A água oculta que você usa, veste e ‘come’

A capa é uma ilustração dividida em três partes, representando o ciclo do café. No primeiro terço, à esquerda, há um campo verde com cafeeiros, com pequenos frutos vermelhos de café entre as folhas. No centro, uma mão segura grãos de café enquanto a água flui ao redor, simbolizando o processo de lavagem dos grãos. No terceiro terço, à direita, há uma xícara de café vista de cima, com espuma e redemoinhos no líquido, representando a bebida pronta. As cores predominantes são tons de verde, azul e marrom, criando uma sensação natural e artesanal.
O C² te conta como o nosso consumo de água vai além das atividades óbvias do cotidiano

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Imagine o seguinte cenário: pela manhã, você acorda. A sua cama é super confortável e tem um conjunto bem bonito de lençol, fronha e cobertor que combinam. Logo em seguida, você lava seu rosto e troca seu pijama por uma calça jeans e uma camiseta. Afinal, está na hora de ir trabalhar. Calma! Não esqueci da primeira refeição. Você coa um pouco do café preto, come dois ovos mexidos, enche a sua garrafa de água e começa a jornada de mais um dia de labuta.

Agora, tenho mais um desafio para você: tente imaginar quanta água, mais ou menos, foi gasta nesse período de tempo entre o despertar até a saída de casa pela manhã. Você pode até pensar que foi só a quantidade gasta com a lavagem do rosto, com a garrafa e na preparação do café e dos ovos. Mas, vem cá: vou te contar uma coisa chocante. Quase tudo leva água na produção. O seu colchão, seus lençóis, fronhas e cobertores, a calça jeans e a camiseta – tudo isso precisou de muuuuita água para ser feito.

O infográfico apresenta a quantidade de água necessária para produzir diferentes itens do dia a dia. Ilustrações acompanhadas de valores mostram que uma xícara de café requer 140 litros de água, um ovo 135 litros, um copo de leite 200 litros, um hambúrguer 2.400 litros, um quilo de carne bovina 15.500 litros, uma camisa de algodão 2.500 litros e uma calça jeans 8.000 litros. A fonte dos dados é a ONU para Alimentação e Agricultura e a Embrapa.

A maior parte da água que consumimos está “escondida” nos produtos e serviços do dia a dia. O Dia Mundial da Água, criado pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1992 e  celebrado em 22 de março, nos lembra da importância desse recurso, ainda que foquemos mais na preservação direta, como a economia de água em casa. Pensando nisso, o professor Ricardo Luis Lopes, do Departamento de Economia da Universidade Estadual de Maringá (UEM), pesquisa, junto a outros parceiros, o fluxo invisível desse elemento essencial por trás do comércio global.

A imagem mostra o professor Ricardo, um homem sorridente de pele clara, com cabelo curto e olhos castanhos. Ele veste um terno escuro sobre uma camisa preta e tem um pequeno broche da UEM em sua lapela. O fundo da foto é neutro e desfocado, destacando o rosto do homem como o principal foco da imagem.
Professor Ricardo Luis Lopes (Foto/Arquivo pessoal)

“Eu já trabalho com economia do meio-ambiente há algumas décadas. Quando começou uma onda de preocupação maior com o aquecimento global, cresceu o interesse de se pesquisar sobre a relação da água e a economia e, consequentemente, como essa relação afeta o meio-ambiente”, conta o professor.

Foi assim que Lopes começou a pesquisar sobre a água virtual, que é toda a água usada no processo produtivo, desde a produção da matéria-prima até a comercialização de um produto ou serviço, por exemplo. O termo “virtual”, nesse contexto, não significa ser algo digital, mas sim ser indireto ou não aparente. Não vemos, por exemplo, 8 mil litros de água na nossa frente quando vestimos uma calça jeans,  mas essa quantidade do recurso natural foi consumida ao longo de todo o ciclo de produção dela.

“Quando pegamos toda a água virtual utilizada em uma economia específica, podemos calcular a pegada hídrica, que é uma média da quantidade de água que cada habitante deve ter disponível para atender ao padrão de consumo atual”, explica Lopes. A pegada hídrica brasileira é de, aproximadamente, 5500 litros de água consumidos direta ou indiretamente por uma pessoa em um dia. É muita água, não é mesmo? 

O professor explica que o Brasil não exporta apenas alimentos e matérias-primas, mas também a água embutida nesses produtos: “quando exportamos carne de frango para a Europa, estamos, na verdade, enviando toda a água utilizada para criar, alimentar e processar esses animais”.

Lopes ainda ressalta a relevância do Brasil como um dos maiores exportadores de água virtual: a nossa agropecuária usa muita água, e é, portanto, responsável por cerca de 78% da água virtual no Brasil. É aqui que entra mais um conceito muito interessante: o agronegócio usa muita água verde e azul e, em comparação com outros países, não temos muitos problemas com água cinza, já que dispomos de muitas matrizes limpas de água. 

Calma, não estou falando de água tingida artificialmente. Na verdade, quando falamos de pegada hídrica, existem alguns termos bem curiosos. A água azul é a dos lagos e rios. A água verde é aquela retida no solo, que as plantas podem utilizar para crescer. Já a água cinza é usada em processos para recuperar um impacto ambiental. Se um ambiente é contaminado, a água cinza é aquela que limpa e recupera a situação.

O infográfico explica os conceitos de água azul, verde e cinza. A água azul refere-se às águas superficiais e subterrâneas, como rios, lagos e aquíferos. A água verde é a precipitação que não recarrega águas subterrâneas, sendo armazenada no solo ou na vegetação. A água cinza representa o volume de água necessário para diluir a poluição gerada em processos produtivos.

Para assegurar o uso sustentável da água, são desenvolvidos conceitos que auxiliam no controle e planejamento adequado desse recurso. Outra abordagem essencial é investir em pesquisas sobre seu papel econômico. Nessa linha, o professor Ricardo, em parceria com os professores Carlos Alberto Gonçalves Junior, da Universidade Estadual do Oeste do Paraná, e Umberto Sesso Filho, da Universidade Estadual de Londrina, têm se dedicado a esse campo de estudo. 

A pesquisa que eles desenvolvem compara o Produto Interno Bruto (PIB) e a pegada hídrica do agronegócio em 189 países, buscando entender essa relação para melhorar a eficiência no uso da água. Com esse conhecimento, é possível planejar políticas mais sustentáveis, aprimorar as técnicas de irrigação e desenvolver culturas mais resistentes à seca. Além disso, o estudo avalia o impacto ambiental do agronegócio, considerando os diferentes tipos de pegada hídrica: azul, verde e cinza.

A imagem mostra os professores, três homens sorrindo em frente a um prédio de fachada vermelha e preta, com uma cobertura metálica e algumas plantas ao fundo. O homem à esquerda usa uma camisa polo listrada em branco e azul, tem cabelo grisalho e óculos. O homem do meio veste uma camisa azul clara de mangas compridas, tem cabelo curto e escuro e usa óculos. O homem à direita veste uma camisa social azul escuro e tem cabelo curto. Eles estão lado a lado, demonstrando uma postura descontraída.
Professores Carlos, Umberto e Ricardo, respectivamente (Foto/Reprodução)

“É importante destacar que analisamos o custo ambiental em termos de pegada hídrica para gerar uma unidade de renda [mil dólares] no agronegócio”, conta Lopes. Foi observado que o Brasil usa, em média, 4 mil m³ de água para produzir o equivalente a mil dólares de renda gerada, enquanto, no Japão, esse valor é de aproximadamente 45m³/US$ e na Rússia, 6857m³/US$.

No agronegócio, a criação de animais e o cultivo de plantas são os setores que mais usam água em relação à renda que geram. Depois, vêm os insumos (como sementes e fertilizantes) e, em seguida, a indústria (processamento de alimentos, por exemplo). Já os serviços (como transporte e comercialização) são os que menos utilizam água para cada mil dólares gerados, como demonstra a pesquisa de Lopes, Junior e Filho.

Agora, o professor explica que, por meio de uma metodologia que analisa as relações comerciais dos 27 estados do Brasil com outros 68 países, é possível conhecer melhor o fluxo de comércio de água virtual de cada unidade federativa com o resto do mundo em 36 setores da economia. “Nossos planos futuros incluem usar essa metodologia para analisarmos a relação entre o eixo Londrina-Maringá e o restante do Paraná e Brasil”, conta Lopes. Ele ainda reforça que é possível descobrir mais sobre o assunto no site do grupo de pesquisa.

Podemos perceber que, ainda que o Dia Mundial da Água nos lembre da nossa responsabilidade individual em economizar esse recurso valioso, também há espaço para tornar o uso da água no agronegócio mais eficiente, especialmente na produção de insumos e na agropecuária. Algumas soluções incluem variedades de plantas resistentes à seca, sistemas de irrigação mais eficientes e políticas públicas de incentivo à inovação. Além disso, a indústria e os serviços podem reduzir o consumo com reciclagem, manutenção e equipamentos modernos.

Afinal, a água é um recurso essencial para a vida e para a economia, e a gestão eficiente dela definitivamente é um desafio global. É importante conhecermos a pegada hídrica dos produtos que consumimos e a quantidade de água virtual exportada pelo Brasil. Isso nos permite refletir sobre como tornar essa relação mais sustentável. Assim, garantimos que esse recurso vital continue disponível para as futuras gerações.

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Texto:
Luiza da Costa
Supervisão de Texto: Ana Paula Machado Velho
Arte: Lucas Higashi
Supervisão de arte: Hellen Vieira
Edição Digital: Guilherme Nascimento

A pesquisa que mencionamos contribui para os seguintes ODS:

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