7 de abril – Dia Mundial da Saúde: a luta por um direito

O professor e reumatologista Paulo Roberto Donadio, consultor de saúde do C², fala sobre o direito a uma vida saudável

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Em 1948, a Organização das Nações Unidas (ONU) instituiu, no dia 7 de abril, uma agência especializada em saúde: a Organização Mundial de Saúde (OMS). Por ser a data de fundação da OMS, o 7 de abril foi escolhido para representar o Dia Mundial da Saúde, que é comemorado desde 1950. Celebrar essa data é para a OMS uma forma de motivar as políticas públicas em saúde a enfrentarem seus desafios.

Como toda data comemorativa, o Dia Mundial da Saúde tem como objetivo principal chamar a atenção de todas as pessoas para as questões que dizem respeito aos cuidados com a própria saúde. Obviamente, também, chamar a atenção daquelas pessoas envolvidas diretamente com o cuidado com a saúde da coletividade, desde os gestores até os profissionais de ponta. 

Mas, afinal, o que é saúde? A compreensão deste conceito vai se transformando ao longo do tempo, variando de cultura para cultura. Por um longo período, acreditava-se que saúde simplesmente significava a ausência de doença. No entanto, na década de 40, a Organização Mundial da Saúde define saúde como um estado completo de bem-estar físico, mental e social, o que muda completamente a forma de se pensar como garantir a tala da saúde para todo mundo.

O professor e reumatologista Paulo Roberto Donadio (Foto/ASC-UEM)

Uma das formas de manter essas discussões acesas é a comemoração do Dia Internacional da Saúde. Todos os anos, um tema é escolhido para refletir alguns dos principais problemas relacionados à área que afetam a população mundial. O lema deste ano, “Minha saúde, meu direito”, soa como um alerta para a já tão esquecida questão de que a saúde deve ser garantida ao cidadão, e não encarada como mais um simples bem de consumo.

Aproveito este alerta para convidar todos a refletirem sobre os enormes desafios que a população enfrenta no dia a dia para ver atendidas suas necessidades básicas de saúde.

Em 1977, lá se vão quase 47 anos, a OMS lançou o movimento “Saúde Para Todos no Ano 2000”. Em 1978, foi realizada a Primeira Conferência Internacional sobre Cuidados Primários de Saúde, na cidade de Alma-Ata, no Cazaquistão, que resultou no lançamento da famosa Declaração de Alma-Ata. Este documento enfatizou o significado de saúde como um direito humano fundamental. Estava lançada uma das mais importantes metas mundiais para a melhoria social. Passado quase meio século, temos a certeza de que esta meta (sonho) ainda está muito distante. 

No Brasil, pudemos vivenciar muitos avanços após a implantação do Sistema Único de Saúde (SUS), fruto de um movimento de sanitaristas conhecido como Reforma Sanitária. As propostas deste grupo foram incluídas no relatório da 8ª Conferência Nacional de Saúde, de 1986, garantidas pela Constituição Cidadã de 1988, e posteriormente, incorporadas aos textos legais de implantação do SUS. 

Mas como nem tudo são flores, também vivenciamos muitos períodos de retrocessos, ao sabor das vontades políticas dos governantes que se sucederam e se alternaram no poder. 

Base importante

No entanto, ganhamos bases sólidas de organização: os princípios fundamentais do SUS, que preconizam um cenário admirável. O Sistema foi pensado e construído sobre os conceitos de Universalidade, Integralidade, Descentralização, Regionalização, Hierarquização e Participação social.

A Universalidade diz respeito ao fato de que a Constituição Federal entende a saúde como um direito de todos os cidadãos brasileiros e é dever do Estado. A Integralidade atribui ao governo o dever de dar atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços de assistência. Ou seja, a atenção à saúde precisa levar em conta as especificidades das necessidades de pessoas ou grupos, mesmo que minoritários. 

A Equidade determina que o Estado deve garantir a todos os cidadãos brasileiros o direito à saúde de forma igual, já que a Constituição diz que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”. Mas não podemos esquecer que, devido a desigualdades sociais e também regionais, o Estado deve tratar desigualmente os desiguais, com maior investimento e esforço em áreas mais necessitadas. Então, com o princípio da Equidade, todos precisam ter seus direitos respeitados de acordo com suas diferenças.

O Sistema Único de Saúde (SUS) é um dos maiores sistemas de saúde pública do mundo (Foto/Ministério da Saúde)

O artigo 198 da Constituição Federal estabelece, também, que as ações e serviços públicos de saúde constituem um sistema único e descentralizado. O SUS está presente na União, nos Estados, no Distrito Federal e nos municípios. Com a descentralização, a população pode cobrar localmente os gestores, até porque os recursos também são descentralizados. 

Entre as diretrizes do SUS ainda estão a Regionalização e Hierarquização da rede. Muitas vezes, com recursos escassos, os gestores municipais e estaduais precisam buscar a melhor forma de garantir a eficácia, a eficiência e a efetividade do Sistema Único de Saúde.

Podemos ilustrar da seguinte forma: não é necessário que cada cidade tenha um hospital com capacidade de realização de cirurgias cardíacas, por exemplo. Mas é necessário que haja um hospital de referência na mesma região para que elas possam ser realizadas. Em outras palavras, todos devem ter acesso a todos os serviços, mesmo que não seja no município onde vive.

Por fim, a Participação social entre as diretrizes do SUS quer garantir que a população atue nos processos relacionados ao Sistema. Isso vale desde a formulação de políticas públicas de saúde até sua execução, independentemente da esfera. Ou seja, a garantia de participação social confere maior legitimidade ao Sistema Único de Saúde.

Proposta nota mil

Talvez sejamos o único país de dimensões continentais e com mais de 200 milhões de habitantes que tem a garantia de que a saúde é um direito do povo e um dever do estado. Com este mote, acompanhamos a expansão dos programas de Atenção Primária em Saúde, com cobertura para quase 100% da população. Ótima notícia!

O SUS também é responsável por aproximadamente 80% dos chamados procedimentos de alta complexidade, como os transplantes e hemodiálises. Infelizmente, ainda temos uma carência enorme para os procedimentos considerados de média complexidade. Este nível de assistência é composto por serviços especializados encontrados em hospitais e ambulatórios. Envolve atendimento direcionado para áreas como pediatria, ortopedia, cardiologia, oncologia, neurologia, psiquiatria, ginecologia, oftalmologia entre outras especialidades médicas, com enormes listas de espera para consultas, o que impacta negativamente no poder de resolução do sistema.

Por fim, é dever do SUS, ainda, cuidar dos cuidados agravos de saúde, que ocorrem por várias razões, desde determinações genéticas, hábitos de vida (tabagismo, alcoolismo etc.), infecções as mais diversas. Sem contar aqueles que ocorrem em grupos populacionais, como as epidemias e endemias (Dengue, Hanseníase, Tuberculose), e até pandemias, atingindo toda a população mundial, como a que enfrentamos nos últimos quatro anos (COVID).

Em que pese os avanços experimentados, vemos que muitas dificuldades ainda são enfrentadas sem uma sequência uniforme e lógica, como uma política de estado, mas sim submetidas a políticas de governo, que mudam a cada novo gestor. Talvez esta inconstância seja o maior dos problemas, mas podemos identificar outros.

A própria OMS aponta que, dos 140 países que têm o direito à saúde inscrito nas suas respectivas constituições, apenas quatro fazem menção a como financiar ações que possibilitem garantir este direito. E, mesmo aqueles que o fazem, como o Brasil, os recursos destinados sempre são insuficientes, por diversas razões, como aporte abaixo do esperado, gastos indevidos, desvios etc. 

Ainda tem a desinformação que acomete grande parte dos cidadãos. A maioria das pessoas vê as questões de saúde pela lógica limitada da assistência médica. Esquecem que o conceito de saúde é muito mais abrangente, envolvendo desde os cuidados individuais de cada um com os hábitos de vida, passando pelos controles sanitários que ocorrem em todos os níveis, como vimos acima. 

Um país com enormes desigualdades econômicas e sociais como o nosso, a maior parte dos cidadãos enfrenta enormes dificuldades para garantir o direito à saúde sob a perspectiva integral. O ganho insuficiente não permite residir em áreas que tenham fornecimento de água tratada de boa qualidade e rede de esgoto, ou até a aquisição de alimentação adequada e suficiente. 

Não podemos deixar de registrar as enormes distâncias entre as moradias de populações de baixa renda e os locais de trabalho, que consomem muitas horas de um dia comum, interferindo de forma determinante na possibilidade de realizar as atividades físicas recomendadas e necessárias para uma boa condição de saúde.

Transporte público em Bogotá (Foto/Galo Naranjo)

Enfim, talvez tenhamos o sistema de saúde mais abrangente do mundo, mas que ainda carece de muito esforço para que realmente possamos atingir a meta de garantir saúde integral com a universalidade pretendida à época da concepção.

Alcançar esta meta é um desafio de tal proporção que só será possível com o real envolvimento de todos na defesa dos princípios que norteiam o SUS.

Fica o convite: todos na defesa do SUS para garantir “Minha saúde, meu direito”.

EQUIPE DESTA PÁGINA
Texto:
Paulo Roberto Donadio
Colaboração: Patricia Ormastroni Iagallo
Supervisão de texto: Ana Paula Machado Velho
Arte: Hellen Vieira
Supervisão de arte: Tiago Franklin Lucena
Edição Digital: Gutembergue Junior

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