A educação contemporânea tem nome: 5.0

Arte de Murilo Mokwa
O recado é do projeto Manna Team, que atua na formação de pessoas que devolvam para sociedade o conhecimento que adquirem, transformando a própria vida e a da comunidade do seu entorno

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Desde criança, Liandra dos Santos Jesus adora desmontar e remontar celulares para desvendar o que cada uma das peças representa para o funcionamento dos dispositivos. Esse é um hobby que não agradava muito aos pais e aos avós, já que pensavam que a pequena menina poderia acabar estragando os aparelhos. Mas, até hoje é assim, se tem problema com algum dos celulares, ela vai atrás de consertá-los por conta própria. Atualmente, Liandra está no curso de engenharia de produção, na Universidade Estadual de Maringá (UEM), com ênfase em software. Quando a gente pensa, imagina que o destino dela já vinha sendo escrito pela curiosidade em descobrir pecinha por pecinha dessas tecnologias.

Para Liandra, estudar nunca foi um problema. Ela conta que sempre gostou. Muito disso tem a ver com a mãe, Elisandra, que a todo o momento aconselhava a menina e o irmão a focarem nos estudos. “Minha mãe dizia que podia estar ‘caindo o mundo’, mas ir para escola era a coisa mais importante”, relata a estudante. Ela lembra que Elisandra ficou um dia inteirinho na fila, para garantir um lugar para ela no Colégio de Aplicação Pedagógica da UEM (CAP), há alguns anos, o que não era, nem é, tarefa fácil. Mas ela queria o melhor para a menina.

O esforço pela vaga para a filha foi recompensado. No CAP, Liandra pode aprimorar seu gosto pelos estudos. Além de aprender os conteúdos regulares da grade, teve o primeiro contato com a ciência e o universo acadêmico. Por estar dentro da UEM, o CAP conta com uma oferta de bolsas de Iniciação Científica e Iniciação Júnior para os estudantes. Foi dessa maneira que Liandra acabou conquistando um lugar no Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (Pibic), na área de Física, durante o ensino médio.

Liandra (à direita) durante o EAIC 2019 (Encontro Anual de Iniciação Científica)

Hoje, Liandra está no último ano de engenharia de produção e é até difícil falar o que ela ainda não fez dentro da Universidade. A moça já participou de projetos de extensão, puxou matérias de outros cursos como Informática e Ciências da Computação, ao mesmo tempo em que realizou mais um Pibic. Apesar da experiência com o mundo da pesquisa no ensino médio, a estudante conta que entrar na UEM foi um choque. Precisou se adaptar à nova realidade das aulas e, aos poucos, conseguiu usufruir de muito do que a Universidade tem a oferecer. Nessa trajetória, um encontro foi fundamental: com o grupo nada convencional chamado Manna Team. 

Em 2019, Liandra conheceu a iniciativa e passou a conviver e partilhar experiências com um grupo de pessoas muito diverso, com o qual aprendeu uma lição muito importante: a universidade precisa formar cidadãos que compartilhem o conhecimento adquirido para melhorar o mundo. “O Manna foi o primeiro projeto que eu vi que não se contém em apenas produzir a informação, ele busca levar para fora da sala de aula, aplicar esse conhecimento para beneficiar a sociedade, melhorar as pessoas e o mundo”, declara a estudante.

E o que é o Manna Team?

O Manna é um ecossistema de ensino, pesquisa, extensão e inovação de Educação 5.0, que surgiu no ano 2000, na UFMG, e, em 2008, veio para a UEM. O ecossistema, coordenado pela professora Linnyer Beatrys Ruiz Aylon, é formado por professores e estudantes do nível fundamental e médio, universitários da graduação e da pós-graduação de 13 campus de 11 Instituições de Ensino Superior (UEM, IFPR, UTFPR, UFPR, IFSP, UNICENTRO, UFV, UFMG, UnB, Unicamp, USP), bem como por sociólogos, psicólogos, empresários e advogados. Quem também se envolve nas atividades são os pais desses estudantes, organizações sociais e quem mais quiser contribuir para as ações desenvolvidas. Por isso, é chamado de ecossistema. Pelo fato de seus atores ultrapassarem os limites do ambiente universitário, não se restringindo única e exclusivamente a ele. Hoje, o projeto conta com 194 participantes.

Os conteúdos trabalhados e disseminados pelos membros do Manna se voltam para a área de Internet das Coisas (do inglês, Internet of Things, conhecido como IoT),  Internet dos Drones (do inglês, Internet of Drones, conhecido como IoD), Internet Robótica das Coisas  (do inglês, Internet of Robotic Things, o IoRT), Internet de Todas as Coisas (do inglês, Internet of EveryThings, conhecido como IoE),  Inteligência Artificial (IA) e Ciência de Dados com foco na formação das competências cognitivas e socioemocionais.

Além disso, propõem-se a estimular o engajamento e o florescimento das pessoas. Há todo um diferencial na interação de ensino e aprendizado para que o resultado gere transformações e reflexos na sociedade. Para isso, o grupo empenha esforços na definição do conceito de Educação 5.0, que está ancorado no aperfeiçoamento das habilidades socioemocionais e mentais de quem está aprendendo.

🎧 A coordenadora Linnyer Beatrys Ruiz Aylon conta mais um pouco sobre as vertentes do projeto

Caminho até a Educação 5.0 

Segundo Linnyer, existem teorias para as diferentes características que marcam a  sociedade humana. A primeira fase é conhecida como sociedade 1.0, em que os homens eram nômades, viviam da caça e fugiam de seus predadores, fazendo o possível para sobreviver. A sociedade 2.0 é definida pela agricultura e, nela, os seres humanos entendem que podem cultivar os alimentos e criar os animais em lugares fixos, o que estabelece a criação de pequenos vilarejos. A 3.0 é a sociedade da indústria marcada pela revolução industrial, em que as produções passam a ser feitas por máquinas, em processos seriados dentro das fábricas. A vida em sociedade também muda completamente com o acúmulo de pessoas nos centros urbanos. 

A sociedade 4.0 é o modelo atual, marcada pela troca de uma grande quantidade de informações proporcionada pela computação, internet, redes, conexões, aulas on-line, robótica, inteligência artificial, entre outras coisas. Para a professora, porém, que também é presidente da Sociedade Brasileira de Microeletrônica (SBMicro), boa parte dos seres humanos ainda se encontra na sociedade 3.0. 

“As pessoas acham que a gente está na era 4.0, hiperconectada, cheia de informações, redes sociais, mas isso não é a realidade do nosso país. Existem cinco milhões de crianças fora da sala de aula, porque não têm conexão com a internet nem aparato de computação para acompanhar uma aula on-line. Na verdade, a pandemia nos mostrou que a civilização 4.0 nem chegou, porque nós estamos presos em uma sociedade em que as crianças não têm acesso a esses mecanismos. Quando as pessoas falam que as crianças, atualmente, são muito espertas, que elas pegam um tablet e já sabem mexer, é uma falácia. Essa é a realidade de uma minoria”, explica a presidente da SBMicro. 

Linnyer complementa que o processo de ensino-aprendizado que está sendo atuado no mundo e, especialmente, no Brasil, precisa ser revisto para incluir essas crianças e jovens. “Se olharmos para dentro das universidades, elas estão formando profissionais que também não estão incluídos digitalmente. Estou falando de enfermeiros, agrônomos, farmacêuticos, historiadores, pedagogos e outros formandos que não receberam educação tecnológica em suas graduações e que também não foram desafiados em sua inteligência social. A pandemia evidenciou isso. As universidades precisam de uma nova maneira de pensar a educação superior, porque o mundo precisa de pessoas engajadas e dispostas a se envolver com a comunidade e fazer o bem. Mesmo que elas queiram, precisam aprender como”, diz a professora.

Pensando nesse cenário em âmbito mundial, em 2016, o governo japonês propôs olhar para o sistema educacional e para a sociedade, e desafiou a população japonesa a priorizar a sustentabilidade e qualidade de vida, lançando o conceito de Sociedade 5.0. No mesmo período, o governo do Zimbábue, na África, implementou inovações em seu modelo de ensino, pensando no desenvolvimento do país. Com os pilares do planejamento das duas nações, que unem qualidade de vida, sustentabilidade e inovação, começou a se pensar na Educação 5.0. Diante deste cenário, o Manna dedicou seus estudos para definir esse conceito ainda pouco abordado na literatura acadêmica. Um ponto que ajuda o Manna nessa empreitada são os quatro Pilares da Educação, desenvolvidos por Jacques Delors e utilizados pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).

A Educação 5.0, enfim, tem a visão de formar pessoas não só em conhecimento técnico para a área profissional, mas para dar significado ao que aprendem.  A proposta é mostrar a elas que precisam devolver para sociedade o conhecimento que adquirem, transformando a própria vida e a da comunidade do seu entorno, aprimorando habilidades e atitudes. Ou seja, lida com hard skills e soft skills.

Hard Skills (tecnologia, área de conhecimento e idiomas) e Soft Skills (Habilidades, competências socioemocionais e inteligência social)

Mas como pensar estratégias para chegar a esse cenário 5.0? A professora Linnyer conta que resolveu mudar a relação com os alunos. Em 2014, começou o Projeto Manna F2 – Florescimento e Felicidade. No ano seguinte, inseriu exercícios de empatia nas disciplinas que ministrava. Posteriormente, começou a realizar aulas no gramado para que a socialização fosse evidenciada.  E, em 2019, baixou um código. Cada aluno que chegava à sala só poderia entrar depois de cumprimentá-la com alguma das seguintes maneiras: “soquinho”, aperto de mão, high five ou abraço.

“Vi essa dinâmica em um vídeo e quis fazer. Nos primeiros dias, os alunos não gostaram muito, mas continuei fazendo. Um tempo depois, aconteceu um problema comigo e estava arrasada. Entrei na sala e nem lembrei dos cumprimentos. De repente, todos começaram a ir até a minha mesa para me dar um abraço. Até aqueles que eu jamais conseguiria supor que poderiam praticar tal afeto. Naquele dia, entendi claramente o que é Educação 5.0. O projeto de florescimento implantado nas disciplinas dos cursos de graduação tinha começado em 2014 e, em 2019, tive a certeza que estava dando certo. Eu fui suprida por um conjunto de alunos, fui empoderada por eles e esses alunos possuem o entendimento de que eles podem empoderar o professor. Eles entenderam o poder da empatia e do engajamento. Eles são os protagonistas não só do aprender, mas também do conviver. A gente acredita muito que existe uma geração nova chegando que fala outra língua, que precisa exercer o afeto, a ética, o transformar, o derramar, o entregar-se e o fazer-se com amor”, defende Linnyer.

No final do mês de julho de 2021, por exemplo, a equipe Manna Academy, do Instituto Federal de São Paulo (IFSP), do campus Presidente Epitácio, preparou um ambiente de engajamento para a volta às aulas. Os universitários produziram artesanalmente a decoração de recepção dos alunos da educação básica. “Assim, ambos se conectam em engajamento e empatia”, destaca a Linnyer.

Meninas no Manna

Há um braço do Manna Academy focado na participação de meninas em algumas áreas da ciência. Isso, sem dúvidas, expressa o intuito da Educação 5.0, que visa ao empoderamento e à inclusão de seus participantes, principalmente, das mulheres, que, muitas vezes, não são incentivadas a entrar nas áreas tecnológicas por não se sentirem capazes de lidar com esse meio. 

A equipe já estava de olho nas iniciativas brasileiras direcionadas à participação das garotas na ciência, como o Programa “Meninas Digitais”, da Sociedade Brasileira de Computação (SBC), e o Projeto “PuttingAllTogether” (PAT), da SBMicro. A partir deles, houve o entendimento de que era e é preciso empoderar as meninas para o ingresso nas áreas de Ciências, Tecnologia, Engenharia e Matemática, o chamado STEM (sigla para “Science, Technology, Engineering, and Mathematics”).

“As pessoas pensam em grandes cientistas da saúde, da bioquímica, da química, da física, o que também é legal, mas poderiam pensar ainda em considerar uma engenheira, alguém da computação. Inclusive, o primeiro algoritmo foi feito por Ada Lovelace, conhecida também como a primeira programadora. Então, precisamos falar disso. Não é para ficar abrindo espaço, porque as mulheres não precisam disso, elas chegam aonde quiserem. A gente só precisa dizer isso para elas”, alerta Linnyer. 

Quem se deu conta disso foi Liandra dos Santos Jesus, aquela estudante apresentada no início desta reportagem. Ela sempre quis ser engenheira, focou nessa ideia na adolescência e sequer pensou “nunca faça isso”.

“Acho que o fato pelo qual muitas meninas têm medo de entrar para engenharia é que, às vezes, nós pensamos: ‘eu não sei nada sobre isso’, ‘eu não sei nada sobre programação, sobre eletrônica, não entendo nada de mecânica’. Mas eu também não sabia. Ninguém nasce sabendo e, às vezes, a gente se cobra muito, vivemos com aquela pressão do conhecimento que a gente, muitas vezes, não tem ainda. Só que a faculdade está ali para nos ensinar. Você resolveu fazer aquilo e está ali para aprender, a questão é correr atrás. Eu acredito que não importa quem você seja, se você é menina, se você é menino, não importa a área que você escolher, vai ser difícil, vai ser desafiador, mas todos podem. Você vai sair de uma aula de ensino médio e ir para uma aula de outro nível, você vai precisar se esforçar, mas é possível. Então, a paixão de uma pessoa pelo o que realmente quer é o que mais importa”, afirma a estudante. 

Em comemoração ao Dia Internacional das Meninas e Mulheres na Ciência, instituído pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) e celebrado no dia 11 de fevereiro, o Manna Team organizou uma live com diversas participantes do projeto, tanto as professoras quanto as estudantes, ressaltando a importância da busca pela igualdade e pelo merecido reconhecimento que as mulheres também devem ter no campo científico. Confira a live neste link!

Live organizada pelo Manna Team para comemorar o Dia Internacional das Meninas e Mulheres na Ciência

O Manna, então, funciona como um estímulo… é um grupo de companheiros do mundo da ciência que está ali para incentivar alunos, pós-graduando, até professores. É um grande projeto de inclusão e estímulo para vários públicos. Para isso, os encontros vão além de repassar o conteúdo técnico. Os temas são inúmeros. “Estudamos sobre felicidade, florescimento, neurociência, popularização do conhecimento. Várias coisas que são os pilares do que o Manna chama de Educação 5.0. A gente acredita que essa ideia pode mudar destinos, comunidades… o mundo inteiro”, completa Linnyer Aylon.

O conteúdo desta página foi produzido por

Texto: Maria Eduarda de Souza Oliveira e Milena Massako Ito
Degravação da entrevista: Maria Eduarda de Souza Oliveira, Milena Massako Ito e Thamiris Rayane Shimano Saito
Edição de texto e supervisão: Ana Paula Machado Velho
Edição de áudio: Milena Massako Ito
Edição dos vídeos: Thamiris Rayane Shimano Saito
Ilustrações: Murilo Mokwa
Fotos: Redes sociais do Manna Team

A pesquisa que mencionamos contribui para os seguintes ODS:


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