Cada vez que um pesquisador atualiza seu currículo na Plataforma Lattes, mesmo que inconscientemente, está rendendo uma homenagem a César Lattes (1924/2005), um dos mais famosos e brilhantes cientistas brasileiros de todos os tempos, que revolucionou o estudo da Física no país. E nós, aqui do Paraná Faz Ciência, também celebramos a vida e obra de Lattes, ainda mais por um detalhe que nos enche de orgulho e alegria que é o fato de Cesare Mansueto Giulio Lattes ter nascido em Curitiba, no dia 11 de julho de 1924.
Esse que é um dos mais importantes cientistas brasileiros, faria 100 anos em 2024, se ainda estivesse entre nós. Para lembrar dele da maneira como ele merece, o físico ganhou várias homenagens, especialmente no Paraná.
A história da confecção de um baixo-relevo (forma escultórica em superfície plana), por exemplo, para marcar a data começou com uma provocação do professor Ildeu Moreira, presidente de honra da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Moreira pesquisou e encontrou jornais antigos que mostravam que César Lattes esteve em Curitiba, no ano de 1948, quando ele já era um cientista mundialmente consagrado. Uma matéria dizia que Lattes havia posado para João Turin, um importante escultor paranaense.
A partir dessa possibilidade, Ildeu entrou em contato com a Universidade Federal do Paraná (UFPR), dizendo que seria interessante fazer uma homenagem a Lattes. Um grupo da UFPR, liderado pelo professor Rodrigo Reis, um dos articuladores do NAPI Paraná Faz Ciência, entrou em contato com o escritório responsável pelo acervo de obras de Turin. A equipe questionou se havia por lá alguma obra que parecesse com Lattes. E a resposta foi sim.
“O baixo-relevo estava no acervo de originais em gesso e, por isso, não era do conhecimento do público”, afirma Samuel Ferrari Lago, gestor do acervo artístico de João Turin. “Para nós, a justa homenagem ao centenário do renomado cientista, com uma obra assinada por Turin é motivo de alegria. É também a comprovação de que um acervo artístico consolidado há décadas continua vivo e atual”, comemora.
Fundação Araucária
A entrega da obra à sociedade ocorreu no dia 16 de agosto, na sede da Fundação Araucária, agência de fomento à pesquisa científica do Paraná. Contou com integrantes dos projetos do NAPI Paraná Faz Ciência e do Sistema de Ciência e Tecnologia do Paraná. O baixo-relevo ganhou lugar de destaque na sala Vinicius Nagem, espaço de eventos e reuniões da Fundação.
O secretário da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (Seti), Aldo Bona, e o presidente da Fundação Araucária, Ramiro Wahrhaftig, foram os anfitriões da celebração. Além disso, estavam presentes o secretário estadual de Planejamento, Guto Silva; os articuladores do NAPI Paraná Faz Ciência, os professores Rodrigo Reis e Débora Sant’Ana; e ex-colegas, ex-alunos e familiares de Lattes.
O professor Rodrigo Reis disse, durante a entrega, que a possibilidade de homenagear o cientista curitibano Cesar Lattes nas comemorações do seu centenário, é um movimento de valorização da ciência e dos cientistas brasileiros.
“O NAPI Paraná Faz Ciência tem o papel de divulgar a ciência paranaense e faz isso, também, a partir do reconhecimento de seus cientistas. O Lattes talvez seja o mais importante da história do Brasil. Seu reconhecimento mundial é notável e seu papel como ator, inclusive político, no cenário da ciência brasileira é uma inspiração para cientistas atuais e futuros. Tudo isso se torna ainda mais relevante pelo fato de a homenagem vir a partir de uma obra do João Turin, artista do movimento paranista. A equipe do NAPI Paraná Faz Ciência se sente honrada de possibilitar, junto à Fundação Araucária, essa homenagem”, declarou Reis.
Guto Silva registrou “a necessidade de registrar os fatos que são marcantes para o Paraná, e César Lattes precisa estar entre estes registros, para que meu filho saiba quem ele foi, no futuro”. Nesta mesma perspectiva, o professor Aldo Bona, destacou que é preciso deixar marcada a trajetória da ciência produzida pelo pesquisador nascido no nosso Estado. “Essa é uma maneira de escrever a história do Paraná”, afirmou ele.
Duas das filhas de César Lattes, Maria Teresa e Maria Lúcia, foram as convidadas especiais do lançamento do baixo-relevo. Maria Lúcia contou que o pai era “extremamente irreverente, generoso, curioso e amoroso com a família”. Já Maria Tereza lembrou que César Lattes “instigava muito a curiosidade das quatro filhas”. Maria Cristina e Maria Carolina completam a prole de Lattes, construída com a matemática pernambucana Martha Siqueira Neto, com quem ficou casado por 57 anos.
