Observar o universo parece uma tarefa bem simples, não é? Mas muito além de olhar as estrelas e a Lua, ou procurar por aviões “correndo” pelo céu, entender o que acontece, de fato, nas camadas da atmosfera, ou além dela, no espaço sideral, requer estudar a fundo muitos números e muita física. Nesse sentindo, estamos nos referindo não só a grandes fenômenos do universo, mas também às ferramentas e instrumentos que potencializam os estudos de diversos acontecimentos cósmicos.
Os números, tão importantes para entender o universo, sempre foram uma paixão para Gustavo Rickli, que se aventura na graduação em Engenharia Aeroespacial, um campo que une sua habilidade com números e sua fascinação pelo desenvolvimento de veículos complexos como foguetes, satélites e aviões.
“Essa área de Engenharia Aeroespacial é fascinante, porque envolve toda uma explicação física para explicar fenômenos que, aos nossos olhos, não são intuitivos. Estudamos, por exemplo, como um satélite pode suportar as condições extremas no espaço ou como um foguete consegue sair da atmosfera terrestre”, diz o estudante.
Gustavo sempre buscou equilibrar o conhecimento teórico com a prática, uma abordagem que lhe rendeu diversas oportunidades de aprendizado. Na área espacial, o futuro engenheiro se aventurou participando de projetos que envolviam a definição de missões espaciais. Inclusive, ele já teve a tarefa de determinar a órbita ideal para um satélite, calcular como enviá-lo ao espaço e garantir que o veículo pudesse cumprir sua missão conforme planejado!
Com o olhar voltado para o futuro, o estudante deseja voar alto, trabalhando no desenvolvimento de aviões ou, até mesmo, no setor espacial, que ele define como uma área extremamente promissora e com muito potencial para crescimento no Brasil.
O NAPI Fenômenos Extremos do Universo
A Astronomia, assim como a Engenharia Aeroespacial, é uma área de destaque crescente no Brasil e, para colocar o Paraná em evidência no cenário nacional, nasceu o Novo Arranjo de Pesquisa e Inovação (NAPI) Fenômenos Extremos do Universo, uma iniciativa que integra os pesquisadores de astronomia, cosmologia, astrofísica e gravitação de todo o estado.
Em uma conversa com o C2, a professora e astrofísica Rita de Cássia dos Anjos, que também é uma das coordenadoras do Arranjo, nos contou um pouco mais sobre os objetivos e a importância desse projeto pioneiro.
A criação do NAPI nasceu da necessidade de reunir e fortalecer os esforços dos pesquisadores paranaenses. Rita explica que “o Paraná tem muitos pesquisadores excelentes, com currículos impressionantes e inserção internacional. Porém, esses profissionais estavam trabalhando de forma isolada. O projeto veio para integrar essas pessoas e mostrar a qualidade e a potência da pesquisa no nosso estado”.
Também coordenado pelo professor da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), Alexandre Tuoto Mello, o NAPI Fenômenos Extremos do Universo reúne pesquisadores das áreas de Cosmologia, Gravitação, Astronomia e Astrofísica de diversas universidades. O projeto inicial é abrangente e visa não só à construção de um telescópio de médio porte, mas também a concessão de bolsas de pesquisa e o fortalecimento da ciência no Estado.
“A primeira fase do NAPI se concentrou em entender o final do espectro eletromagnético, que ainda sabemos bem pouco”, diz Rita. Espectro eletromagnético é o intervalo das frequências de todas as ondas existentes, geralmente, apresentado em ordem crescente de frequências, começando pelas ondas de rádio até a radiação gama, de maior frequência. A coordenadora do NAPI lembra que radiação gama são fótons1, assim como a luz, só que de mais alta energia.
Telescópios e internacionalização
Atualmente, o grande ponto de atenção do NAPI é a construção de um dos telescópios que farão parte do observatório Cherenkov Telescope Array (CTA), que terá dois sítios, um no Chile e outro nas Ilhas Canárias. Em parceria com a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) e com o Governo Federal, serão construídos ao todo 64 telescópios, futuramente instalados nas duas localidades. “Com os telescópios de vários tamanhos do CTA, poderemos observar o universo em radiação gama, uma área ainda pouco explorada”, destaca a professora.
Observar o universo em seus mais altos níveis de energia, significa olhar não só a Via Láctea, mas também além dela. No Chile, os telescópios estarão posicionados para observar o centro da nossa galáxia, uma região extremamente rica em processos de alta energia2; pelos telescópios das Ilhas Canárias, a ideia é observar todo o céu, incluindo nossa galáxia e a parte extra galáctica também.
Mas uma erupção vulcânica nas Ilhas Canárias, em 2021, atrasou a instalação das estruturas e exigiu uma recomposição completa das instalações dos telescópios, a partir de estudos que garantissem a qualidade dos instrumentos perante possíveis atividades vulcânicas no futuro. O projeto passou por uma revisão final na Alemanha, sob a supervisão de engenheiros que confirmaram que todos os requisitos de resistência foram atendidos.
“Estamos agora aguardando a aprovação formal da Alemanha para iniciar a construção das estruturas definitivas. Esperamos que, até o final deste ano [2024], uma parte das estruturas dos telescópios estejam prontas. O planejamento está completo, e assim que recebermos o aval final, começaremos a construção”, diz Rita.
Com todos os desafios superados, a expectativa é que a implementação dos 64 telescópios avance de forma significativa, consolidando mais uma importante contribuição da ciência brasileira para a observação astronômica global. Além disso, a participação de pesquisadores do Paraná em consórcios internacionais é um fator extremamente positivo para o NAPI.
“A astronomia é uma ciência universal. Temos contatos e colaborações com pesquisadores de diversos países e a integração em projetos como o CTA nos dá acesso a períodos de observação exclusivos e facilita o contato direto com pesquisadores de todo o mundo”, ressalta Rita.
A coordenadora do NAPI ainda lembra que “o envolvimento em projetos internacionais coloca o Brasil em uma posição de destaque na comunidade científica global. A Fundação Araucária, ao assinar acordos de colaboração, assegura que os pesquisadores do Paraná tenham acesso a recursos e infraestrutura de ponta”.
Divulgação científica… com acessibilidade!
Muito além de entender o universo, o Arranjo se preocupa em trazer a ciência para nossa realidade com diversas aplicações. “Estamos realizando algumas ações em escolas. A Astronomia encanta, especialmente as crianças, e é fundamental investir na formação e no interesse científico desde cedo”, diz Rita. O objetivo é criar uma base sólida para que futuros cientistas possam se desenvolver e permanecer no estado, contribuindo para o avanço da ciência.
Para abordar a ciência de forma mais lúdica, Rita descreve uma das iniciativas desenvolvidas: “Fizemos um jogo de cartas que serve tanto para crianças videntes, quanto para aquelas com deficiência visual. As cartas têm informações em braile e texto regular. A ideia é que as crianças, videntes ou não, possam aprender juntas. O jogo tem regras simples, para que as crianças entendam conceitos de física de maneira acessível e divertida.”
A cientista conclui destacando a importância de começar com coisas simples: “a nossa ideia é iniciar com algo bem básico para mostrar a importância da acessibilidade e como é necessário termos esses recursos. Sem isso, a inclusão fica apenas na teoria e não se concretiza na prática, na sala de aula ou no mercado de trabalho. Começar com materiais lúdicos é essencial para avançarmos nessa área”, aponta a astrofísica.
Desde 2022, o NAPI também promove workshops anuais que reúnem pesquisadores do estado e de outros locais, fomentando a divulgação científica. Previsto ainda para 2024, a terceira edição do workshop será uma oportunidade para apresentar os avanços e projetos em desenvolvimento.
O futuro é logo ali
A próxima fase do projeto, prevista para começar ainda em 2024, vai ampliar o apoio a diversos outros projetos do NAPI. “Vamos beneficiar pesquisas em áreas como exoplanetas, neutrinos e até aplicações médicas da astronomia. O objetivo é integrar mais de 30 pesquisadores e fomentar a ciência em todas as suas vertentes”, explica Rita.
A ideia é expandir e mostrar a potência da astronomia no Paraná. “Queremos que o Paraná se destaque no cenário nacional e internacional. A ciência que fazemos aqui é de ponta e queremos que isso seja reconhecido”, afirma a professora.
Para Rita de Cássia dos Anjos, o NAPI Fenômenos Extremos do Universo é mais que um projeto, é um sonho que se torna realidade e que já está revolucionando a astronomia no Paraná, integrando pesquisadores, fortalecendo colaborações internacionais e promovendo a divulgação científica. Com a construção do telescópio que fará parte do Cherenkov Telescope Array, o NAPI coloca o estado em destaque no cenário nacional e internacional, mostrando que a astronomia paranaense tem muito a oferecer ao mundo.
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Texto: Guilherme de Souza Oliveira
Supervisão de texto: Ana Paula Machado Velho
Arte: Guille Cordeiro
Supervisão de arte: Tiago Franklin Lucena
Edição Digital: Gutembergue Junior
Glossário
- Fótons: são as partículas que compõem a luz e podem ser definidos como pequenos “pacotes” que transportam a energia contida nas radiações eletromagnéticas. ↩︎
- Processos de alta energia: são atividades e fenômenos que envolvem a liberação de muita energia, como buracos negros supermassivos, explosões de supernovas e formações estelares. ↩︎
A pesquisa que mencionamos contribui para os seguintes ODS:
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