Nanotecnologia é uma das tábuas de salvação da Mata Atlântica

O uso de biomateriais e biopolímeros também são base para novas tecnologias no combate à seca

Um estudo realizado pelo World Weather Attribution, ONG que estuda como as mudanças climáticas influenciam a intensidade dos fenômenos climáticos extremos, apontou o aquecimento global como a principal causa da estiagem recorde registrada na Amazônia, no segundo semestre de 2023. Segundo a pesquisa, o fenômeno El Niño seria apenas uma causa secundária. Para os climatologistas, é fundamental controlar o desmatamento e promover a restauração florestal para enfrentar o problema.

É neste processo de restauração florestal que trabalha o NAPI Biodiversidade: RESTORE, um dos Novos Arranjos de Pesquisa e Inovação, organizados pela Fundação Araucária, agência de fomento à pesquisa do Paraná. O nome é um acrônimo da frase “natuRe-basEd SoluTions for imprOving REforestation”, ou seja, “soluções baseadas na natureza para melhorar o reflorestamento”.

O foco de parte do grupo é a Mata Atlântica. Com histórico de devastação iniciado logo após a chegada dos colonizadores europeus, há mais de 500 anos, esse é o bioma brasileiro com os piores índices de conversão da cobertura vegetal original e, consequente, perda de biodiversidade, aponta uma reportagem da Agência Senado. Contemporaneamente, com a ação do homem e as mudanças climáticas, o bioma vem sofrendo ainda mais e o RESTORE tem como uma das metas criar tecnologias que possam produzir sementes resistentes à seca, por exemplo. 

Entre tantos recursos que estão sendo pesquisados pelo RESTORE, um que vem se tornando uma aposta frequente e com ótimos resultados na tolerância da Mata Atlântica à seca é a nanotecnologia. Esta é uma ciência que está ligada fortemente ao tamanho das coisas, isso porque um nanômetro é um metro dividido por um bilhão. Ela é entendida como o estudo e desenvolvimento do controle e manipulação de materiais em escala nanométrica, ou seja, as pesquisas e trabalhos são realizados diretamente com átomos e moléculas. Dessa forma, a nanotecnologia é muito especial, já que está em uma faixa de tamanho que interage bem com as células vegetais, que também são muito pequenas. 

Para saber melhor o que é o nano, vamos pensar em nós, como um referencial. Temos facilidade de interagir com um gato, pois seu tamanho é proporcional à nossa mão, sendo fácil de pegar ou manusear o animal. Mas, quando pensamos em uma formiga, temos muito mais dificuldade de interação, porque podemos colocar em risco a vida do inseto. Na mesma lógica, as células têm muito mais facilidade de promover interações com coisas que estão mais ou menos em sua escala de tamanho, como as nanotecnologias. 

O coordenador do NAPI Biodiversidade: RESTORE, professor Halley Caixeta, ajuda a gente a explicar melhor, pedindo para pensarmos em cápsulas, tipo aquelas de remédios. As nanocápsulas são semelhantes, mas extremamente pequenas. Mesmo assim, dentro delas, é possível carregar um conteúdo de interesse para as plantas. “Um exemplo muito legal é o óxido nítrico, conhecido como NO. Ele está muito relacionado com as respostas de defesa das plantas, ou seja, a sua presença vai induzi-la a desenvolver mecanismos defensivos contra possíveis estresses, como a falta de água. Só que a dificuldade é que ele é um gás, substância que se dispersa muito fácil no ambiente. Isso é nanotecnologia. Uma nanocápsula protegerá o doador de óxido nítrico, fazendo com que o gás seja liberado no ambiente aos poucos, evitando sua perda desnecessária e aumentando a eficácia do gás nas plantas”, explica Halley Caixeta.

Comparativo entre mudas com aplicação de nanopartículas e sem (Foto/Arquivo Pessoal)

Assim, essa potente nanocápsula permite que haja economia na utilização do produto, por protegê-lo muito bem, além de auxiliar que as substâncias cheguem diretamente nas células vegetais, interagindo com elas com mais facilidade.

Além do NO, também pode ser armazenado em uma nanocápsula o ácido giberélico (proveniente da giberelina), que faz crescer, significativamente, a porcentagem de germinação de uma planta. De acordo com Caixeta, foram realizados testes iniciais com tomates, em que o ácido giberélico é aplicado nas sementes da fruta. A resposta de germinação bem sucedida foi maior que o esperado. Com o sucesso do teste, os pesquisadores vão começar a verificar se tem resultados positivos nas espécies nativas da Mata Atlântica. 

Comparativo entre mudas com aplicação de nanogiberelina e sem (Foto/Arquivo Pessoal)

Muitas pessoas chegam a duvidar da grande eficácia nas nanotecnologias e reclamam de sua suposta toxicidade. No entanto, elas só são tóxicas se não forem utilizadas com o devido cuidado e seguindo as proporções recomendadas. “A eficiência das nanotecnologias é seu ponto forte, pois o material a ser utilizado será em quantidade muito menor do que se fosse feito o uso em uma escala convencional. Assim, a tecnologia permite mais economia financeira e menos contaminação no ambiente. Por exemplo, em um hectare, às vezes, é necessário usar 2 mil gramas de um microrganismo em escala normal, enquanto ao usar a nano, só serão necessárias 200 gramas”, afirma o professor Halley.

O uso de biomateriais

Mas não pense que são apenas as tecnologias ultra pequenas que fazem sucesso com as plantas. Há diversos biomateriais, utilizados em escalas convencionais de tamanho, que são potentes aliados na tolerância à seca na Mata Atlântica. E o que exatamente são os biomateriais? São provenientes de fontes renováveis, ou seja, de fontes vivas, orgânicas, da própria natureza, mas que são facilmente repostas no ambiente natural e facilmente degradáveis. Nas pesquisas do NAPI Biodiversidade: RESTORE têm sido muito utilizados resíduos provenientes da agroindústria: bagaço de cana, farelo de aveia e, até mesmo, casca de laranja. Ou seja, a partir de um resíduo da agricultura, que seria descartado sem utilidade, você produz um material que tem um valor agregado, além de uma função muito importante. 

Testes realizados em laboratório (Foto/Arquivo Pessoal)

As espumas são um dos exemplos de biomateriais que estão sendo testados. Para pensá-las visualmente, o seu formato e tamanho se parecem com aquele salgadinho nada saudável para a gente: os cheetos. Mas as espumas são bons “alimentos”  para as plantas! Elas são misturadas no solo e vão sendo degradadas pela sua microbiota1, dissolvendo-se e liberando nutrientes.

Outra biomaterial super interessante é o hidrogel, que tem uma grande capacidade de reter água do ambiente. É um recurso muito benéfico para a hora do plantio da muda no campo, um dos momentos cruciais para o sucesso da planta. “Muitas morrem logo nesse início pela falta de nutrientes ou pela incapacidade de absorvê-los de modo efetivo. Então, o hidrogel mantém a cova da planta hidratada durante esse período, evitando a mortalidade”, explica Caixeta.

Além disso, também têm sido desenvolvidos tubetes, a partir de matéria orgânica. Estes são recipientes comumente usados para plantar a semente das espécies vegetais e desenvolver as mudas. No entanto, o tubete comum é feito de plástico, não sendo possível plantá-lo no campo. A planta nasce em um viveiro dentro do tubete e, quando está satisfatoriamente desenvolvida, é retirada de dentro dele para ser colocada no solo, o que pode gerar um grande estresse, ocasionando sua morte. 

Tubetes biodegradáveis (Foto/Arquivo Pessoal)

Com um tubete biodegradável, a muda pode ser plantada no campo junto com ele, evitando o estresse. O tubete vai se desintegrar com o tempo, sem prejudicar ou poluir o meio ambiente. Além disso, é possível colocar bactérias benéficas nele, bioativos ou microrganismos, que também vão liberando nutrientes conforme a degradação do recipiente. 

O uso de biopolímeros

E não termina por aí! Uma outra alternativa que vem sendo testada pelo RESTORE é o uso de biopolímeros2. A grande vantagem, em relação aos polímeros produzidos em laboratório, é que são naturalmente compatíveis com os seres vivos, além de biodegradáveis e não tóxicos. Um exemplo é a quitosana, que vem da quitina. Esta substância está presente nas paredes dos fungos, na carapaça dos caranguejos e camarões ou mesmo no exoesqueleto de insetos, ou seja, é um polímero que vem de uma fonte natural. Mas também há o alginato, que vem de alga, bem como a lignina, que vem do bagaço de cana, entre tantos outros. 

Você deve estar se perguntando como a quitosana ajuda na tolerância à seca? Bom, antes de tudo, é necessário entender um pouco da morfologia das plantas. Elas possuem os chamados estômatos nas folhas, que são, basicamente, seus poros. Eles têm a capacidade de se abrir e se fechar, possibilitando que a planta controle a perda de água. Ou seja, se ela está sofrendo com a seca, pode deixar o estômato fechado e preservar o estoque hídrico.

Espaço destinado para testes ao ar livre (Foto/Arquivo Pessoal)

Simples, certo? Errado, apontam os pesquisadores! A complexidade do funcionamento dos estômatos é que, por meio deles, é feita a respiração do vegetal. Então, com o estômato fechado, a planta não consegue captar CO² (gás carbônico), essencial para a sua respiração e produção de energia, ou seja, para fazer fotossíntese. Sem essa função primordial, a planta tem seu crescimento prejudicado e pode morrer. 

“É assim que a seca afeta fortemente as espécies vegetais, uma vez que, se elas precisam evitar a perda de água, prejudicam o processo de fotossíntese e seu desenvolvimento; e se elas mantêm uma boa fotossíntese, perdem muita água e também prejudicam seu desenvolvimento. Esse é o grande dilema das plantas. E é aí que entra a quitosana. Foi testado que, com esse biopolímero associado ao NO, os estômatos se abriam. Desse modo, os pesquisadores associaram a nanoquitosana + NO na espécie vegetal logo no início da manhã, que é um período mais úmido no dia, fazendo com que a planta perdesse menos água e, ao mesmo tempo, conseguisse captar bastante CO², realizando com sucesso sua fotossíntese”, detalha o professor Halley Caixeta.

Quer saber mais sobre o que os NAPI ligados às questões da biodiversidade estão fazendo aqui no Paraná? Então, acesse o site do grupo e, se quiser, interaja com os pesquisadores. As novidades são muitas. Os nossos animais e plantas, agradecem.

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Texto:
Mariana Manieri Pires Cardoso
Supervisão de texto: Ana Paula Machado Velho
Arte: Hellen Vieira
Supervisão de arte: Tiago Franklin Lucena
Edição Digital: Gutembergue Junior

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A pesquisa que mencionamos contribui para os seguintes ODS:

Glossário

  1. Microbiota: conjunto de microrganismos presentes, como fungos, bactérias e vírus ↩︎
  2. Polímeros: material ou substância composta por moléculas muito grandes conhecidas como macromoléculas que, por sua vez, são compostas de várias unidades repetíveis, os monômeros ↩︎