Neurociência brasileira é tema da Semana do Cérebro

A ilustração mostra uma cabeça humana com um cérebro exposto, onde cresce uma árvore iluminada por pequenas luzes e estrelas. Uma jovem senta-se sobre o cérebro, lendo um livro. O fundo tem tons suaves de rosa e azul, criando uma atmosfera onírica que sugere criatividade e conhecimento.
Evento de divulgação científica que reúne neurocientistas, estudantes e sociedade em geral é realizado em diversas instituições do Brasil

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Quando criança, você já se perguntou como alguém se torna cientista? A pequena Alice tinha essa curiosidade. Será que existia um caminho certo? Um manual secreto? Para uma criança, tudo parecia um pouco confuso. 

Hoje, aos 23 anos, ela entende que a divulgação científica tem justamente esse papel: tornar a ciência acessível, despertar o interesse da sociedade e, principalmente, inspirar crianças que poderão se tornar cientistas no futuro.

Bacharelanda em dois cursos na Universidade Federal do ABC (UFABC), Neurociência e Ciência e Tecnologia, Alice Fernanda Mercado tem se aventurado também pelas Artes, fora dos laboratórios e das salas de aula. “Em 2024, desenvolvi a identidade visual do Laboratório de Eletrofisiologia da UFABC e bolei alguns produtos para serem vendidos pelo Centro Acadêmico, para aumentar o caixa”, relata. 

No Brasil, um dos principais eventos de divulgação científica é a Semana Nacional do Cérebro (SNC), uma campanha promovida pela Sociedade Brasileira de Neurociências e Comportamento (SBNeC) para compartilhar os avanços e benefícios do estudo do cérebro com o público.

A imagem mostra uma jovem sorridente de cabelos castanhos e longos, vestindo uma camiseta preta com um desenho de um cérebro e a palavra "NEUROCIÊNCIA" estampada. Ela também usa um crachá pendurado no pescoço. O fundo da imagem contém um painel colorido repleto de cartazes vibrantes, que fazem referência à neurociência e à Universidade Federal do ABC (UFABC).
A estudante Alice Fernanda Mercado, idealizadora da logo e tema da Semana Nacional do Cérebro de 2025 (Foto/Arquivo pessoal)

Quando a SBNeC lançou um concurso para escolher o tema e a logo da 14ª edição da Semana Nacional do Cérebro, Alice viu nessa oportunidade uma forma de expressar sua visão sobre a neurociência no Brasil e logo começou a desenvolver sua proposta. Ela então venceu o concurso, com o tema “Raízes: A Neurociência que Floresce em Terras Brasileiras”, acompanhado de uma logo que reflete essa ideia. 

A inspiração veio de uma inquietação que a acompanha ao longo da graduação: a percepção de que muitas pessoas acreditam que só há reconhecimento profissional para cientistas fora do país. “Hoje em dia eu convivo com ótimos profissionais, ótimos professores, ótimos pesquisadores, e sinto essa falta da valorização do Brasil”, explica Alice. Para ela, é fundamental reconhecer a ciência produzida aqui e destacar como o país tem conquistado avanços significativos em diversas áreas, principalmente na neurociência.

O conceito do tema e da logo buscou enfatizar justamente isso. “Minha ideia surgiu para refletirmos sobre a qualidade da neurociência do Brasil e como a gente consegue alcançar tanta coisa”, conta Alice. Ela também teve o desafio de traduzir esse conceito visualmente. Sua proposta de logo incorporou elementos culturais brasileiros, de forma que o público, especialmente crianças e adolescentes, se identificasse com ela. “A nossa neurociência não é simplesmente um cérebro qualquer feito de redes neurais, mas sim algo com muita cultura e esforço envolvidos; é o nosso jeitinho brasileiro de fazer a ciência acontecer”. 

A imagem apresenta uma ilustração estilizada de um cérebro, preenchido com diversos elementos representativos da cultura e biodiversidade brasileira. O fundo é azul-claro, enquanto o cérebro é azul-escuro, com os elementos internos em um tom mais claro. Dentro da forma do cérebro, há desenhos de chinelos, uma garrafa térmica (comumente usada para chimarrão ou café), uma cafeteira italiana, um tucano, uma arara, um cachorro, uma capivara, um cacto, uma palmeira, um girassol, uma cuia com bomba de chimarrão, grãos de café, feijão e outras pequenas ilustrações como estrelas e corações.
A composição visual sugere uma fusão entre neurociência e cultura popular brasileira, simbolizando memórias, identidade e elementos que fazem parte do cotidiano nacional. O design é moderno e minimalista, utilizando apenas dois tons de azul e detalhes sutis.
A logo da Semana Nacional do Cérebro de 2025 (Foto/SBNeC)

A escolha das cores, formas e símbolos foi pensada para que cada pessoa que olhasse para a logo pudesse encontrar um novo significado. “Cada vez que você olha, é possível perceber novos elementos na imagem”, destaca Alice. Para ela, essa abordagem lúdica foi fundamental para gerar conexão com o público do evento, sem perder a seriedade do tema.

Essa é a primeira vez que Alice participa do evento, mas sua proposta já começou a deixar marcas. “A SNC é uma boa oportunidade de mostrar para o público externo que a neurociência brasileira tem um trabalho incrível, cuidadoso e refinado, que merece mais reconhecimento”, defende.

🎙️Alice Mercado fala como foi fazer parte de algo tão importante para a ciência nacional.

O evento

Em 2025, a Semana Nacional do Cérebro está acontecendo entre os dias 10 e 16 de março. Em todo o Brasil, universidades, hospitais, agências do governo e outras organizações, se unem para realizar um esforço coletivo de popularização da pesquisa e dos estudos neurocientíficos. 

A Brain Awareness Week (BAW) é uma iniciativa global que busca disseminar o conhecimento sobre o cérebro e destacar a importância das pesquisas na área. No Brasil, as primeiras ações alinhadas à BAW ocorreram em 2010, no Rio de Janeiro, reunindo diferentes universidades e centros de pesquisa. A partir de 2012, os eventos passaram a ser organizados em escala nacional, dando origem à Semana Nacional do Cérebro, com apoio da SBNeC. Desde então, a SNC tem promovido atividades em todo o país, levando a neurociência para diversos públicos e fortalecendo a divulgação científica.

Para a professora da Universidade Estadual de Maringá e coordenadora do Novo Arranjo de Pesquisa e Inovação (NAPI) Neurociência, Rúbia Maria Weffort, a realização de eventos científicos como esse possibilita o compartilhamento de descobertas e a troca de experiências entre pesquisadores. “A Semana do Cérebro, como qualquer evento científico, é importante para a divulgação dos resultados obtidos em pesquisas realizadas aqui no Brasil e no exterior”, explica a professora.

A imagem é um banner promocional da XIV Semana Nacional do Cérebro, que acontece de 10 a 16 de março de 2025. No topo, o título do evento, "Raízes: A Neurociência que Floresce em Terras Brasileiras" está em letras brancas e maiúsculas, com um fundo de textura esverdeada e azulada, remetendo a elementos naturais. Abaixo do título, há um ícone azul com a data do evento. O destaque visual é a logo do evento.
Banner da XIV Semana Nacional do Cérebro, que acontece de 10 a 16 de março de 2025, em todo o Brasil (Foto/SBNeC)

Rúbia enfatiza que a divulgação de descobertas pode contribuir para o desenvolvimento de políticas públicas e influenciar o bem-estar da população. “A possibilidade de integração com outros cientistas, a divulgação para a comunidade em geral do que está acontecendo e, no futuro, a realização de políticas públicas que possam influenciar o bem-estar da população em geral: tudo isso importa”, diz.

Estudar o funcionamento do cérebro permite avanços no diagnóstico e tratamento de doenças neuropsiquiátricas, que estão se tornando cada vez mais prevalentes. “A neurociência é um campo bastante amplo, que impacta várias áreas como saúde, educação e políticas públicas. Nós temos alguns setores no Brasil que são reconhecidos internacionalmente, e isso fortalece não só a neurociência, mas toda a ciência nacional”, reforça Rúbia.

Ao destacar a importância da SNC, o professor e coordenador do NAPI Neurociência, na Universidade Federal do Paraná (UFPR), Cláudio da Cunha, reforça a necessidade de aproximar a sociedade do conhecimento científico e consolidar o reconhecimento da neurociência brasileira. “Nós temos uma neurociência bastante diversificada no Brasil, particularmente na neurociência básica. Eventos como esse são fundamentais para mostrar que a ciência feita aqui tem impacto e que pesquisadores brasileiros contribuem significativamente para o avanço da neurociência global.”

A imagem mostra um homem de meia-idade com cabelos grisalhos e curtos, vestindo uma camisa social clara. Ele está sorrindo levemente e sua expressão transmite simpatia. O fundo é neutro e claro. A iluminação é suave e bem distribuída.
Professor Cláudio da Cunha, da UFPR (Foto/Arquivo pessoal)

Cláudio enfatiza que a divulgação científica é essencial para garantir financiamento e apoio público à pesquisa. “Não conseguimos manter um nível adequado de investimento governamental na neurociência se a sociedade, que é quem paga por meio dos impostos, não tiver consciência de que isso trará benefícios diretos para ela”, diz.

A neurociência no Brasil

Como defende Rúbia, a neurociência brasileira tem reconhecimento internacional. Cláudio fala da relevância dos avanços brasileiros na pesquisa do cérebro, destacando o impacto de cientistas nacionais na construção desse conhecimento. “Nós tivemos até pouco tempo no Brasil um dos maiores pesquisadores da área de aprendizagem e memória, o professor Iván Izquierdo. Ele formou muitos  pesquisadores que, por sua vez, criaram laboratórios e continuaram a expandir os estudos sobre a bioquímica do cérebro e seus aspectos psicológicos”, explica Cláudio. Segundo ele, essa é apenas uma das várias contribuições do Brasil para a neurociência mundial.

Além da pesquisa em aprendizagem e memória, o Brasil se destaca em diversas outras frentes. “Nós temos muitas pessoas trabalhando com epilepsia e drogas de abuso, que contam com pesquisadores espalhados pelo país inteiro. Já no Paraná, um dos destaques são os estudos sobre o sistema nervoso periférico e questões relacionadas à dor”, lembra Cláudio.

A imagem apresenta uma ilustração informativa sobre os cinco campos de estudo da neurociência, com um fundo rosa claro e textos em azul escuro. O título, em letras maiúsculas e negrito, destaca o tema central. No centro, há ilustrações representando cada um dos campos: a neurociência cognitiva é simbolizada por uma rede de conexões neuronais, enquanto a neurociência comportamental é ilustrada por uma silhueta humana segurando um cérebro. A neuroanatomia aparece representada por um desenho detalhado de um cérebro, a neuropsicologia por um bloco de notas com uma caneta e um balão de pensamento e a neurofisiologia por um neurônio com seus dendritos e axônio. As áreas do conhecimento estão destacadas em caixas de texto verde-água com letras escuras, e no canto inferior direito há a fonte da informação, PUCRS.

Outro ponto levantado pelo professor é a interseção da neurociência com a inteligência artificial, uma das áreas que mais avançam atualmente. “Hoje, conseguimos mapear genes expressos nos neurônios e entender como isso afeta transtornos neuropsiquiátricos, como epilepsia, Parkinson e autismo. Também há estudos explorando como a neurociência pode prever respostas humanas com base em padrões cerebrais, o que levanta questões importantes sobre neuroética1.”

A conscientização sobre esses temas e o debate sobre seus impactos são aspectos centrais da SNC. “Cabe ao evento trazer essas informações numa linguagem apropriada para que de crianças a idosos tenham uma consciência do que é o nosso mundo da neurociência”, conclui Cláudio.

A SBNeC

Fundada em 1977, a Sociedade Brasileira de Neurociências e Comportamento (SBNeC) reúne pesquisadores, pós-graduandos e estudantes de diversas regiões do país, todos envolvidos com o estudo do Sistema Nervoso em suas múltiplas perspectivas. No cenário internacional, a entidade é afiliada à International Brain Research Organization (IBRO) e à Federação das Associações Latino-Americanas e do Caribe de Neurociências (FALAN), da qual foi uma das fundadoras. 

No Brasil, a SBNeC também mantém vínculos com importantes instituições científicas, como a Federação das Sociedades de Biologia Experimental (FeSBE) e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Com mais de 3.300 membros, a sociedade realiza um congresso anual há mais de três décadas, promovendo premiações para os melhores trabalhos científicos e reconhecendo pesquisadores de destaque na área. Além disso, seus associados podem participar ativamente das iniciativas da entidade, incluindo a proposição de novas atividades e a candidatura a auxílios financeiros disponibilizados por meio de editais.

A imagem mostra uma mulher sorridente vestindo um jaleco branco com um bolso bordado com as palavras "Farmacologia UEM", indicando que ela faz parte do departamento de farmacologia da Universidade Estadual de Maringá (UEM). Ela tem cabelos loiros e está em um laboratório, com armários brancos ao fundo e equipamentos científicos sobre a bancada.
Professora Rúbia Maria Weffort, da UEM (Foto/Maysa Ribeiro)

Rúbia e Cláudio, membros da SBNeC, também concordam que a instituição desempenha um papel essencial na relação entre os neurocientistas brasileiros. “Essa comunicação entre os cientistas é de grande importância para podermos discutir de forma multidisciplinar todos os aspectos relacionados à neurociência”, diz Rúbia. 

Já Cláudio ressalta a importância da SBNeC e de seus congressos para os estudantes que participam, especialmente os de graduação e iniciação científica. “Os alunos que vão ao congresso da SBNeC entram em contato com outros alunos, com outros pesquisadores, e dessas conversas muitas vezes surgem parcerias ou oportunidades para mestrado, doutorado e pós-doutorado”, explica. A interação com palestrantes renomados, tanto nacionais quanto internacionais, também serve como um grande estímulo para aqueles que desejam seguir carreira na área.

Dessa forma, a Semana Nacional do Cérebro já é um evento consolidado, que serve como um espaço essencial para aproximar a neurociência do cotidiano, incentivando a reflexão sobre suas aplicações e desafios. A cada edição, o evento reforça seu papel na disseminação do conhecimento, contribuindo para a valorização da pesquisa científica no Brasil. 

Para acompanhar mais novidades sobre o evento, acesse o site da SBNeC!

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Texto:
Guilherme de Souza Oliveira
Revisão de texto: Ana Paula Machado Velho
Edição de áudio: Guilherme de Souza Oliveira
Arte: Krisbel
Supervisão de arte: Hellen Vieira
Edição Digital: Guilherme Nascimento

Glossário

  1. Neuroética: é uma disciplina que estuda os aspectos éticos, sociais e jurídicos da neurociência. Ela é uma ramificação da bioética e é também conhecida como ética das ciências do cérebro. ↩︎

A pesquisa que mencionamos contribui para os seguintes ODS:

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