Cada ano que passa, o número de pessoas que adotam o estilo de vida vegetariano ou vegano vem crescendo no Brasil. Esse dado é confirmado pela Sociedade Vegetariana Brasileira (SVB), uma organização sem fins lucrativos, que promove a alimentação vegana como uma escolha ética, saudável, sustentável e socialmente justa. Em 2021, o Inteligência em Pesquisa e Consultoria (Ipec), divulgou uma pesquisa encomendada pela SVB, em que foi constatado que 46% dos brasileiros já deixam de comer carne, por vontade própria, pelo menos uma vez na semana. Esse resultado demonstra uma mudança de comportamento da população brasileira em relação ao consumo de produtos de origem animal.
A comunicóloga Maria Eduarda de Souza Oliveira é uma das pessoas que não consome carne. Ela é “ovolactovegetariana”, ou seja, em sua dieta os únicos alimentos provenientes de animais são os ovos, o leite e seus derivados. Porém, apesar de ainda consumir esses produtos, ela busca evitá-los quando possível, um processo difícil, visto que eles estão presentes na base de produção de inúmeros preparos. Em 2019, ela escolheu adotar esse estilo de vida e, além das mudanças na alimentação, também procura não utilizar produtos de origem animal no seu dia a dia, desde o vestuário até os artigos de beleza.
O que motivou a comunicóloga é a razão que incentiva a maioria das pessoas que segue as vertentes do vegetarianismo e veganismo: a questão ética relacionada ao bem-estar dos animais. “Não acho a maneira como eles estão submetidos à violência correta. É uma violência extrema que coloca os animais em condição de terror. Algo que me entristecia bastante na época que eu comia carne era pensar naquela morte, em todo o processo de ir para o frigorífico, ser levado e ser submetido a certas condições, tudo para virar um prato na nossa mesa. Para mim, aquilo tudo era, e ainda é, injusto, tendo em vista o tanto de opções de alimentos que existem sem o sofrimento dos animais, como os vegetais, as frutas e os grãos”, explica Oliveira.
Com o tempo, Maria Eduarda foi se aprofundando mais na causa vegetariana e vegana, com leituras e pesquisas sobre o tema. Além de toda questão envolvendo a exploração animal, ela também cita o aspecto ambiental ligado à pecuária, uma das atividades que mais contribuem para o esgotamento dos recursos da natureza. “Nesse processo, é preciso pensar no espaço destinado à criação dos animais e à ração produzida para eles se alimentarem, o que gera a abertura de extensos pastos, provocando desmatamentos. Eu comecei a prestar mais atenção sobre isso, pois uma coisa está associada a outra. A questão é tanto ética quanto ambiental, e isso também foi algo que me fez persistir e continuar nesse estilo de vida”, detalha ela.
Essa pauta ética e ambiental também é o desafio da geração futura, afinal, como vamos alimentar toda a população do mundo, que atualmente passa dos 8 bilhões de pessoas, com os recursos naturais que temos? Uma resposta para essa pergunta está nos estudos de novas possibilidades para a produção de alimentos de qualidade, algo realizado pelo Novo Arranjo de Pesquisa e Inovação em Proteínas Alternativas (NAPI PA). O programa envolve as seguintes universidades do Paraná: Universidade Federal do Paraná (UFPR), Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) e Universidade Estadual de Maringá (UEM).
A professora da UFPR, Carla Forte Maiolino Molento, uma das coordenadoras do NAPI PA, explica que as proteínas alternativas são opções às convencionais, produzidas pela criação e abate de animais. “No entanto, as proteínas alternativas não causam a morte nem o sofrimento dos bichos durante o processo de produção.” Existem três tipos de proteínas alternativas, conheça quais são elas no vídeo abaixo:
Segundo projeções da ONU, a população mundial chegará a 9,7 bilhões de pessoas, no ano de 2050, gerando a necessidade de um aumento de 70% na produção de proteínas para atender a essa demanda. Pensando em suprir as necessidades de um mercado futuro, o objetivo do NAPI PA é que o Paraná se transforme em um grande produtor na nova indústria de produção de proteína sem sofrimento animal. “É uma indústria de crescente importância, que tende a ter uma relevância no mercado local, estadual, nacional e, principalmente, no mercado global. Essa indústria é importante para o Brasil, se nosso país deseja manter a sua posição de grande produtor de alimentos de origem animal”, afirma a professora Carla Molento, em entrevista à UFPR.
Inicialmente, o projeto, irá focar no cultivo de células, ou seja, o projeto vai desenvolver técnicas para multiplicar as células animais, método utilizado para a produção da carne celular. Para extração dessas células, não é preciso fazer o abate do animal; adicionalmente, as técnicas visam adaptar as células à vida ex vivo, diminuindo a necessidade de amostragem nos animais. O diferencial do NAPI PA, é que as células multiplicadas serão de raças paranaenses, o gado Purunã e os porcos Moura. A multiplicação das células é feita em biorreatores, equipamentos externamente parecidos com fermentadores de cerveja.
Os desafios são muitos, conta outra coordenadora do projeto, a pesquisadora Renata Macedo, do Programa de Pós-graduação em Ciência Animal da PUCPR. Ela atua no projeto auxiliando na seleção de células mais adaptadas para cultivo e nas avaliações de qualidade do produto a ser desenvolvido. “Se por um lado os produtos vegetais contêm fibras dietéticas e óleos ricos em ácidos graxos ômega, que são benéficos à saúde, por outro lado, produtos tradicionais à base de carne podem fornecer proteínas de maior qualidade e alergenicidade rara”, detalha a Doutora em Tecnologia de Alimentos.
Além disso, mesmo que o teor de proteína em alguns alimentos de origem vegetal possa ser maior do que os de origem animal, a absorção dos componentes alimentares por nosso corpo é menor, sendo necessária a adição de vitaminas, em especial a B12. Outro desafio da ciência alimentar, segundo Macedo, é que, para se aproximar de características sensoriais das proteínas animais, como o sabor, textura e cor é necessário a adição de “diversos aditivos que tornam o produto menos natural e menos saudável”, explica a pesquisadora.
Pensando em trazer esse aspecto mais saudável, entra o trabalho da professora e também coordenadora do NAPI PA, Paula Toshimi Matumoto-Pintro, da UEM, que pesquisa com seu grupo ingredientes como antioxidantes, corantes e emulsificantes, todos naturais, que além de deixar os alimentos mais nutritivos, terão papel importante em aproximar o produto celular as características das proteínas que já conhecemos. “Nós vamos conseguir modelar a nutrição da carne, a quantidade de gorduras que fazem bem. Nós temos trabalhos com miméticos de gordura, ou seja, que imitam gordura, procurando usar produtos vegetais que possam imitar a gordura animal”, detalha a cientista.
Os ingredientes pesquisados pela professora Paula visam, além da nutrição, a sustentabilidade, já que muitos são resíduos agrícolas e de agroindústria. “Se é para fazer sustentável, queremos fazer por completo”, destaca ela.
Se você está imaginando quando verá um hambúrguer de carne cultivada no freezer do mercado, saiba que a corrida para desenvolver essa tecnologia está a todo vapor, contando com investimentos que chegam na casa dos milhões, feitos pela indústria mundial. Mesmo que países como Cingapura e Estados Unidos já produzem proteínas cultivadas, seu valor não é acessível. É exatamente por isso que o NAPI Proteínas Alternativas envolve setores da administração e economia, buscando formas de baratear esse produto para que nós, consumidores, tenhamos acesso, em um futuro próximo, a um produto sustentável, nutritivo e paranaense.
Por fim, a professora Paula enfatiza que o investimento nas proteínas alternativas não é realizado pensando na substituição da produção das proteínas convencionais, o que é um receio dos pecuaristas, mas sim, tem como objetivo complementar essa produção, pensando na alimentação das gerações futuras, uma vez que, com o crescimento populacional, será difícil suprir a demanda de consumo apenas com os métodos tradicionais de produção proteica.
Como todo bom corte precisa de um tempo de cocção adequado, o NAPI PA também está nos preparativos para equipar seus laboratórios para que sejam plenamente funcionais até o segundo semestre de 2023. Enquanto isso, ficamos na torcida para que no futuro, pessoas como a Maria Eduarda, citada no início do texto, possam ter ainda mais opções em proteínas livre de sofrimento animal e sustentáveis.
Glossário
Alergenicidade: A capacidade de alguns alimentos de desencadear uma reação alérgica em determinados grupos de pessoas.
EQUIPE DESTA PÁGINA
Texto: Gabrielli Ferreira e Milena Massako Ito
Supervisão de texto: Ana Paula Machado Velho
Edição de vídeo: Luiza da Costa
Arte: Juliana Sandaniel
Supervisão de arte: Tiago Franklin Lucena
Edição Digital: Gutembergue Junior
A pesquisa que mencionamos contribui para os seguintes objetivos ODS: