Estava na aula de ioga e uma pesquisadora autônoma foi convidada a conversar com a turma sobre temas ligados à permacultura e à agroecologia. No meio da conversa, a moça que estava fazendo a apresentação mostrou uns objetos de bambu, que estavam sendo produzidos por um dos projetos que ela participa. Achei muito legal.
Tudo isso aconteceu em um domingo, no Parque do Ingá, uma reserva florestal no coração da cidade de Maringá, no Paraná. Na terça-feira seguinte, conversando com estudantes de Design, do câmpus de Cianorte, da Universidade Estadual de Maringá (UEM), descobri que havia um grupo realizando pesquisas sobre a utilização do bambu em objetos do cotidiano. Coincidência? Não sei, não! O fato é que logo pensei em mostrar essas ideias todas aqui no C². Afinal, ciência aplicada ao dia a dia é nosso foco!
Então, procurei a Thaise Francielle de Sousa Roth. Sim, a palestrante da aula de yoga. Ela me contou como começou a trabalhar com bambu. Foi em 2018, quando ela procurou conhecer a permacultura na prática. Thaise foi morar como voluntária no Instituto Pindorama, no município de Nova Friburgo, no estado do Rio de Janeiro.
Você sabe o que é Permacultura? No vídeo abaixo, o Conexão Ciência explica o que é essa prática:
Segundo Thaise, no Brasil, existem mais dezenas de espécies de bambu. Na época de chuva, essas plantas podem crescer até 20 cm em um único dia. E mais: é um produto presente em diversas áreas, desde a alimentação com os brotos, folhas para chás, biocosméticos, até na arquitetura, com a utilização da madeira, que pode dar forma a móveis, utensílios domésticos e estruturar casas. Era isso que chamava a atenção do grupo de Nova Friburgo, que se perguntava, por que essa matéria-prima não é amplamente utilizada em nosso dia a dia?
“Aproveitando a existência de muito bambu na propriedade deles, o grupo começou a envolver as pessoas, oferecendo cursos que ensinam a manejar o material. Eu fiz aulas de movelaria e de bioconstrução. Na sequência, em 2019, comecei a participar do projeto de bambuzeria, em uma escola, no distrito de São Pedro da Serra. A ação era coordenada pela Casa dos Saberes, vinculada à associação de moradores da região”, lembra a maringaense.
Com essa experiência, Thaise aprimorou suas técnicas e começou a realizar trabalhos específicos de bambuaria. Produziu estantes de livros, pergolados, cercas, brinquedos para crianças e adultos. Hoje, atua, especificamente, com bambu fino e amarração para estruturas de bioconstrução e design de interiores.
Além disso, ao voltar para Maringá, criou um projeto comunitário de artesanato em bambu. A Casa Viva reúne mulheres autônomas e é um braço do Instituto Sefaz. Trata-se de uma bambuzeria escola comunitária, que dá oportunidade a mulheres de terem um espaço para manusear ferramentas e criar.
“Temos bambus disponíveis para trabalhar e fazemos o acompanhamento, oferecendo ensino de qualidade. Sou professora desde 2005 e atuo trabalhando com bambuaria desde 2019. Além do meu conhecimento, trocamos entre nós os saberes sobre amarrações, uso de sementes, tecidos e outros materiais que amamos misturar e criar com bambu. O principal objetivo é capacitar pessoas para identificarem as espécies, saber como fazer o manejo para manter a planta saudável, realizar o tratamento para a durabilidade da madeira e, principalmente, quais ferramentas são necessárias para a criação das mais de quatro mil utilidades do bambu. Há dois meses que mudamos para nossa sede própria e estamos nos estruturando em todos os sentidos: criando acordos para a aquisição de ferramentas elétricas, assim como nos organizando para ampliar os nossos trabalhos e muito mais”, conta Thaise.
A professora ainda lembrou que a arrecadação com a venda das peças criadas e os serviços prestados pela bambuaria são destinados a financiar o novo espaço coletivo de aprendizagem e criatividade.
“A intenção primordial da bambuaria escola comunitária é que, cada participante, seja remunerado mesmo durante o período de aprendizagem e, em um breve espaço de tempo, consiga desenvolver a própria bambuaria em casa. Trabalhamos intensamente para que isso aconteça, em um futuro próximo! Dessa forma, modelos de negócios sustentáveis são criados, justamente por sabermos que existem muitos bambuzais dentro da cidade de Maringá”, alerta a maringaense.
A ciência e o bambu
Enquanto Thaise atua na manipulação da matéria-prima, os estudantes da UEM fazem pesquisas para compreender a natureza do bambu e como ele pode ser melhor preparado não só para atender às demandas dos artesãos como para ser base do desenvolvimento de produtos na indústria.
Pesquisas realizadas por estudantes do curso de Design mostram que o bambu é uma gramínea com mais de 200 milhões de anos e 1300 espécies espalhadas pelo mundo. Imagina-se que 50 delas são domesticadas e 38 vêm sendo estudadas. Só para se ter uma ideia, na área de florestas presentes no planeta, o bambu representa 3% das plantas presentes.
Segundo a International Network for Bamboo and Rattan (INBAR), instituição não governamental dedicada ao estudo do bambu, “a planta ainda não alavancou seu potencial no mercado desde que vem sendo estudada, mas que vem sendo estudada para que possa ser alavancada, o mais breve possível”.
No Brasil, estudos citam mais de 258 espécies de bambus nativos, distribuídos em duas tribos, Olyreae e Bambuseae, e 35 gêneros. A tribo Olyreae é composta por bambus herbáceos, com 17 gêneros e 97 espécies, enquanto bambuseae é composta por bambus lenhosos, são 18 gêneros e 165 espécies.
Boa parte deste material pode ser base para a produção biodegradável de inúmeros produtos, como talheres e móveis. Dentre as propriedades que fazem o bambu ser um possível sucessor de materiais produzidos em laboratório, como plástico, são: leveza, flexibilidade, o fato de ser um material alternativo e ecologicamente correto, de rápido crescimento, alta produtividade e que é cultivado sem produtos tóxicos”, diz Lucas Freitas, aluno do curso de Design, do câmpus regional de Cianorte da UEM.
A graduação já tinha uma professora interessada no assunto, Cristina do Carmo Lucio Berrehil el Kattel. Freitas se uniu a ela e deu início a um projeto de pesquisa vinculado ao Programa Institucional de Bolsas de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação (PIBITI), intitulado “Tratamento de bambu por imersão com químicos sustentáveis para obtenção de matéria-prima para o desenvolvimento de produtos”.
O objetivo era investigar como o bambu reage a tratamentos com substâncias naturais e sustentáveis, em comparação a químicas convencionais, a fim de ser usado como matéria-prima no desenvolvimento de produtos.
As espécies pesquisadas são foco de outra investigação, com foco no mapeamento das espécies de bambu existentes na região de Cianorte, realizada por Leandro Freitas Policeno, também aluno de Design da UEM.
Lucas Freitas explicou que, escolhidas as espécies, o bambu foi colhido na mata e levado para a Universidade, onde foi cortado, lixado e realizada a preparação para o tratamento. Depois, foram aplicadas as substâncias determinadas para a experiência. Em seguida, os cortes de bambu foram colocados na parte externa do câmpus para que se pudesse avaliar a durabilidade e, também, dentro do Laboratório de Ergonomia. Neste ambiente, foram feitas medições e outros testes para determinar como ele reage à temperatura, vento e iluminação. Todos esses dados foram coletados para serem analisados.
“Depois de três anos e a análise de várias amostras, chegamos a alguns resultados relevantes e que são muito importantes, especialmente, para reforçar a sustentabilidade do bambu. Duas substâncias ajudaram neste processo de melhoria da durabilidade e podem ser exploradas no futuro. Ainda não podemos divulgar os nomes destes produtos por motivos de sigilo de propriedade intelectual”, contou Lucas Freitas.
Produção industrial
Paralelo ao trabalho realizado por Freitas, a acadêmica do curso de Design de Produto, Angélica Akemi Fukushima, realizou outro projeto de pesquisa, desta vez, vinculado ao Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC), intitulado “Análise das interfaces de utensílios domésticos produzidos em bambu”.
A pesquisa também foi orientada pela professora doutora Cristina e teve como objetivo estudar a interface dos utensílios domésticos de bambu e definir parâmetros para o desenvolvimento de novos produtos a partir dele.
“Um dos principais problemas encontrados nos utensílios estudados é que são de origem estrangeira e, muitas vezes, não têm identificação exata da procedência, além de não serem adequados ergonomicamente, podendo ocasionar problemas à saúde e ao bem-estar. Esta situação se tornou a justificativa para a realização do nosso estudo”, explicou a estudante.
Angélica destacou que enfrentou obstáculos, porque a pesquisa teve início junto com a pandemia da Covid-19, o que não permitiu que ela utilizasse os laboratórios da Universidade. “Majoritariamente, fiz as análises em casa com as orientações via plataforma Meet”.
A análise encontrou alguns problemas que possuem ligação direta com a ergonomia e a funcionalidade dos produtos. A falta de pegas adequadas para os diversos usuários dificulta a utilização de determinados objetos. Além disso, segundo Angélica, “falta tratamento químico apropriado do bambu em algumas amostras. Por exemplo, há alguns produtos que tendem a absorver a água e pode contribuir com a adesão de fungos e bactérias nos utensílios. E mais, a maioria dos produtos não possui especificações sobre o cuidado e conservação nas embalagens, o que pode levar a problemas com o tempo de uso”.
Reconhecimento
As pesquisas já renderam impacto. Em dezembro de 2021, Lucas Freitas recebeu o primeiro lugar em Menção Honrosa pelo trabalho apresentado no XI Encontro Anual de Iniciação Tecnológica e Inovação.
“Esta premiação só confirmou a qualidade do trabalho sobre o qual já havíamos realizado publicações a respeito. Parabéns ao Lucas e à Angélica pela perseverança nesta temática tão importante para nossos dias”, disse a orientadora dos dois, Cristina do Carmo Lucio Berrehil el Kattel.
Vimos que é preciso incentivar a utilização de partes desta planta abundante no nosso país e no mundo, o bambu, em diferentes áreas. A ciência vem ajudando e, além disso, há técnicas milenares de manejo, que incluem trabalhos manuais simples como ensina a professora Thaise, no início deste texto.
“Todos esses elementos juntos trazem muitas possibilidades de entender como o humano pode viver, trabalhar e se sustentar, utilizando um recurso da natureza que está abundante, disponível, aqui, nesse momento, enquanto você lê essa matéria. Seguimos fazendo a nossa parte aqui no Instituto Sefaz formando mulheres capacitadas para atuar em suas casas e na cidade, transformando espaços e vidas”, conclui a professora Thaise!
Serviço
Instituto SEFAZ
Permacultura e bambu na cidade
Rua Valparaíso, 431- fundos – Maringá – PR
Acesse o site
Instagram: @institutosefaz e @thaiseinstitutosefaz
O conteúdo desta página foi produzido por
Texto: Ana Paula Machado Velho em colaboração com Tairine Bertoni de Lara, Vinícius Mota e Vinícius Vieira (Curso de Design, câmpus UEM Cianorte)
Edição de texto: Ana Paula Machado Velho
Edição de vídeo: Ingrid Lívero
Arte: Murilo Mokwa
Supervisão de Arte: Tiago Franklin Lucena
Edição Digital: Gutembergue Junior