Você já deve ter se deparado com um recenseador do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) batendo palmas em frente a sua casa e pedindo que você respondesse algumas perguntas. Muitas vezes, não gostamos de intrusos à nossa porta, mas, nesse caso, o assunto é muito sério! Negligenciar essa visita pode ser um problema, já que os dados levantados nela servem de base para a criação de políticas que trazem benefícios à população do nosso país. Vivemos em comunidade. Não somos somente um número nesse imenso mundo, somos peças importantes de um quebra cabeças, e se por acaso faltar uma peça, o projeto Brasil não fica completo. O trabalho do IBGE na realização do censo demográfico nos ajuda a entender quem nós somos sob esse aspecto coletivo.
Há pouco tempo, o C² publicou a reportagem Estatística Espacial – a ciência das incertezas. Nela, é possível compreender como os estatísticos espaciais mapeiam, compreendem e visualizam o mundo de hoje e do futuro, ou seja, quais projeções conseguimos fazer a partir dos dados obtidos em um certo espaço de tempo.
Para que você tenha uma ideia do que estamos falando vamos contar uma história. É sobre o projeto desenvolvido pela professora de sociologia Rosa Dornelles. Movida pela paixão pelo censo, ela se aproveita do conceito que o levantamento nacional propõe e ensina cidadania aos alunos do Colégio Estadual João Bettega, no bairro Novo Mundo, em Curitiba.
Estamos falando do Projeto de Vida. Surgiu a partir da iniciativa de outra professora, a Wilma Fontana. Foi ela que convidou Rosa a elaborar uma mostra da turma do ensino fundamental e investigar as condições sociais da região onde moram; isto é, das imediações da escola. Depois de encontrar a sua amostra entre os alunos, a professora Rosa sugeriu a construção de um instrumento de coleta de dados para saber quais eram as necessidades da região em que se localiza o Colégio.
O primeiro passo, então, foi levantar o perfil socioeconômico da comunidade por meio de um questionário. As informações, em seguida, foram analisadas, organizadas e apresentadas à população na Feira do Conhecimento, um evento que acontece todos os anos na escola. Durante a programação, várias ações mostraram aos participantes dados importantes sobre as pessoas e o local em que elas vivem. Pode-se dizer que a comunidade da escola teve um retorno sobre o que vem acontecendo durante dois anos no território em que vive. Tudo isso com o objetivo de analisar as mudanças que aconteceram ou que precisam acontecer na comunidade durante esse tempo.
Problemas importantes foram verificados. Segundo a professora Rosa, uma das descobertas, por exemplo, foi que muitos moradores trabalham com reciclagem. Naquele momento, foi visto que eles faziam a coleta nas residências, realizavam a separação dos materiais e o que não possuía valor econômico, muitas vezes, era descartado no Rio Formosa. Tanto é que, para a grande maioria dos estudantes, o rio era chamado de “valetão”.
Diante desse cenário, o projeto organizou um questionário de perguntas estruturadas e selecionou os alunos das turmas de nono ano e os estudantes do Ensino Médio para realizarem uma saída de campo e verificar a verdade sobre o tema. Diante da constatação de que era mesmo uma realidade, a escola se mobilizou e propôs várias ações. Entre elas, uma panfletagem nas moradias que ficam no roteiro do caminhão de reciclagem da prefeitura, sugerindo outras opções de descarte daquilo que, normalmente, não é recolhido pela coleta de resíduos sólidos.
Para a professora Rosa, além da seleção e do descarte correto de materiais, essa ação contribuiu para diminuir o assoreamento do rio, uma das preocupações da prefeitura, assim como a poluição e o mau cheiro.
Conforme ressaltou a professora, esse projeto despertou um olhar para a cidadania, “de quem eu sou no mundo em que vivo”, resgatando a importância de cada membro como ser único, capaz de mudar o contexto em que vive. “A Camille era uma menina extremamente tímida e foi uma virada de chave. Ela se descobriu capaz de abordar as pessoas, de conversar com as pessoas. E, até hoje, fala que como foi positiva essa atividade”, destacou Rosa.
Você deve estar se perguntando: mas o que isso tem a ver com censo demográfico? Tudo! Eron Maranho, aposentado do Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social (Ipardes), ainda atua como pesquisador na área de estudos populacionais na Universidade Federal do Paraná (UFPR). Ele contou que o Censo Demográfico é uma pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e tem por objetivo a coleta de dados sobre a dimensão e as principais características da população brasileira.
“Os dados obtidos, constituem em uma importante ferramenta para a definição de políticas públicas no âmbito federal, estadual e municipal, assim como, em uma visão mais ampla, para sustentação técnica de iniciativas de implantação de investimentos e projetos relacionados ao mercado privado”, explicou Maranho.
De acordo com Eron, o censo demográfico é realizado em todos os municípios brasileiros e dividido em dois grandes grupos de questionários. Um refere-se ao “universo” da população, mais simplificado, que propõe a visitação em todos os domicílios brasileiros para que sejam respondidas perguntas básicas sobre quem reside naquele local. O outro grupo é baseado em uma amostra dos domicílios (cerca de 11% do “universo”), em que, além das perguntas básicas, são levantadas informações mais detalhadas sobre os domicílios pesquisados e seus moradores. No início da matéria, falamos em “amostra”, ou seja, a parte de um todo.
E aí? Conseguiu identificar os elementos básicos de um censo demográfico? Pesquisas, entrevistas, abordagem, análise e, por fim, instigar o senso crítico e fazer pensar em soluções para enfrentar os problemas observados pelas pesquisas. Isso também serve de parâmetro para pequenas amostras e colaboram para um panorama geral do país em que moramos, como no caso da comunidade da escola curitibana onde a professora Rosa atua.
O Censo
No Brasil, o Censo Demográfico é realizado a cada dez anos. Entretanto, conforme explicou o demógrafo Eron, em função da Covid 19, que inviabilizou a coleta de dados do Censo 2020, foi necessário transferir para 2021. No entanto, devido ao expressivo corte orçamentário implementado pelo governo do presidente Jair Bolsonaro, mais uma vez, a pesquisa precisou ser remanejada. Neste contexto, o censo demográfico previsto para 2020, foi iniciado somente em agosto de 2022 com inúmeras dificuldades.
Pasmem agora para o tanto de gente nesse “Brasilzão” de meu Deus!”. Conforme apontam os dados do IBGE, em 2022, a população brasileira chegou ao tamanho histórico de 203,1 milhões de pessoas, cerca de 12,3 milhões a mais em relação à população de 2010. Um crescimento de 0,52%. Porém, esse é o menor ritmo de crescimento demográfico desde 1872. Para Maranho, esse fenômeno é resultante de uma tendência nacional e mundial observada nas últimas décadas de queda das taxas de fecundidade e de mortalidade.
“O saldo migratório brasileiro [diferença entre a entrada e saída de pessoas do país], pouco tem interferido na sua dinâmica demográfica. Apesar disso, ao se considerar a distribuição regional da população brasileira entre regiões, estados e municípios, nos anos de 2010 e 2022, os dados divulgados pelo Censo Demográfico retratam indiretamente que, além das especificidades do crescimento vegetativo [fecundidade e mortalidade], a variável migração interna [deslocamento de pessoas entre os seus municípios e regiões] também contribuiu nessa dinâmica demográfica”, explicou o pesquisador.
Para o demógrafo, os aspectos econômicos e sociais, seguramente, são os principais determinantes da distribuição regional da população brasileira. “Os deslocamentos de grande parte das pessoas ocorrem no sentido de elas buscarem maiores
oportunidades de emprego e renda com vistas à melhoria das suas condições de sobrevivência. O detalhamento dos dados a serem divulgados pelo Censo Demográfico de 2022 provavelmente confirmaram isso”, destacou.
Os resultados são significativos e diversificados. Eron explica que consequências dessa dinâmica vivenciada no Brasil, com destaque para as alterações da distribuição regional da população brasileira, que podem impactar fatores como econômicos, sociais, políticos, ambientais, religiosos, psicológicos etc. Tanto para os municípios que reduziram as suas populações quanto para aqueles que aumentaram o seu contingente populacional.
Brasil “mais velho”
Um dado que chama atenção nos resultados divulgados pelo Censo Demográfico de 2022 é o relativo envelhecimento da população brasileira. A idade média aumentou de 29 anos, em 2010, para 35 anos, em 2022. “Desta forma, a perspectiva é de diminuir a proporção de pessoas jovens e de aumento de idosos”, apontou o demógrafo Eron.
Neste período, o número de habitantes no Brasil com 65 anos ou mais aumentou para 22,1 milhões de pessoas, chegando a 10,9% do total da população, com alta de 57,4%, em relação a 2010. Por outro lado, o total de jovens com até 14 anos de idade recuou para 40,1 milhões de pessoas, representando 19,8% da população brasileira, uma queda de 12,6%, em relação a 2010, conforme dados apresentados abaixo pela pesquisa do censo demográfico do IBGE de 2022.
“Este envelhecimento da população brasileira se associa à tendência já observada, ao longo dos últimos anos, de queda das taxas de fecundidade, que aumentou o seu ritmo com o surgimento da Covid-19, em patamar superior à queda das taxas de mortalidade, apesar desta ter crescido além do esperado com o advento da pandemia”, observou o pesquisador do Ipardes.
A partir destas informações, conforme salienta Eron, é possível prever inúmeros efeitos econômicos e sociais, como alterações nas políticas públicas e na dinâmica de atuação do mercado como todo. Em termos de políticas públicas, por exemplo, é possível prever um aumento de serviços para pessoas idosas, como atendimento médico, aposentadoria etc.. Outro aspecto, são as iniciativas relativas à educação, como, por exemplo, uma menor pressão sobre a abertura de creches.
“Cidades Inteligentes” – ações emergentes e necessárias
A docente Terezinha Oliveira, coordenadora da Universidade Aberta à Terceira Idade (Unati), da Universidade Estadual de Maringá (UEM), vem pensando sobre o dado acima. Ela realizou, no ano passado, uma pesquisa chamada Cidades Inteligentes, com financiamento da Fundação Araucária, para compreender quais as demandas e efetividade das políticas públicas voltadas aos idosos.
Terezinha explicou que a finalidade da pesquisa foi fazer um mapeamento sobre cinco eixos do município de Maringá, que envolvem a questão da pessoa idosa: meio ambiente, educação, lazer, saúde e tecnologia. A ideia é analisar os problemas enfrentados nessas esferas, já que não foram encontrados dados no município sobre isso.
A professora conduziu um levantamento bastante completo que, de acordo com ela, irá ajudar muito o município de Maringá. A pesquisa se baseou em chamar a atenção para problemas emergenciais como, por exemplo, descobrir o índice de analfabetismo na cidade, a dificuldade de mobilidade urbana para a pessoa idosa nas regiões centrais, devido à dificuldade nos bairros relatada pelos alunos idosos da Unati e em relação ao transporte coletivo e calçamento.
A pesquisa pode ser acessada neste link, e você também pode conferir os resultados na entrevista abaixo:
A partir dos estudos e análises do Censo, enfim, é possível concluir que a sociedade está, sim, envelhecendo de maneira muito rápida e que é necessária a criação de políticas públicas eficazes para essa população, muitas vezes preventivas. Tudo isso só é e será possível com a ajuda de pesquisas realizadas pelos órgãos competentes, capazes de avaliar de forma técnica e sistemática as demandas apresentadas.
Porém, além do Censo de dimensão nacional, atitudes comunitárias ou pesquisas realizadas pelas Universidades podem contribuir muito no sentido de detectar e propor ações para a melhoria da qualidade de vida dos cidadãos. Por serem mais pontuais nas abordagens, conseguem propor ações de maneira mais rápida e dar conta de determinada situação. Quem se compromete com isso, pode ser mesmo chamado de cidadão comprometido com a realidade ao seu redor, que reconhece seu espaço e valor no mundo, assim como o da vida em comunidade. Pense nisso!
Glossário
Assoreamento – é o acúmulo de terra, lixo e matéria orgânica no fundo de um rio. O fenômeno geralmente acontece quando o curso d’água não possui matas ciliares (vegetação nas margens do rio)
EQUIPE DESTA PÁGINA
Texto: Débora Arcanjo
Supervisão de texto: Ana Paula Machado Velho
Arte: Lucas Higashi
Supervisão de arte: Tiago Franklin Lucena
Edição Digital: Gutembergue Junior
Gostou do nosso conteúdo? Nos siga nas nossas redes sociais: Instagram, Facebook e YouTube.
A pesquisa que mencionamos contribui para os seguintes ODS: