Nasce um filho, nasce uma Mãe

Amparo e acolhimento na hora do parto faz toda diferença na vida de uma mãe. Essa reportagem é uma homenagem do C² ao Dia das Mães

Como assim “Parto Humanizado”? 

Quando o assunto é parto, parir, ou dar à luz, como diziam os antigos, já me vem à memória as doze horas traumatizantes que passei num hospital para ganhar meu filho, hoje já com 4 anos. Minha visão era completamente negativa sobre o tema no início desta matéria. Eu pensava: como pode haver humanização na saída de um bebê das partes íntimas de uma mulher? A dor é tremenda! Por que romantizam isso? E foi aí que compreendi onde o conceito de “parto humanizado” se perdeu. 

Vou te contar! 

A romantização surgiu a partir de quando a mulher começou a escolher e preparar o local do nascimento de seu filho, com luz de velas, doulas, banheira, massagem, música, presença do companheiro afetivo… Enfim, organizar todo suporte para que esse momento fosse perfeito. Eu sei, parece um conto de fadas, né? Quem escuta dessa forma, pensa até que o parto é algo fácil, rápido, sem gritos de dor. 

Lindo na teoria, mas, na prática, o “negócio” é diferente. Comigo as horas não passavam. Os banhos não diminuíram as dores, mesmo com os remédios de indução que me foram dados sem conhecimento e consentimento. Naquele momento, era como se a minha voz não fosse ouvida e atendida. Eram gritos no escuro sem nenhuma ocitocina para liberar, contando com o apoio e suporte da minha única acompanhante, minha mãe. Talvez tenha sido por isso que criei uma visão particular completamente distorcida e errada sobre o conceito de parto humanizado. Quando alguém me falava que ia tentar o parto natural, eu já dava uma travada, não queria nem comentar sobre o assunto. Foi então que a professora e enfermeira Alessandra Crystian Engles dos Reis, que trabalha há 20 na área obstétrica e, atualmente, no Hospital Universitário do Oeste do Paraná (HUOP), me apresentou o outro lado da moeda.

Alessandra Crystian Engles dos Reis é Coordenadora do Programa de Residência em Enfermagem Obstétrica e Docente da Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE/ Cascavel

Ela explicou que o parto humanizado é fisiológico, ou seja, ele é natural e tende a acontecer naturalmente. Porém, deve ser respeitado o protagonismo da mulher e, sobretudo, o processo deve se dar livre de violência. “A mulher passa a ter voz, ser ouvida, ter autonomia sobre seu corpo, ela se torna protagonista do SEU trabalho de parto, de forma que ela decida onde, quando, como e porque ela quer ter o bebê dessa forma”.

Para Alessandra, o parto humanizado é uma tentativa de propor uma mudança do modelo obstétrico-tecnocrático, que realiza técnicas para que o bebê nasça baseado em normas, regras, horários e posições impostas, para o modelo humanizado.  “A partir de toda essa assistência humanizada, não se vê a mulher como alguém doente, mas sim como alguém que passa por um estado de maior vulnerabilidade física, que exige maior atenção, mas que está atravessando um processo natural”. 

Resumindo: seria a mudança de um modelo que pode causar traumas às mulheres, como aconteceu comigo, para um modelo que, antes de tudo, ouve, acolhe e reconhece as vontades e desejos da mulher. É o respeito, enfim, ao nascimento de um ser, momento em que duas vidas estão em jogo e toda dignidade importa. 

Grito que funciona e o amor, também

Agora, deixa eu te contar algo curioso que descobri no papo com a professora Alessandra. Está cientificamente comprovado que os gritos na hora do parto, aqueles que assustam e amedrontam muitos maridões de plantão, são parte do processo todo.  O que acontece é o seguinte: quando a mulher grita na hora de dar à luz, acontece um alívio nas partes íntimas,  que facilita o processo de dilatação. Então, não se assuste com o rugido do leão! Ele contribui com o corpo em trabalho de parto. Se puder, leve um travesseiro para mulher abraçar, chutar, morder, xingar  etc. Toda tensão pode ser liberada nesse momento e você não vai querer estar por perto de um leão furioso, não é mesmo? Tem que ter paciência e ciência, nesta hora. 

E tem mais! Marido, namorado, esposo, pega, ficante e/ou afins,  a presença do companheiro afetivo ao lado da mulher,  aumenta o nível de ocitocina, hormônio responsável por promover as contrações, mais conhecida popularmente como hormônio do amor, fazendo com que a mulher relaxe e sinta bem-estar. Resumindo, o homem faz parte e pode contribuir muito no processo do parto. Participe! 

Por outro lado,  quando a adrenalina e o estado de medo toma conta do cenário,  faz neutralizar o efeito da ocitocina. Entendeu porque é tão importante todo acolhimento e suporte  para empoderar essa mulher como ser capaz de parir por via vaginal, como cita a professora e enfermeira Alessandra. A mulher se sente uma verdadeira “mulher maravilha” em cena, é um sentimento de “eu sou imbatível” .

Foi aí que entendi que, no caso do meu parto, como citei no início, nada teve de humanizado. Pensei de novo: se eu tivesse sido escutada? Respeitada minhas vontades? Faltou informação, conhecimento? Falta de suporte técnico e psicológico adequados? Nunca é tarde para buscar o culpado e contribuir para vida de muitas outras mulheres como estamos tentando fazer, agora. 

Quantas mãezinhas nesse mundo já não passaram por momentos que geraram traumas. É triste e muitas vezes cruel, as violações obstétricas que ainda existem e não podemos negar. São dois lados de uma mesma moeda, que quase ninguém quer falar. 

Sem hora e sem lugar

Mas vamos continuar! Agora, com uma história inusitada e maravilhosa! Além de natural, o parto humanizado também é bem teimoso e não se prende necessariamente ao momento, local favorável e programado. Ele quebra padrões, muitas vezes fora de hora e nos lugares mais inesperados, como nos filmes, sabe? 

Um exemplo, foi a história da experiência vivida pela enfermeira Lorenna Viccentinni, que trabalha há 17 anos em Hospitais Universitários, já com 11 anos no Hospital Universitário de Maringá (HUM). 

Doutora e Mestre pelo Programa de Pós-graduação em Enfermagem pela Universidade Estadual de Maringá – UEM na área da saúde da mulher (gestação, parto e puerpério). Possui graduação em Enfermagem também pela Universidade Estadual de Maringá – UEM (2005)
🎧 Lorenna nos conta alguns detalhes da experiência em auxiliar um parto no banheiro do Hospital e sobre o reencontro com essa mãe em uma entrevista para sua pesquisa de Doutorado

Para Lorenna, o parto humanizado conta com a contribuição fundamental dos profissionais capacitados como médicos obstetras, enfermeiros, fisioterapeutas e doulas. Eles atuam com todo suporte com base em evidências científicas para melhorar a experiência do parto, com intervenção somente se houver a necessidade, gerando vínculo de confiança diante desse acolhimento. “Um dos pilares e objetivos é gerar satisfação e segurança para mulher, os chamados 2 S da humanização do parto”, ressalta a enfermeira.
Além da saúde física, segundo Lorenna, a experiência do parto humanizado também garante a saúde mental da mulher. Diminui, por exemplo, o índice de estresse pós-parto, em que, muitas vezes, a mãe divide o quarto com mais mulheres sem privacidade alguma, todos querendo dar pitaco, mãe, tia, avó, amigas, até os vizinhos.

Há ainda outro detalhe que quase ninguém nos conta: a fissura dos mamilos na amamentação. Pensa num sofrimento… não gosto de me recordar. É um processo além de doloroso, muito estressante. “Mas se a mulher está bem psicologicamente, consegue passar por essa fase de forma mais tranquila, além da recuperação física que é mais saudável e rápida” afirma a enfermeira.

Projeto Árvore da Vida – Unioeste

Um projeto muito bacana, que registra de forma mais humanizada esse momento emocionante do nascimento dos bebês, é realizado no Centro Obstétrico (CO) do Hospital Universitário do Oeste do Paraná (HUOP). A equipe faz um registro da placenta da mãe com tinta guache em uma folha em branco, gerando assim, o formato de uma árvore, que compõe o nome da iniciativa: “Árvore da Vida”.

Nesse retrato, ainda podem ser adicionados todos os dados do recém-nascido, como: dia e horário do nascimento, peso, medida, o carimbo do pezinho do bebê, além de ser escrito carinhosamente, à mão, uma mensagem da equipe que participou do parto. 

“A ideia é tirar essa visão de que o parto é algo ruim e mostrar como é possível ter um nascimento prazeroso, humanizado e digno” conclui a professora Alessandra Crystian Engles, que acompanha o Projeto.

Nasce um filho, nasce uma Mãe?

A enfermeira relembra um momento em que uma mãe chegou para ter uma cesárea e a partir de todo acolhimento que recebeu da equipe de profissionais, o rumo da história mudou. Foi um atendimento especial, que a marcou muito devido a toda assistência humanizada que acolheu essa mulher e o bebê. 

Era uma adolescente, acompanhada de mãe, gestante solo de um relacionamento casual. Durante a gravidez, teve dificuldades para aceitar o filho. Tinha planejado uma cesárea, porém, entrou em trabalho de parto antes do programado. Era notável o medo da moça em  parir naturalmente. 

“Então foi no tempo dela. E ela pariu lindamente!  Mas não olhou para o bebê no primeiro momento, não estava em seu planejamento. Levei o bebe até ela, que ficou com ele no colo uns 10 minutos sem olhar diretamente, apenas abraçado, mas sem aconchegar.  O bebê começou a fazer carinho nela, até o momento que ele sugou [mamou]. Foi aí que o semblante da mãe mudou, ela passou a sorrir de olhos fechados e, após abrir os olhos, ela conheceu o filho e passou a abraçá-lo”.

Essa história nos faz refletir que o parto em si não é só uma oportunidade de parir fisiologicamente, mas a oportunidade de criar uma relação de afeto e amor, de acordo com o espaço de tempo necessário para que essa relação seja estabelecida entre mãe e filho. 

Coisa de mãe mesmo

Mesmo diante de tantas experiências, positivas e negativas em relação ao parto, conseguimos enxergar o quão importante é contar com uma equipe humanizada e qualificada como suporte em um momento tão único, principalmente na vida da  mãe, que gera, dá à luz, cria e acompanha sua cria. 

O amor de mãe vence barreiras, vence o medo, traz a memória mesmo com toda dor que um dia ela passou, o reconhecimento de olhar para si como ser capaz, forte, corajoso!  Assim como foi comigo. Nasceu um filho, nasceu uma mãe. Hoje, percebo que apesar de não ter tido a assistência e conhecimento suficiente na época do nascimento do meu filho, me empoderei e me tornei protagonista da minha história,  escolhi superar essa fase para sentir e ter meu bebê nos braços.  Um laço inquebrável. Sou mãe!

Glossário:

  1. Doulas: Uma doula é uma assistente de parto, sem necessariamente formação em ciências da saúde, que acompanha a gestante durante o período da gestação até os primeiros meses após o parto, com foco no bem-estar de pessoas gestantes.
  2. Ocitocina: Ocitocina ou oxitocina é um hormônio produzido pelo hipotálamo e armazenado na hipófise posterior (neuro-hipófise) tendo como função: promover as contrações musculares uterinas; reduzir o sangramento durante o parto; estimular a libertação do leite materno; desenvolver apego e empatia entre pessoas; produzir parte do prazer do orgasmo; e modular a sensibilidade ao medo (do desconhecido).
  3. Empoderar: Em uma busca simples por significado, empoderamento pode ser entendido como a ação de se tornar poderoso. No entanto, esse poder nada tem a ver com superioridade. É, na verdade, um movimento de emancipação individual, cuja busca é ter domínio sobre a própria vida.

EQUIPE DESTA PÁGINA
Texto: Débora Arcanjo
Edição de texto: Ana Paula Machado Velho
Edição de áudio: Bruna Mendonça
Arte: Hellen Vieira
Supervisão de arte: Tiago Franklin Lucena
Edição Digital: Gutembergue Junior

A pesquisa que mencionamos contribui para os seguintes objetivos ODS: