O panorama genômico da pandemia no Paraná

Compreender as característica do vírus e da população do Estado ajudou a amenizar as consequências da disseminação do SARS-CoV-2

Foi no contexto da pandemia que uma Rede Genômica surgiu, de verdade, no Paraná. Não nasceu com a chegada da Covid-19, mas a disseminação rápida e descontrolada do vírus SARS-CoV-2 foi uma grande propulsora. Essa história foi apresentada no II Seminário dos Núcleos de Pesquisa e Inovação (NAPIs), realizado em novembro de 2023. O governo do Estado reuniu dezenas de grupos organizados com financiamento público para mostrar que o Paraná Faz Ciência, nome oficial do evento que abrigou o Seminário.

Então, para a gente falar da ação de pesquisas recentes em Genômica, no Paraná, é preciso incluir a atuação das instituições de ensino superior e do governo do Estado, na luta contra o SARS-CoV-2. O poder público financiou as iniciativas por meio da Fundação Araucária e da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (Seti). No que diz respeito à área do NAPI-Genômica, há dois pesquisadores que participaram desde o início destas ações, com os quais o C² conversou, para contar essa história. 

O professor do curso de medicina da Unicentro e atual chefe de departamento, David Livingstone Alves Figueiredo, é um deles. O também cirurgião de cabeça e pescoço é o coordenador do NAPI Genômica, presidente do Instituto de Pesquisas do Câncer (IPEC), de Guarapuava, e responsável por um convite feito a dezenas de outros pesquisadores do Paraná para entrarem na luta contra o SARS-CoV-2.

De acordo com Figueiredo, a Rede Genômica é fruto de um movimento em que se tentou criar um ecossistema de inovação envolvendo o Estado, a Academia, a iniciativa privada e a sociedade civil organizada. Surgiu, então, um Instituto de Ciência e Tecnologia (ICT).

O ICT 1ganhou o nome de IPEC, que foi criado em Guarapuava. Ele é a base tecnológica para pesquisas em genoma. Aos poucos, com o fortalecimento do grupo, surgiu, em 2020, o que o governo do Estado chamou de Vale do Genoma. Uma entidade que passou a reunir 200 pesquisadores de diferentes instituições do Paraná, inclusive da Fiocruz-PR.

O professor David Livingstone Alves Figueiredo (Foto/Arquivo Pessoal)

Napi em ação

O primeiro projeto no NAPI, você pode conhecer na matéria que publicamos também nesta semana. O segundo surgiu logo depois de se formar a Rede Genômica com os pesquisadores que estavam envolvidos na primeira iniciativa, chamado de Genoma Humano/viral. Foi um estudo epidemiológico com levantamento de dados da base de Covid, da Secretaria Estadual de Saúde do Paraná (Sesa). Foram avaliadas as informações clínicas de mais de 100 mil pacientes. 

“Naquele momento era um homem, o professor David, um pesquisador borbulhando em ideias, mandando mensagens, convocando inúmeras reuniões do NAPI Genômica. A gente trabalhava horas por dia para saber um pouquinho mais sobre a Covid. Em um primeiro momento, tentamos caracterizar a nossa população”, explicou a professora Andrea Simão, pesquisadora do interior do Paraná, formada, com especialização, mestrado e doutorado pela Universidade Estadual de Londrina (UEL), onde atua como docente do Departamento de Patologia.

A equipe do projeto consultou as bases de dados do Paraná, da Secretaria Estadual de Saúde. Na época, 423 mil casos de Covid estavam registrados na plataforma da Sesa. Porém, esses registros não eram completos. A professora Andrea lembra que trabalhar na época da Covid, em que as informações dos pacientes eram colocadas rapidinho no sistema, fez com que  fosse difícil reunir informações consistentes. Naquele momento de crise, isto é, na fase mais aguda da pandemia, muitas vezes, não era possível, ou viável, investigar para saber as características exatas dos pacientes. Segundo a professora, naquela época, os profissionais de saúde precisavam priorizar a manutenção da vida, não dava tempo de escrever muitos detalhes no prontuário e anotar dados mais específicos.

Desta forma, não foram avaliados os 420 mil pacientes como estava planejado inicialmente, porque não havia dados completos de todos os pacientes. As perguntas do estudo eram: quais são as principais comorbidades e qual é o resultado dessas comorbidades na infecção por SARS-CoV-2 no estado do Paraná? E quais são os sintomas dos pacientes paranaenses? Será que é compatível com o resto do Brasil e do mundo? Foram utilizados dois critérios para a seleção dos pacientes. Desta forma, foram selecionados cerca de 107 mil pacientes que tinham,  pelo menos, um dado clínico descrito no prontuário e cerca de 102 mil pacientes que tinham, pelo menos, uma comorbidade descrita. E essas questões foram respondidas. 

Os resultados trazem dados importantes. Por exemplo, os sintomas mais comuns dos paranaenses infectados foram tosse e dor de cabeça, independente se eram os pacientes que estavam internados, se recuperando em casa ou precisavam de enfermaria ou UTI. Os dados chamam atenção para o fato da dispneia ou falta de ar estar presente naqueles indivíduos que foram hospitalizados, como principal sintoma. As comorbidades mais prevalentes entre os pacientes no Paraná foram: hipertensão e diabetes. 

Tudo isso está em um artigo publicado, que tem como ponto-chave, de acordo com a professora, uma informação importante: a influência do HDI, o Índice de Desenvolvimento Humano da população paranaense. “É óbvio que, quanto menor o Índice de Desenvolvimento Humano, menor o acesso da população à assistência à saúde e, consequentemente, a probabilidade dessas pessoas morrerem ou terem uma Covid mais grave. Bom, é óbvio, mas precisava ser mostrado e a ciência é feita disso, de obviedades que precisam ser mostradas e documentadas. E esse artigo trouxe esse diferencial”, explica Andrea, que acrescenta que os dados mostraram que os outros fatores de risco para a gravidade da doença eram os mesmos dos demais países.

Tecnologia

Depois de conhecer o perfil dos pacientes, era hora do NAPI conhecer o SARS-CoV-2. Por isso, o projeto seguinte do NAPI teve como objetivo o Sequenciamento do RNA Viral. O trabalho foi feito para a Sesa com financiamento da Seti.

O estudo foi realizado em parceria com professores pesquisadores membros do NAPI Genômica e vinculados a universidades e instituições do Paraná: Universidade Estadual do Centro-Oeste (Unicentro); Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG); Universidade Estadual de Londrina (UEL); Universidade Estadual de Maringá (UEM); Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste); Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila); Laboratório Central do Estado do Paraná (Lacen-PR); Unimed Laboratório de Curitiba; ND Núcleo Diagnóstico de Maringá; Mestre Laboratório Clínico de Guarapuava e Biovel Laboratório de Cascavel. 

Foram selecionadas 1.536 amostras, positivas para SARS-CoV-2, representativas da população das seis Macrorregionais de saúde do Estado e pode-se verificar quais cepas virais estavam circulando no Paraná. Curitiba, Ponta Grossa, Guarapuava, Foz do Iguaçu, Cascavel, Francisco Beltrão, Maringá e Londrina foram as cidades que representaram as Macrorregionais.

Este projeto resultou em um relatório entregue à Sesa, em outubro de 2021. Com essas informações, a Secretaria pode determinar, por exemplo, que as variantes Gama e Delta foram mais prevalentes em todas as regiões. O relatório foi intitulado ‘Vigilância Genômica no Paraná’ e ajudou a Sesa a registrar a presença de variantes associadas à gravidade da doença em Londrina, antes dos surtos que ocorreram em Manaus e no Rio de Janeiro. Os dados tiveram bastante destaque na mídia não só pelas importância das informações, mas por colocarem o Paraná entre os estados que mais sequenciaram o SARS-CoV-2 no Brasil.

“Com as amostras enviadas de Londrina e outras da Unimed de todo o Estado, conseguimos determinar quais eram as cepas circulando por aqui. Houve a participação das macroregiões e nós conseguimos mais de 1,5 amostras, colocando o Estado como o terceiro que mais sequenciou o vírus no Brasil. Outra resposta importante do NAPI-Genômica para a sociedade”, explicou a professora Andrea.

Segundo a bioquímica, o IPEC foi fundamental, porque não há sequenciadores em todas as universidades do Estado. O Instituto foi importante naquele momento pela potência de sua infraestrutura e por possuir os extratores de grande porte que possibilitam a retirada adequada de material genético de várias amostras com grande agilidade, o que fez com as análises fossem possíveis no Paraná. 

Em resumo, a pesquisa mostrou que todas as cepas foram encontradas no Estado: Alfa, Gama, Zeta e Delta. Isto é, não faltou nenhuma variante do vírus, por aqui. Mas uma coisa chama a atenção. Em algum momento dessa história, começou a se falar de uma nova cepa, de uma variante que causava mais mortes. Isso começou em Manaus, depois o foco foi o Rio de Janeiro. Mas, graças à rapidez com que foi realizado o sequenciamento no Paraná, foi visto que aquela variante já estava circulando em Londrina e em outras regiões do Estado. 

“Essa informação causou um impacto grande para a sociedade. O professor David deu inúmeras reportagens. Na Fundação Araucária tem várias, na Folha de São Paulo, na Folha de Londrina. Ele foi até no Fantástico [Rede Globo]. Então, o impacto da pesquisa,do nosso NAPI foi importante, para as autoridades epidemiológicas aqui do Paraná”, registra Andrea.

De olho no ambiente

E o NAPI não parou por aí. Andrea Simão ainda destaca um projeto que chamou a atenção, porque era a estreia dela no universo do monitoramento ambiental. A bioquímica trabalhava pesquisando doenças autoimunes e foi chamada para compor a equipe do NAPI, o que se tornou um desafio para a professora. 

“David Figueiredo estabeleceu uma parceria com Emmanuel Dias Neto, do Hospital A. C. Camargo, para que os estados de São Paulo e Paraná realizassem o monitoramento do SARS-CoV-2, no ambiente. Este estudo foi possível graças à experiência que o doutor Emmanuel possui neste tipo de projeto, já que participa de um Consórcio Mundial chamado MetaSub, quel realiza o monitoramento de metagenômica2 de microorganismos no mundo todo”, detalha Andrea Simão.

No Brasil, os coordenadores da ação selecionaram algumas cidades do Estado de São Paulo e do Paraná. Serrana, município paulista, foi a primeira escolhida uma vez que toda a população havia sido vacinada. Ribeirão Preto, também em São Paulo, como controle negativo, porque não tinha vacinação em grande escala. Já, no Paraná, três cidades foram escolhidas e fizeram parte do monitoramento ambiental: Londrina, Guarapuava e Curitiba. 

Como foi feito? 23 pessoas participaram do projeto. Alunos fizeram coletas nas cidades em alguns ambientes com grande circulação de pessoas. Londrina escolheu o Hospital Universitário, porque o trânsito de pessoas era muito grande, além de ser o hospital referência na região para o tratamento de Covid, e o terminal urbano. 

Segundo Andrea, nos dias em que os estudantes saíam para as coletas era muito estimulante e acabou empolgando toda a equipe, porque os integrantes se sentiram importantes, já que todo mundo queria saber porque eles estavam passando cotonete por tudo: catraca, bebedouro, UTI, leitos. E, no final, pegavam a amostra, colocavam em tubinhos e mandavam para Guarapuava, para o sequenciamento viral. 

“Foi um projeto muito, muito, muito interessante, a coleta no terminal urbano, nunca tinha participado de algo assim. Nós coletamos amostras semanalmente, por dois meses, e conseguimos determinar quais eram as variantes que estavam circulando no Paraná. Essa importante resposta foi dada à sociedade. Foi muito gratificante, porque foi um momento de muita interação com o Serviço de Saúde, com a Prefeitura de Londrina e com os nossos alunos, que curtiram muito esse momento diferente, a gente não fazia pesquisa assim”, comenta Andrea. A professora lembrou que as informações permitiram às autoridades de saúde conhecerem os locais de maior contaminação ambiental e, assim, executarem ações de desinfecção mais efetivas.

Com isso, vemos que a ciência e quem a faz são atores importantes na garantia do bem-estar da população. As universidades têm um papel fundamental neste cenário. As instituições do Paraná mostraram isso, claramente, durante a pandemia. Viva a Academia!

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Texto:
Ana Paula Machado Velho
Revisão de texto: Débora de Mello Sant’Ana
Arte: Lucas Higashi e Hellen Vieira
Supervisão de arte: Tiago Franklin Lucena
Edição Digital: Gutembergue Junior

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A pesquisa que mencionamos contribui para os seguintes ODS:

Glossário

  1. ICT – que pode ser definido como um órgão ou entidade da administração pública que tenha por missão institucional, entre outras, executar atividades de pesquisa básica ou aplicada de caráter científico ou tecnológico. ↩︎
  2. Metagenômica – É a análise genômica da comunidade de microrganismos de um determinado ambiente por técnicas independentes de cultivo. Essa abordagem consiste na extração de DNA diretamente do ambiente. ↩︎