Caminhos para uma agricultura sustentável e resiliente

A ilustração mostra uma visão do solo com uma lupa ampliando detalhes microscópicos. Há organismos como bactérias e protozoários, além de fragmentos coloridos. Raízes e um caule verde emergem do solo, destacando a relação entre a vida visível e invisível na terra. O estilo é artístico e científico.
Pesquisa da UEM mostra como práticas conservacionistas fortalecem a microbiota do solo, aumentando a produtividade e a resiliência ambiental

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Já reparou como o nosso corpo abriga milhões de microrganismos que ajudam na digestão e na defesa contra doenças? Assim como no intestino humano, o solo também possui uma complexa microbiota, formada por bactérias, fungos, protozoários e outros organismos que garantem sua fertilidade e equilíbrio. No entanto, práticas agrícolas inadequadas podem comprometer essa biodiversidade, o que resulta na degradação do solo e na queda da produtividade agrícola.

No Brasil, a monocultura é predominante em muitas regiões agrícolas. A produção extensiva de culturas como soja e milho, sem rotação adequada, pode levar ao esgotamento dos nutrientes do solo, fazendo com que ele seja mais dependente de fertilizantes químicos e aumentando a vulnerabilidade à erosão. Esse modelo, apesar de produtivo a curto prazo, pode comprometer a sustentabilidade da agricultura no longo prazo.

Por isso, compreender os impactos desse sistema e buscar alternativas mais equilibradas foi um dos objetivos da pesquisa  “Changes in the Attributes of the Oxisol ‘Arenito Caiuá’ After the Use of the Crop–Livestock Integration System”. É uma parte da dissertação de mestrado em Agroecologia de Alex Eduardo Zaniboni, da Universidade Estadual de Maringá (UEM). O trabalho serviu como base para uma investigação mais ampla, coordenada pelo professor Higo Forlan Amaral, sobre como a microbiota do solo reage a diferentes formas de manejo. 

A imagem é uma montagem composta por duas fotos lado a lado, mostrando dois homens usando camisas sociais azul-claro. Na foto à esquerda, um homem de pele clara e cabelos curtos e escuros está tirando uma selfie ao ar livre. Ele tem um leve cavanhaque e bigode e um semblante sério. O fundo da imagem mostra uma plantação verde com folhas grandes, e algumas árvores ao fundo. Na foto à direita, outro homem de pele clara e cabelos curtos e escuros posa para a câmera em um ambiente interno. Ele tem uma expressão neutra com um leve sorriso. O fundo apresenta uma parede de madeira com uma estante branca, na qual há objetos decorativos, incluindo círculos verdes entrelaçados e algumas esculturas brancas.
Higo Forlan Amaral à esquerda e Alex Eduardo Zaniboni à direita (Foto/Arquivo pessoal)

O estudo não se limitou a avaliar o impacto da agricultura e da pecuária na vida microbiana do solo, mas também destacou esses microrganismos como indicadores essenciais da qualidade do solo e da eficácia na ciclagem de nutrientes, examinando os efeitos da Integração Lavoura-Pecuária (ILP) na fertilidade e sustentabilidade dos solos da região agrícola do noroeste do Paraná.

A escolha do Arenito Caiuá para a pesquisa não foi aleatória. Esse solo, caracterizado por sua textura arenosa e baixa capacidade de retenção de água, representa um grande desafio para a agricultura. “Esse solo tem uma alta suscetibilidade à erosão, principalmente devido ao manejo inadequado, ao uso de maquinário pesado e ao pisoteio de animais na pecuária extensiva”, explica o professor Higo.

Diante desse cenário, o estudo comparou áreas de início de um sistema de ILP para entender como a microbiota do solo respondia a ele e seus manejos. A hipótese era que a alternância entre lavoura e pecuária poderia favorecer a recuperação do solo e estimular a atividade microbiana, tornando o ambiente mais resistente e resiliente às perturbações.

A microbiota do solo e a Integração Lavoura-Pecuária como alternativa sustentável

A microbiota do solo é composta por organismos essenciais para a manutenção da fertilidade. Esses microrganismos degradam resíduos vegetais e animais, transformando-os em nutrientes disponíveis para as plantas. Sem essa atividade, os solos agrícolas rapidamente ficariam improdutivos, pois a matéria orgânica não seria reciclada de forma eficiente.

O infográfico apresenta informações sobre a microbiota do solo, com um fundo dividido em duas cores: laranja à esquerda e verde à direita. O título, "Microbiota do solo", está no topo, com "Microbiota" em branco sobre um retângulo marrom e "do solo" em marrom sobre um retângulo verde-claro. No lado esquerdo, sob o título "Composição:", são listados os principais componentes da microbiota do solo: bactérias, fungos, actinobactérias e protozoários. Essa parte tem ilustrações estilizadas de microrganismos desenhados em traços simples. No lado direito, sob o título "Principais funções:", estão listadas as principais funções desses organismos: ciclagem de nutrientes, fixação biológica de nitrogênio, decomposição da matéria orgânica, controle de doenças e pragas e melhoria da qualidade do solo. O fundo dessa seção também contém ilustrações de microrganismos em tons de verde. No rodapé, há um crédito para a arte e a fonte do infográfico: "© Conexão Ciência | Arte: Hellen Vieira".

A Integração Lavoura-Pecuária (ILP) surge como uma alternativa à monocultura, que diminui a qualidade do solo e, consequentemente, esgota os nutrientes do solo ao longo dos anos. O professor da UEM informa que, na ILP, os agricultores alternam o cultivo de grãos, como soja e milho, com períodos de pastagem para a criação de gado. Essa alternância reduz o impacto do uso do solo, melhorando sua estrutura e favorecendo a ciclagem de nutrientes.  

A pesquisa demonstrou que a ILP teve um impacto positivo na microbiota do solo. “Quando avaliamos a parte microbiana, observamos que o carbono, fundamental para o funcionamento do solo, comportou-se de forma diferente. Nos sistemas com integração, o solo aumentou sua capacidade de incorporar e reciclar de nutrientes, diferentemente da pastagem contínua, onde a condição do solo era de maior estresse”, revela o pesquisador.  

Além disso, a ILP contribui para a diversificação da produção agrícola, aumentando a rentabilidade do produtor. A estratégia melhora atributos do solo ligados à ciclagem de nutrientes e à fertilidade, o que, a médio prazo, se traduz em ganhos na produtividade de grãos e de animais. Esse efeito é crucial para mitigar problemas comuns na agricultura convencional, como a compactação do solo e a perda de matéria orgânica.  

No estudo conduzido pelo professor Higo e equipe, foram testadas diferentes abordagens da ILP. Em algumas áreas, a pecuária foi introduzida após um ano de cultivo de grãos; em outras, após dois anos. Os resultados indicaram que esse manejo aumentou a biomassa microbiana, elevou o teor de carbono orgânico e melhorou a retenção de umidade no solo.

A imagem mostra uma pessoa em um campo aberto de vegetação verde, sob um céu azul e ensolarado. Ela está vestindo uma camisa de manga longa escura, calça escura dobrada até a altura das canelas, botas amarelas e um chapéu de aba larga que cobre seu rosto, dificultando a identificação. A pessoa está segurando e pressionando um instrumento cilíndrico metálico no solo para coletar amostras de terra. À sua frente, há três baldes de plástico, um roxo e dois marrons, posicionados no chão. O ambiente ao redor é uma área rural, com uma plantação de gramíneas e, ao fundo, uma linha de árvores e colinas.
Coleta de amostras do solo para a pesquisa (Foto/Arquivo pessoal)

“Nossa pesquisa mostrou que os efeitos mais evidentes da ILP ocorreram nos atributos microbiológicos, principalmente, dos índices quociente microbiano e enzimático, que são relevantes para o investigar os níveis de resistência e resiliência do solo. A introdução da pecuária logo após o cultivo de grãos resultou em melhores índices qualitativos do solo do que a inversão dessa sequência”, destaca. 

Esse fenômeno está relacionado à matéria orgânica do solo residual das culturas. Diferentes tipos de resíduos vegetais possuem proporções variadas de carbono e nitrogênio, influenciando sua taxa de decomposição. Resíduos de soja, ricos em nitrogênio, se degradam rapidamente, enquanto os de gramíneas permanecem por mais tempo no solo.

Isso reforça a importância de sistemas agrícolas integrados e de baixo impacto, que aumentam a produtividade enquanto preservam a qualidade do solo, do meio ambiente e seus serviços ecossistêmicos.

Resultados da pesquisa e seus impactos

O estudo mostrou que as áreas manejadas com ILP apresentaram uma microbiota mais equilibrada, com maior diversidade de microrganismos e melhor eficiência na ciclagem de nutrientes. Isso se traduziu em solos mais resilientes e produtivos. “Quando analisamos o carbono da biomassa microbiana e a matéria orgânica, que resulta no quociente microbiano, vimos que estavam significativamente melhores nas áreas de ILP, o que indica um ambiente mais estável e com maior capacidade de regeneração”, explica o docente da UEM.

O infográfico apresenta o ciclo do carbono no solo, com um fundo em tom terroso e elementos visuais que representam uma planta, suas raízes e o solo. O título "Ciclo do carbono" aparece em destaque, com a palavra "carbono" em verde. À esquerda, há uma explicação sobre a matéria orgânica, descrita como um substrato energético essencial para o crescimento dos microrganismos. No topo, há uma ilustração de uma planta, acompanhada do texto explicando que ela realiza a fotossíntese, capturando dióxido de carbono (CO₂) da atmosfera e transportando-o para o solo por meio de suas raízes. Abaixo, a área do solo destaca a importância do carbono armazenado, que fica associado a matéria orgânica e minerais, retido nos agregados do solo, evitando sua liberação para a atmosfera. As raízes são destacadas como um meio de transporte do CO₂ para o solo, enquanto os microrganismos, representados por pequenos desenhos, são apontados como os principais responsáveis pela decomposição de compostos e pelo armazenamento do carbono no solo. O infográfico é assinado pelo site Conexão Ciência, com arte de Hellen Vieira, e traz como fonte um artigo do site Scheffer.

Além dos benefícios ecológicos, a ILP também apresentou vantagens econômicas. A diversificação da produção permitiu maior rentabilidade e estabilidade financeira para os produtores que, no primeiro ano, a produtividade de soja (kg/hectare) foi de 2.727 para 3.600 após o segundo ano de rotação. O pesquisador ressalta que, com a ILP, o agricultor não fica dependente de uma única cultura. Assim, ele pode equilibrar a produção de grãos e a pecuária, garantindo diversificação de renda ao longo do ano.

Outro fator importante é o uso racional de fertilizantes químicos. Com a melhoria da ciclagem de nutrientes promovida pela microbiota do solo, a necessidade de insumos externos diminui. No entanto, a realidade do mercado agrícola impõe desafios. “O lobby por trás da agricultura é um pouco cruel nesse sentido, porque a qualidade do solo não vende. O que vende é o fertilizante, o que vende é o defensivo, o que vende é a máquina”, aponta o professor Higo Amaral. 

A transição para a ILP não elimina a necessidade de fertilizantes, pois eles continuam sendo necessários para fornecer nutrientes às plantas. No entanto, “conforme o agricultor muda para um modelo mais conservacionista, ele constrói um perfil de fertilidade do solo”, informa. Com o tempo, isso reduz o excesso, minimiza impactos ambientais e torna a agricultura mais sustentável e economicamente viável.

Apesar dos benefícios evidentes, a implementação da ILP ainda enfrenta desafios. Muitos agricultores têm receio de adotar novos modelos de manejo, e a transição para sistemas integrados exige planejamento e investimento. O pequeno agricultor, principalmente, pode enfrentar dificuldades na adaptação. Por isso, é fundamental que haja políticas públicas de incentivo e suporte técnico adequado.

A imagem mostra uma cena de coleta de amostra de solo em uma área com vegetação. No centro da imagem, há um amostrador cilíndrico de metal parcialmente inserido no solo, que está solto e de cor marrom-avermelhada. Na imagem, há uma única pessoa visível, mas apenas suas pernas e pés aparecem. Ela está vestindo calça escura e botas amarelas de borracha, apropriadas para trabalho agrícola ou de campo. Ao fundo, há um balde roxo e outro balde marrom, parcialmente cobertos pela vegetação.  O solo está rodeado por plantas de folhas verdes e gramíneas. A iluminação natural e as sombras indicam que a foto foi tirada durante o dia, sob forte luz do sol.
Coleta de amostras do solo para a pesquisa (Foto/Arquivo pessoal)

A pesquisa conduzida pelo professor Higo Amaral e seu grupo comprovou que a Integração Lavoura-Pecuária é uma estratégia eficiente para melhorar a qualidade do solo e garantir uma produção agrícola mais sustentável. O estudo evidencia o papel indispensável da microbiota do solo na qualidade ambiental e demonstra como a ciência pode oferecer alternativas factíveis e concretas para os desafios da agricultura e das mudanças climáticas.

A adoção de sistemas integrados como a ILP representa um caminho viável para equilibrar produtividade, conservação ambiental e serviços ecossistêmicos. À medida que mais agricultores investem nesse modelo, os benefícios para o solo, o meio ambiente e a economia tornam-se cada vez mais evidentes, levando para um futuro mais sustentável na produção agrícola.

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Texto:
Maria Eduarda de Souza Oliveira
Revisão de texto: Ana Paula Machado Velho
Arte: Mariana Muneratti e Hellen Vieira
Supervisão de arte: Hellen Vieira
Edição Digital: Guilherme Nascimento

Glossário

A pesquisa que mencionamos contribui para os seguintes ODS:

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