Fui lavar o carro essa semana. Pedi ajuda da irmã para segurar e ir jogando água com a mangueira, enquanto eu ensaboava a lataria. Na empolgação do domingo de sol, resolvemos também “tirar a poeira” do outro veículo da casa. Bem menor, com certeza. No dia seguinte, era dorzinha para todo lado. Ainda consegui ir à academia na segunda. Sim, faço exercício físico todos os dias. Dança ou body combat. Confesso que ando meio sumida da musculação e havia faltado às aulas por uns dez dias, porque tive que viajar a trabalho. Mas, mesmo assim, me incomodou a dor muscular pelo corpo por causa do esforço da lavagem do automóvel.
Conversando com a mana, pensamos… estamos ficando velhas… 60, eu, e ela 63 anos. Já não podemos abusar, fazer tanto esforço. A idade está chegando. Estamos envelhecendo. Daí, me lembrei da doutora Thaís, uma geriatra que trabalha no Serviço de Medicina e Segurança do Trabalho – Sesmt, da Universidade Estadual de Maringá (UEM). Ela foi uma das palestrantes de um curso de extensão que fiz sobre aposentadoria na UEM, onde trabalho como jornalista, desde 1999. Foi o “Aposentação”, promovido pelo curso de Psicologia. Tá quase na hora de parar, né? Daí, fui pensar um pouco em como é deixar de trabalhar. Conversamos com várias profissionais. Uma delas foi a doutora Thaís. Com os acontecimentos do fim de semana, fiquei com uma vontade danada de perguntar à ela o que é envelhecer sob o aspecto biológico, do nosso corpo.
Thaís Cano Miranda Nóbrega é médica concursada do Sesmt e atua na área da Medicina do Trabalho, na Universidade, desde 2009. No dia a dia, faz exames ocupacionais e ajuda as pessoas não só a rastrear fatores de risco para doenças comuns na população, mas também a pensar na qualidade de vida no futuro. Segundo ela, os servidores da UEM acabam passando pelo Serviço ao longo de toda jornada profissional e, por isso, ela tem a oportunidade de ajudar homens e mulheres a refletirem não só sobre a saúde do corpo, mas acerca da construção da vida e até sobre essa questão da aposentadoria.
A doutora é geriatra. Fez medicina na UEM, formou em 2003. “Depois, fiz especialização em medicina do trabalho e, por isso, trabalho aqui no Sesmt. Mas, também, fiz uma residência em clínica médica, em Santa Catarina, e, em seguida, fui para a USP (Universidade de São Paulo) fazer residência de geriatria. Terminei essa minha última residência há 15 anos”, lembrou a médica.
O que é geriatria, doutora?
Geriatria é uma especialidade médica que estuda o processo de envelhecimento. Segundo Thaís, nasceu de uma demanda da medicina ocidental, que é a super especialização. “Hoje, você pode ir a um cardiologista, especialista numa determinada válvula do coração, por exemplo. Por um lado, esse boom tecnológico fez a gente viver mais, porém, houve uma perda da visão do corpo como um todo. Então, a geriatria tenta resgatar a visão integralizada sem perder o avanço tecnológico. É como se o geriatra fosse um gestor da saúde da pessoa”, explicou a doutora.
Por esse motivo eu pensei que ela seria a pessoa ideal para responder a questão inicial da nossa reportagem: o que é envelhecer? Biologicamente falando. Segundo Thaís, por mais que a mídia tente colocar esse processo de envelhecimento como marco, “eu atingi 60 anos, então eu virei idoso e tenho que me preocupar”, biologicamente falando, isso não acontece, não é um portal que se atravessa.
Segundo a doutora, é um processo contínuo. Desde quando a gente nasce, isto vai acontecendo… A gente tem um pico de capacidade funcional, que acontece por volta dos 30 e poucos anos e, depois, vai se dando um declínio na capacidade vital das células. Mas, em termos de envelhecimento normal, esse declínio não chega a atingir níveis de incapacidade. Então, o indivíduo tem um declínio no desempenho de todos os órgãos, cérebro, coração, rins, mas ele não atinge níveis que incapacitam aquele ser de viver.
“O meu coração vai ter um processo menos eficaz de bombear o sangue, vamos dizer assim, mas isso não chega a ser uma insuficiência cardíaca. O processo de envelhecimento, pelo acúmulo de radicais livres ao longo da vida, vai gerando uma redução da potência, da função vital, da potência das células de trabalhar. Mas, no processo normal, não atinge níveis de falência, de incapacidade”, destaca a doutora.
Thaís Nóbrega alerta que isso é diferente de quando uma doença se instala e acelera a degeneração de um órgão ou sistema. Trata-se de uma “falência antecipada”. Mas o envelhecimento em si não é uma doença que se instala em determinada fase da nossa vida. Isso não é verdade.
A doutora lembrou que, “há uns dois anos, houve uma grande discussão para se incluir o termo velhice na Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (CID), o chamado CID. Foi à ocasião da morte do marido da Rainha Elizabeth, que morreu bem longevo. Segundo Thaís, houve dúvidas do que se colocar no atestado de óbito dele. Preencheram com algo relacionado à velhice e, em seguida, surgiu esse movimento de incluir o processo de envelhecimento como doença no CID.
“Meu Deus! Como se velho fosse um doente, né? Seria um ‘geninóstico’, né? Estar longevo seria automaticamente ser doente. Aí, houve uma movimentação muito grande dos profissionais que trabalham na área e, felizmente, isso não aconteceu. Não podemos considerar velhice uma doença, porque é, na verdade, um processo natural, contínuo, uma construção como já dissemos”, arremata a geriatra.
Atenção é bom!
Agora, hoje em dia, é bom a gente ficar atento a alguns perigos da contemporaneidade. Por exemplo, existem alguns sinais, vamos dizer, algumas doenças que a população idosa atual está mais propensa. Isso é uma verdade, concorda a doutora Thaís.
Segundo ela, há pouco tempo, a grande preocupação eram as doenças cardiovasculares. Com o avanço das tecnologias, hoje, as pessoas morrem menos de infarto. Por outro lado, cresce, cada vez mais, o desafio com as demências como um todo e com a osteoporose.
A demência está muito associada com o estilo de vida. Especialmente, a ingestão exagerada de comida processada. Isso é um ponto. Somado a todos os problemas do estilo de vida contemporâneo, a obesidade, o tabagismo, a pressão alta e a diabetes não controladas se tornam um grande perigo à saúde. E ainda tem o sedentarismo, que contribui com a osteoporose.
“Tudo isso, ao longo dos anos, aumenta o risco de demência. Estudos mostram também que a perda auditiva, quando aparece na idade adulta e não é tratada, aumenta o risco de demência. A baixa escolaridade, isso no nosso país e nos países em desenvolvimento é um grande desafio, porque quanto menos a pessoa estimula o cérebro, mais suscetível ela estará quando ela ficar idosa. Enfim, são vários os fatores de risco. Por outro lado, se a gente conseguisse controlar todos esses fatores de risco que são reversíveis, o que passa pela mudança de hábitos, a gente reduziria em até 50% o risco de ter demência; isto é, poderíamos prevenir metade dos casos de demência no mundo”, informa Thaís.
A médica lembra, ainda, que é possível tratar um desequilíbrio do colesterol e evitar que a pessoa tenha um infarto, por exemplo. Doses de vitamina B1 podem diminuir a chance de um problema de memória; isto é, há remédios que, cientificamente falando, nos protegem. O que a gente não há é um remédio do “envelhecimento bom”, o néctar da “fonte da juventude”.
Então, como viver bem o processo de envelhecimento?
Thaís Nóbrega diz que recebe muitas pessoas fazendo a pergunta acima no consultório do Sesmt, na UEM. E ela pede para que cada um tenha consciência do seguinte: vamos ser, lá na frente, a somatória de tudo que fizemos ao longo dos nossos dias. A nossa genética vai impactar? Sim, vai. Mas, hoje, segundo a médica, muitos estudos já mostram que os nossos hábitos de vida têm muito mais potência, muito mais poder de determinar o processo de envelhecimento do que os genes.
A geriatra lembrou de uma reportagem sobre um pianista, que fala do conceito de autoeficácia. Isso significa conseguir se adaptar e ficar bem respeitando a nova realidade, as novas funções do nosso corpo, mesmo em idades muito avançadas. Foi uma fala do pianista Arthur Rubinstein, que, hoje, já é falecido. Ele tinha quase 90 anos no momento da entrevista. O repórter perguntou a ele como era conseguir tocar ainda tão bem com idade avançada e ele respondeu que treinava mais, porém, também, escolhia peças tecnicamente mais fáceis para tocar. Em outras palavras, para atingir o mesmo objetivo e desempenho, ele se adaptou.
A gente pode levar essa prática para outras áreas da nossa vida, segundo a doutora Thaís. Com 20 anos de idade uma pessoa pode correr 15 km tranquilamente. Aos 60, talvez não consiga, mas pode fazer outras atividades. O importante é saber quais são as atividades mais adequadas para cada perfil. Para a médica, é isso que precisamos definir, aquilo que se adapta melhor ao nosso corpo, ao nosso estilo de vida, às crenças que nós temos, ao meio que a gente está inserido.
“A questão é que mudar hábitos de vida é muito difícil. Envolve muita informação, muita consciência. Às vezes, a pessoa não quer mudar um determinado hábito, quer tomar um comprimido e ter a certeza ou a sensação que ela não terá doenças no futuro. Claro que alguns remédios, sim, ajudam muito na prevenção, como já dissemos acima. Mas a base, vamos imaginar assim, a fundação desta casa, desta construção que é o nosso corpo, é o hábito de vida, nossas ações na maioria dos nossos dias. É essa somatória do que fazemos durante a maior parte da nossa vida”, alerta a geriatra.
Uma lista de dicas
Então, anote aí uma dica da doutora: a chave para o processo do envelhecimento bem sucedido, do envelhecimento com qualidade, é a nossa capacidade de adaptação às mudanças que o corpo sofre, às mudanças que ocorrem no nosso ambiente, na nossa família.
Segundo a geriatra, ela percebe um certo pânico de envelhecer nas pessoas que atende no consultório do Sesmt, na UEM. Pânico e medo do futuro: medo de ficar doente, de depender dos outros, de ficar incapaz. Então, Thaís deixou uma reflexão que eu reproduzo aqui, depois de ter feito lá no sofá da minha casa com minha irmã Stela.
A questão é a seguinte, pergunte-se: a partir da vida que você tem hoje, como quer que seja a sua realidade lá pelos 85 anos? Com quem você vai morar? Como vai estar a tua cabeça? Como vai estar o teu corpo? O que você vai estar fazendo? Por quê? Segundo a doutora, quando a gente consegue projetar o nosso desejo, isso é uma mola propulsora para que busquemos alternativas, caminhos viáveis para que a gente chegue nesse lugar imaginado.
“Quando eu não penso sobre isso, quando o meu caminho é o medo, ‘ai, eu eu não quero ficar doente, não quero ficar dependente’, isso não é produtivo, não faz a gente mudar, não nos empurra para a frente. Isso faz a gente ficar preso em coisas que não voltam mais. Então, a gente precisa olhar para a frente, como que eu quero chegar lá? Independente de que ponto do caminho a gente está, a gente pode construir bons hábitos e chegar lá. E nesse rol estão incluídos também bons hábitos sociais, porque envelhece melhor quem tem bons vínculos, não só familiares, mas com amigos. Pessoas que envelhecem sozinhas costumam ter uma auto percepção muito ruim do processo de envelhecimento”, alerta Nóbrega.
Precisamos, então, ficar atentos para envelhecermos melhor. Afinal, diferente do que acontecia muitos anos atrás, em que a pessoa se aposentava já muito doente, vivia pouco tempo, hoje, o indivíduo está se aposentando numa idade muito produtiva ainda, vai ter longos anos de vida e é imprescindível que reflita sobre isso.
E é esse um dos papéis da doutora Thaís Cano Miranda Nóbrega, incentivar as pessoas a pensarem o que elas podem fazer ao longo da vida para que consigam sair da Universidade tendo a sensação de que construíram algo, não foi simplesmente o tempo que passou.
Anotei o recado e deixei escrito em um post-it para a minha irmã, na geladeira, pra que ela leia todos os dias. Vamos refletir sobre nossa idade e, entre as medidas, desacelerar as exigências com o corpo. Quem sabe, lavar só um carro de cada vez. Na mente, um só aviso importante, bons hábitos, são promessas (mas não certeza) de um bom processo de envelhecimento. Vou apostar!
Se quiser ter mais dicas de como se preparar para se aposentar, acesse nosso podcast, Conexão Aposentação. A doutora Thaís está por lá também. É só clicar aqui!
Glossário
Radicais livres – São moléculas muito instáveis presentes em nosso organismo que, em excesso, podem ser tóxicas, contribuindo para o enfraquecimento do sistema imunológico e o envelhecimento, bem como de distúrbios mais sérios, como artrite, arteriosclerose, catarata, entre outros problemas de saúde.
CID – A Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde determina a classificação e codificação das doenças com sintomas, achados anormais, denúncias, circunstâncias sociais e causas externas de danos e/ou doenças.
Equipe desta página
Texto: Ana Paula Machado Velho e Bruna Mendonça
Edição de vídeo: Luiza da Costa
Revisão: Silvia Calciolari
Arte: Mariana Muneratti
Supervisão de arte: Tiago Franklin Lucena
Edição Digital: Gutembergue Junior
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