécies de morcegos descritas no mundo. Só no Brasil são mais de 180. Eles representam um grupo de mamíferos pertencentes à ordem chiroptera. A palavra vem do grego chiro e significa mão, enquanto ptero é asa. 

“Esse é o único grupo de mamíferos na Terra que tem as mãos, evolutivamente, transformadas em asa, uma adaptação que foi desenvolvida ao longo dos anos. Assim como os seres humanos, os morcegos também possuem cinco dedos, que são muito longos, finos e com membrana entre eles. Eles ocupam um espaço muito interessante na natureza, pois são os únicos mamíferos que têm a capacidade real de voo”, explicou Ortêncio Filho. 

Por possuírem um vasto espectro alimentar, os morcegos são essenciais à manutenção ambiental. A maioria das espécies se alimenta de insetos, por isso, eles desempenham um papel importante no campo da saúde, comendo insetos que são vetores de doenças e pragas agrícolas. Outros se alimentam de frutos e, durante a noite, eles passam voando e vão eliminando nas fezes as sementes que eles comeram, ajudando a reflorestar certas regiões. Alguns se nutrem de néctar e pólen, agindo como polinizadores, são conhecidos como morcegos beija-flor. 

Ainda existem alguns que são predadores de pequenos animais, ou seja, são carnívoros e contribuem com a cadeia alimentar. E, respondendo a maior dúvidas que todos têm sobre esses mamíferos, sim, também existem aqueles que se alimentam apenas de sangue. Porém, para termos uma ideia, daquele total de mais de 1.440 espécies descritas no mundo, apenas três possuem esse hábito alimentar. 

Os hematófagos, como são chamados os animais que se alimentam exclusivamente de sangue, possuem extrema importância no contexto ambiental, pois ajudam a fazer controle populacional de outros animais. Porém, existe um problema. Antes, os morcegos se concentravam em áreas com florestas e ambientes cavernosos, e lá eles se alimentavam dos animais silvestres dessas regiões. Agora, conforme a ação humana vai interferindo de forma cada vez mais drástica no meio ambiente, as fontes alimentares desses morcegos vão desaparecendo.

“E aí, em contrapartida, a gente destruiu tudo e colocamos o quê? Gado. E, de repente, esses morcegos passaram a ter uma oferta de alimento inesgotável em uma quantidade exorbitante. Afinal de contas, a criação de gado no nosso país é imensa. Por isso, eles passaram a ficar mais próximos dos seres humanos. Então, quando falamos de todas as questões de saúde pública envolvendo os morcegos hematófagos, não podemos esquecer que têm uma conexão direta com as transformações que nós causamos no ambiente”, afirmou o professor.

A eliminação das áreas naturais, que servem de abrigo para esses animais silvestres, tem impactado outras espécies de morcegos, não só os hematófagos. Muitos acabam se adaptando e passam a viver na cidade, dentro de forros de casas, construções abandonadas e garagens, espaços que são protegidos e que apresentam menor chance de terem predadores deles. Além do abrigo, se pensarmos na alimentação, a arborização urbana fornece uma série de frutos, enquanto a iluminação pública da cidade atrai uma quantidade grande de insetos, criando ótimas condições para morcegos frugívoros e insetívoros. Porém, nem todas as espécies conseguem se beneficiar do que a cidade oferece e, sem conseguir suportar as transformações de seu hábitat natural, a tendência é eles desaparecerem. 

Pensando que é cada vez mais normal a presença desses animais no meio urbano, o que fazer caso se deparar com um morcego? No áudio abaixo, a monitora do Mudi, Bianca Manin, explica como lidar com essa situação.

🎧 A monitora Bianca Manin explica como as pessoas devem agir quando se depararem com um morcego

Noite dos morcegos

O professor Henrique Ortêncio Filho também é coordenador do Grupo de Estudo em Ecologia de Mamíferos e Educação Ambiental (Geemea), da UEM. Originado em 2004, o grupo é formado por alunos de graduação, mestrado, doutorado e profissionais graduados, que desenvolvem os mais diversos projetos de pesquisa relacionados aos mamíferos, principalmente, os morcegos. 

Professor Henrique Ortêncio Filho (Foto/Arquivo pessoal)

O compromisso do Geemea também é com a educação ambiental e divulgação científica, para a popularização da ciência. Por isso, além da pesquisa, também foca na extensão, transformando os projetos em informações acessíveis para chegar até à comunidade. Eles atuam em locais diversos, realizando eventos, palestras e exposições. “Onde a gente tem oportunidade de levar a palavra sobre os morcegos, lá estaremos! Temos percebido que a comunidade tem interesse em saber. A princípio as pessoas rejeitam os morcegos, mas, quando tem oportunidade de ouvir e conhecer, elas se interessam, porque o morcego é um bicho muito curioso, que instiga muita curiosidade”, contou o coordenador.  

Desde 2015, a Noite dos Morcegos é um dos eventos realizados pelo grupo que tem tido bastante destaque. Realizado em colaboração com a Prefeitura de Maringá e o Instituto Ambiental de Maringá, a programação acontece no Parque do Ingá, em uma trilha noturna, para os participantes verem os morcegos de pertinho. Na trilha, que possui duração de mais ou menos uma hora, os visitantes são guiados por monitores, que falam sobre o parque e as características da área e, em determinados pontos de parada, também são apresentadas informações sobre os morcegos. 

Deixando tudo ainda mais interessante, o evento também é temático. Em cada edição, se baseia em um assunto, como heróis, vilões ou lendas do folclore. Os personagens, caracterizados no tema, trazem informações sobre os animais e também mostram morcegos vivos. “Eles são capturados no próprio Parque do Ingá, temos autorização do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade para fazer pesquisa e extensão. Nós fazemos a coleta na própria unidade de conservação e, na Noite dos Morcegos, a gente mostra alguns exemplares para população. Após o evento, esses animais voltam para a natureza”, explicou o professor.

E, é claro, que, na edição de 2023, também haverá um tema surpresa! Lembrando que as vagas são limitadas e é preciso fazer a inscrição para garantir seu lugar nessa aventura. Pra não ficar de fora dessa, siga o Geemea.UEM, no Instagram, e fique por dentro de todas as informações do evento.

A arte como ferramenta de educação ambiental 

Não é só caminhando pelo Parque que os pesquisadores da UEM procuram acabar com muitos mitos que envolvem os morcegos. A mestranda do Programa de Pós-Graduação em Ciências Ambientais da UEM e professora de Artes no Colégio Estadual Cultura Universal, em Farol, no Paraná, Nilcilene Daczkowski, resolveu utilizar meios artísticos como instrumento pedagógico no ensino de educação ambiental, com o objetivo de desmistificar esses preconceitos com os pobres morcegos ‘injustiçados’. 

Mestranda Nilcilene com o orientador Professor Henrique Ortêncio Filho (Foto/Arquivo pessoal)

Trata-se de uma pesquisa. Na primeira etapa, os alunos foram desafiados a investigar, em casa, várias notícias sobre os morcegos e, então, levar para compartilhar em sala de aula, onde realizaram debates para comprovar a veracidade das informações, com base em artigos científicos. Durante essas ações, foi realizado um diagnóstico para verificar se os alunos possuíam uma visão errônea sobre os morcegos e, diante do resultado dessas representações sociais, foram elaboradas, posteriormente, algumas oficinas. 

Nesses encontros foram destacadas as características gerais dos morcegos, seus hábitos alimentares, seu habitat, questões sobre saúde e, também, o impacto deste animal no meio ambiente.  De acordo com a mestranda, foi utilizado o método “Técnica de Evocação Livre de Palavras”, que funciona da seguinte forma:  por meio de colagens de letras, os alunos representaram uma palavra, para trazer à tona os primeiros pensamentos que vêm à mente sobre esses mamíferos e, em seguida, classificaram as palavras de acordo com a ordem de importância, além de dissertarem sobre o porquê das palavras retratadas.

Durante o processo, os alunos trouxeram uma visão distorcida dos morcegos, por meio de palavras como vampiro, Batman, feio, sombrio, assustador, chupa-sangue, doenças, Covid-19, dentre outras. Ou seja, os morcegos eram vistos como animais perigosos, carregados de estereótipos, mitos, lendas e preconceitos.  Mas, com o trabalho desenvolvido nas oficinas, puderam compreender a importância ecossistêmica desempenhada pelo trabalho dos morcegos e, inclusive, se sensibilizaram com o assunto da conservação ambiental. 

Na segunda etapa da iniciativa, os alunos produziram diversas obras de arte e exploraram o universo artístico com materiais e pinturas em telas, pintura com lápis de cor, tinta, argila e grafite. De acordo com a mestranda, o ensino das ciências ambientais nas aulas de arte atingiu o objetivo, porque propiciou a aquisição de novos conhecimentos, “além de possibilitar o desenvolvimento da imaginação, percepção, repertório imagético diante do trabalho com diversas maneiras de representar os conteúdos adquiridos nas oficinas”, afirmou. 

Nilcilene contou, ainda, que, compor a grade curricular da arte neste processo, não foi fácil. A arte trabalha com a parte da educação ambiental. Alguns períodos históricos trazem a figura do morcego. Porém, juntar tudo isso nesse trabalho com os alunos foi desafiador, mas o resultado foi gratificante! “É um trabalho belíssimo! Aquela visão associando o morcego a sangue, medo, foi diminuindo, com muito estudo sobre o tema, e isso fez com que eles conhecessem mais e aprendessem a gostar – não só a gostar, mas propagar informações assertivas”.

Me lembrei da professora de matemática na Expoingá, que citei no início da matéria dizendo – “agora, estou até com dó dos bichinhos”. Então, fica a dica:  é necessário cuidado e respeito, antes de sair por aí querendo matar os morceguinhos! Eles são muito mais do que as lendas e mitos que ouvimos em nossa infância. 

Para conhecer ainda mais esses animais silvestres, confira o podcast Conexão Morcegos.

Glossário:

Frugívoros: animais que comem quase exclusivamente frutas.

Insetívoros: animais que se alimentam quase exclusivamente de insetos.

Hábitats: local onde uma determinada espécie vive e desenvolve-se.

EQUIPE DESTA PÁGINA
Texto: Débora Arcanjo e Milena Massako Ito
Supervisão de Texto: Ana Paula Machado Velho
Arte: Hellen Vieira
Supervisão de arte: Tiago Franklin Lucena
Edição Digital: Gutembergue Junior

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A pesquisa que mencionamos contribui para os seguintes ODS: