A sustentável estratégia do bem envelhecer

Mulheres que deram certo depois de aposentar: por força do destino ou por planejamento

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Ano passado, participei de um curso de extensão sobre aposentadoria na Universidade Estadual de Maringá (UEM), onde trabalho como jornalista, desde 1999. Foi o “Aposentação”, promovido pelo curso de Psicologia. Às vésperas de pendurar a caneta ou o teclado, comecei a ouvir umas conversas de que esse negócio de parar não era tão fácil como eu imaginava. 

Sempre pensei que minha aposentadoria seria o momento de realizar meu sonho: não ter horário nem compromisso sério para nada e poder viajar quando e quanto tempo eu quisesse. De preferência para a praia. De repente, um monte de gente começou a me falar que conhecia um que tinha entrado em depressão depois da aposentadoria; outra me confessou que cansou de viajar depois de dois anos de aposentada… meu Deus! Fiquei com a pulga atrás da orelha. Afinal, já estou em um estágio que posso me aposentar, mas, como gosto muito do que faço, ainda me mantenho na ativa, porque me divirto mesmo com minhas atividades e com a garotada com a qual eu lido no dia a dia da divulgação da ciência. 

No meio de tudo isso, soube do “Aposentação” e, durante o curso, conheci a doutora Thaís Cano Miranda Nóbrega, uma geriatra que trabalha no Serviço de Medicina e Segurança do Trabalho – Sesmt, da UEM. Eu a entrevistei para a outra matéria desta semana do C², na qual ela fala que é preciso planejar a vida para que a gente se aposente com qualidade e tranquilidade.

Cabeça pensando, pensando e me veio à memória Júlia Nakagawa. A japonesa mais “sarada” que eu conheço. Ela era cliente da minha irmã no tempo em que a Stela produzia e entregava marmitas deliciosas e fitness. Stela já aposentou. Assim como Julia, que tem 66 anos, uma beleza de mulher. Ninguém diz que ela passou dos 55.

Enfim, ela está inteira integralmente. Cérebro a mil, porque estudou muito. É mestre em Engenharia da Produção, com Ênfase em  Finanças, pela Federal de Santa Catarina (UFSC), além de graduada em Ciências Biológicas, pela UEM.

De repente, um paraquedas…  simples assim 

Mas nem tudo foi perfeito na vida da maringaense, não. Júlia confessa que foi sedentária e workaholic até os 50 anos. Bancária por mais de três décadas, foi justamente a médica do banco que a estimulou a fazer alguma atividade física. Enfim, o que quero dizer é que ela teve a sorte de encontrar uma oportunidade que a permitiu vislumbrar um processo de envelhecimento saudável, aliás, muito saudável!

“Eu tinha o falso conceito de que academia era para ficar ‘sarado’. Para cuidar da saúde era com o médico. Mas, todo ano, essa médica me cobrava e eu tinha a resposta na ponta da língua: ‘doutora, eu durmo cedo, não bebo, não fumo, como bem, tenho o direito de fazer NADA’. Ela me respondia: ‘Você parece aquele carro novo que raramente sai da garagem, não anda na chuva e nem na lama e nunca engatou a quinta marcha. Um dia você pode precisar de motor e ele pode falhar’. Eu não dava bola”, lembra Júlia.

Tempos depois, o banco lançou o programa de “Qualidade de Vida no Trabalho”, estimulando os funcionários a frequentarem uma academia, mas ela disse que ia “de turista. Pensa numa mulher fresca! Tinha nojo de suor, meu habitat era no ar condicionado, só usava salto alto, nem tênis eu tinha”, completa.

Até que um dia o filho foi fazer um curso de paraquedismo, Júlia foi assistir e entrou no esporte “no vácuo” dele. Ela se apaixonou, porque achava que só um esporte com tanta adrenalina poderia acalmar a vida agitada de uma gerente de banco. Mas não conseguiu evoluir no paraquedismo porque não tinha músculos. Por isso, foi para a academia, malhou, puxou ferro, ficou forte e voltou para os paraquedas. Foram 151 saltos, em sete anos. Mas, o ambiente de academia também lhe proporcionou conhecer o pessoal da corrida. 

“Acho que a corrida é o esporte individual mais agregador que existe e, além disso, é democrático: basta vontade, um tênis e rua! A corrida se juntou a uma outra paixão: viajar! E não parei mais. Literalmente, corri pelo mundo, participando de duas maratonas [42 km] e 22 meias-maratonas [21 km]. O que me move é ter um desafio a superar ou uma beleza a apreciar. Fui comemorar meus 59 anos no topo do Kilimanjaro, na África, em uma noite de lua cheia”, lembra a corredora.

Mas, claro que Júlia sentiu a chegada da idade. Quando ela se preparava para a terceira maratona, começou a se dar conta do peso dos anos! Os joelhos não suportavam os treinos de longas distâncias e veio a fase de enfrentar o etarismo e os comentários: “você não tem mais idade pra isso”, “você está no último terço da vida”. O jeito, segundo ela, e a doutora Thaís concorda com isso, foi aceitar as limitações do corpo.

A “solução simples” de Julia foi, aos 60 anos, ingressar no triathlon, por influência do irmão Naka, que pratica a modalidade há 25 anos. Segundo ela, foi um grande desafio, porque só sabia correr e ainda tinha medo de nadar no mar! A grande vantagem é que tinha tempo para treinar, porque estava aposentada, e muitos grupos para se socializar, as turmas da corrida, da natação e do “pedal”.

“Após seis anos de triathlon, interrompidos pela pandemia e por uma peritonite que quase me levou para a outra dimensão, fui classificada para representar o Brasil no Mundial de Triathlon, em Hamburgo, na Alemanha. Esse é o maior evento do triathlon com 10 mil participantes, uma organização impecável, milhares de voluntários e um público aplaudindo durante todo o percurso. Fui representar as triatletas brasileiras na categoria de idade 65 a 69 anos. Representei também as pessoas de todas as idades que cuidam da qualidade de vida, que tem hábitos saudáveis, que caminham, pedalam, correm”, destacou a esportista maringaense que tem um mantra:

Se alguém pergunta se Júlia desistiu do paraquedismo e das maratonas ela diz que não. “Eu entendo que me adaptei às minhas condições físicas e de idade e assim é a vida, sempre em movimento! Quando eu não puder mais correr, vou pedalar ou, talvez, fazer hidroginástica e, enquanto minha capacidade cognitiva permitir, vou continuar no voluntariado, que é uma forma de gratidão à vida, que foi generosa comigo”, agradece Julia, que, quando se aposentou, em 2013, entrou para o Terceiro Setor, atuando no Observatório Social de Maringá, Rede Feminina de Combate ao Câncer e para uma Garantidora de Crédito vinculada à Associação Comercial e Industrial de Maringá (Acim). Ela também foi voluntária da Copa de 2014 e das Olimpíadas do Rio.

Doação e voluntariado

Se entregar à comunidade foi também a meta da professora da UEM, Tania Fatima Calvi Tait. Já disse que professores nunca dizem que foram professores, porque nunca deixam de ser? Pois é. Ela conta, assim como eu, que se atentou para as consequências da aposentadoria em um evento promovido pela Pró-Reitoria de Recursos Humanos da UEM, sobre responsabilidade social. Uma médica que estava lá disse que as pessoas demoram a sair da ativa pelo medo do “apagamento que a aposentadoria representa para algumas pessoas, após uma vida considerada útil”.

Naquele momento, Tania disse que imaginou as múltiplas atividades que realizava e se perguntou se estava preparada para parar. Será que não ficaria um vazio, já que deixaria de ser requisitada ou lembrada? Longe da aposentadoria, na época, ela passou a pensar o que faria depois e se deu conta de que já fazia muita coisa além da carreira universitária: era ativista na área de direitos das mulheres, escrevia, fazia (e faz) atividade física e participava do Coro Feminino da UEM. Ah… também começava a ter netos e havia se tornado “vovó babona”. Será que parar com isso tudo iria impactar seu emocional? Medo…

Dito e feito, “nos primeiros meses sem ter que acordar cedo e ir pra UEM, sem receber convocações, enfim com vida de aposentada, me senti estranha. Naquele período, ficou uma espécie de vazio, apesar de ser atuante no movimento de mulheres, como coordenadora da ONG Maria do Ingá Direitos das Mulheres e presidente do Fórum Maringaense de Mulheres. Lembrei do meu pai aposentado dizendo: ‘precisa ter projeto pra preencher o dia’. Também, recordei, receosa, das senhoras aposentadas da turma da hidroginástica falando do artesanato, das comidas, dos netos, dos cafés”.

Livros e muito estudo

Mas, nada de abatimento, em pouco tempo de aposentada, Tania se deu conta que tinha mais tempo para se dedicar à atuação no movimento de mulheres. Viu que a vida tem fases Tinha sido presidente do Conselho da Mulher (2004-2006) como representante da UEM e foi eleita novamente para a gestão 2017-2019. 

Quando minhas filhas começaram a ser mais independentes, sentiu o tal do “ninho vazio” e, para diminuir o impacto, criou um blog que mantém até hoje, no qual escreve sobre o direito das mulheres, informática entre outros assuntos. 

Nesse movimento, ainda ministra palestras e oficinas e assumiu as redes digitais da ONG Maria do Ingá e do Fórum Maringaense de Mulheres, todos trabalhos voluntários.

Aliás, escrever tornou-se mais que hobby… um objetivo. Depois de aposentada, Tania publicou livros na área de informática e artigos de opinião sobre direitos das mulheres, e um capítulo no livro “Maringá e o Norte do Paraná”, organizado pelos professores Reginaldo Dias e José Henrique. Essa parceria lhe deu a oportunidade de realizar um pós-doutorado em História, nas UEM com a pesquisa “As mulheres de Maringá no campo de luta contra a ditadura militar”. 

“Começou, então, a me vir a vontade de realizar um desejo de adolescente, cursar Jornalismo. Coincidentemente ou sincronicamente, nunca saberei, estava abrindo um curso on-line, em Maringá. Pensei que seria o ideal, porque não sei se aguentaria ter aulas todas as noites por quatro anos. Enfim, me matriculei, veio a pandemia, ficamos confinados em casa, minha mãe, meu marido e eu. Em 2022, com 61 anos de idade, me formei em Jornalismo e como toda estudante, fiquei emocionada na formatura. É a minha terceira graduação, depois de ter cursado mestrado e doutorado e realizado o estágio pós-doutoral, ainda assim, me senti uma jovem formanda. Após receber o diploma, fiz meu registro profissional como jornalista. O TCC de jornalismo, como livro-reportagem foi publicado posteriormente sob o título “Elas querem o poder”, pela Editora Iperfil”, anuncia Tania.

Atualmente, a jornalista se dedica a um projeto sobre os escritos que fez durante a pandemia, que quer transformar em um novo livro. Ela ainda atua como diretora social da Associação dos Docentes da UEM (Aduem), diretora de Comunicação na ONG Maria do Ingá, é integrante do Movimento ODS Maringá e do Grupo Conectadas da UEM, além de manter o blog, aquele que criou quando as filhas saíram de casa. 

“Às vezes, sinto falta do movimento, do burburinho, das aulas, da energia estudantil, das conversas com os colegas. Estar no Conectadas e na Aduem minimiza essa falta. Para resumir, recentemente, recebi um imã com minha foto da artista visual Marina Andreo, da coleção Mulheres do Brasil, com os dizeres: Tania Tait, professora doutora, escritora, ativista social. É assim que me sinto, na ativa”, conclui a maringaense.

Pelo mundo

Outra professora da UEM natural de Maringá, Eliane Maio, vem fazendo o que mais gosta depois da aposentadoria: viajar e militar! A psicóloga e docente da Universidade aposentou o giz em 2018, mas não o contato com a comunidade e com os alunos. Ainda atua como colaboradora do Programa de Pós-graduação em Educação em Educação (PPE) e em diferentes movimentos por aí.

Eliane é líder do grupo de pesquisa vinculado ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), o Núcleo de Pesquisa e Estudo em Diversidade Sexual – Nudisex.  Milita e pesquisa sobre psicopedagogia, aprendizagem, sexualidade infantil, gênero e educação sexual escolar.

Eliane é autora de diversos livros, inclusive, um intitulado “O nome da coisa”, que é fruto da tese de doutorado e que lhe rendeu ser entrevistada por Jô Soares, em 2011. A obra reúne os resultados de um estudo sobre a sexualidade do brasileiro e discute, entre outras questões, os nomes utilizados pelas pessoas para se falar sobre o pênis e a vulva. A obra chama atenção de forma bem humorada para a repressão sexual que fez surgir uma grande variedade de apelidos para os órgãos sexuais, muitos deles que enaltecem o pênis e “diminuem” a vulva.

Segundo Eliane, é preciso falar sobre esses temas e muitos outros. E, agora, ela tem mais tempo pra isso. “Educação sexual não tira a inocência, tira a ignorância. Nesse sentido, a sociedade e, principalmente, professores devem saber lidar com as descobertas que a criança e o adolescente fazem sobre seu próprio corpo, orientando-os para o desenvolvimento saudável e para escolhas sexuais responsáveis”.

Mas a militância de Eliane, hoje, mesmo aposentada, vai mais longe. Recentemente, ela vem mobilizando seu grupo de pesquisa em questões que envolvem diversidade sexual,  homofobia na sociedade e no ambiente escolar. Para a professora, a LGBTQIAfobia é reforçada na e pela escola quando o assunto não é visto, ouvido ou falado nestes espaços. 

Por outro lado, após a aposentadoria sair, há 5 anos, e mesmo com as atribuições das aulas na pós-graduação e das mobilizações, ela, agora, vem dando um jeito de fazer o que mais gosta na vida: “olhá-la com os olhos ‘coloridos’. Para mim, as viagens fazem com que isto aconteça! Amo viajar, conhecer este mundo, que ainda nos apresenta tantos aspectos diferenciados… Amo aventuras, daquelas que nos fazem bem. Me lanço por aí, em viagens que me enchem de alegrias, com pessoas do bem, que me fazem rir e continuar a olhar o mundo com olhos coloridos”, conclui Eliane.

Eu estou bem inspirada, agora. Depois de conhecer essas três mulheres, compreendi que é possível viver outro momento da vida com qualidade. É preciso ter meta e gostar da vida. Acho que, em resumo, é isso! Mais um post-it para a geladeira!

Glossário

Etarismo – discriminação contra pessoas idosas; é evidente tanto no mercado de trabalho quanto nas interações cotidianas, inclusive no ambiente digital.

Triathlon – é um esporte que se originou da junção de outros três: natação, ciclismo e corrida.

TCC – sigla de Trabalho de Conclusão de Curso; obrigatório para o encerramento da graduação e muitas universidades.

ODS – sigla de Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, uma coleção de 17 metas globais, estabelecidas pela Assembleia Geral das Nações Unidas, para eliminar a pobreza extrema e a fome, oferecer educação de qualidade ao longo da vida para todos.

EQUIPE DESTA PÁGINA
Texto: Ana Paula Machado Velho
Colaboração: Bruna Mendonça
Revisão: Silvia Calciolari
Arte: Marjorie Corrêa Gracino e Hellen Vieira
Supervisão de arte: Tiago Franklin Lucena
Edição Digital: Gutembergue Junior

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