A professora Iramaia Jorge Cabral de Paulo, da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, teve a oportunidade de ser aluna do físico por uma semana. Ela contou que César Lattes era um professor que fomentava a aprendizagem significativa no aluno.
A homenagem a Lattes emocionou os presentes, especialmente quando o baixo-relevo foi apresentado. “Momento que vai ficar para a história da ciência do Paraná. Por meio desta homenagem, as novas gerações poderão cultuar a ciência”, concluiu o professor Ramiro Wahrhaftig.
A programação em homenagem ao centenário do físico paranaense continuou, à tarde. Representantes do Sistema Estadual de Ciência e Tecnologia, amigos, ex-alunos e familiares do cientista foram ao Parque das Ciências, que criou o “Espaço Cesar Lattes”.
As filhas Maria Tereza e Maria Lúcia Lattes também marcaram presença, além do professor Julio Cesar Hadler Neto, um dos alunos orientados pelo físico, e da professora Iramaia Jorge Cabral de Paulo. Ambos estão escrevendo um livro sobre o legado do professor Lattes.
O espaço Lattes fica no Pavilhão Energia do Parque da Ciência. A sala é composta por diversos experimentos interativos abrangendo a Física e áreas correlatas. “A ideia é abordar diversos temas destas áreas de maneira lúdica e interativa, além de incentivar os jovens a seguirem carreiras científicas”, explicou o diretor do Parque, Anisio Lasievicz, também integrante do NAPI Paraná Faz Ciência.
César Lattes: um físico para chamar de nosso
Tivesse vivido em nossa época, Lattes não teria deixado o Paraná para buscar seu primeiro diploma, aos 19 anos, no Departamento de Física da Faculdade de Filosofia e Ciências e Letras, da Universidade de São Paulo (USP). O brilhantismo e dinamismo do jovem apaixonado pela física e matemática encantaram professores e pesquisadores da época, que o encaminharam para Londres, sem mestrado ou doutorado, para a carreira promissora e inovadora que, hoje, conhecemos e reverenciamos.
Foi a partir da graduação que se revelou a resiliência, a determinação e o espírito inquieto e curioso que todo cientista carece para inscrever seu nome na história da Ciência. Aos 23 anos, já morava e trabalhava em Londres integrando a equipe do Laboratório H. H. Wills, na Universidade de Bristol, que era comandado pelo físico Cecil Powell (1903/1969). No final dos anos 40, César idealizou, em La Paz, na Bolívia, um laboratório de Física Cósmica, onde estudou os raios cósmicos. Em pouco tempo, o espaço se transformou em centro científico internacional, abrigando pesquisadores de quase todos os continentes.
Ali, em Chacaltaya, o paranaense testou a hipótese de suas pesquisas e identificou a partícula responsável pelo comportamento das forças nucleares, batizada méson pi (ou píon). Mesmo sendo autor do primeiro artigo sobre a descoberta, na Nature, o Prêmio Nobel de Física de 1950 foi concedido a Powell, líder do estudo, segundo regras da época da Academia Sueca de Ciências, Fisiologia e Medicina. Em 1946 e 1948, pesquisas em que Lattes participou também já tinham batido na trave no Nobel. Ao todo, foram sete indicações.
Mesmo sem o prêmio, a comunidade científica internacional reconheceu o feito de Lattes, que não desanimou. Dando prosseguimento aos estudos, ele calculou a massa do méson pi e foi trabalhar em Berkeley, na Califórnia. Nos Estados Unidos, ao lado do seu colega norte-americano Eugene Gardner (1913/1950), identificou as trajetórias dos píons produzidos no acelerador de partículas da Universidade da Califórnia.
Em 1949, rejeitou um convite para ser professor de Física, em Harvard, nos Estados Unidos, e fixou residência no Brasil, alternando entre Campinas e a cidade do Rio de Janeiro. Liderou um renomado grupo de cientistas com o objetivo de ajudar a recuperar o atraso do país na área da Física, já que não havia grandes institutos de ensino, pesquisa e fomento.
No mesmo ano, Lattes escreveu em uma carta a seu colega José Leite Lopes (1918-2006). “Prefiro ajudar a construir a ciência no Brasil do que ganhar um Nobel”. Nessa época, além de fundar o Centro Brasileiro Pesquisas (CNPq) e o Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), começava a carreira do professor e pesquisador em solo brasileiro.
Há quem diga que, antes de optar pela carreira de físico, Lattes pensava em ser veterinário. Ele tinha paixão por cachorros, desde criança. Essas companhias especiais estiveram com ele ao longo de toda sua vida, inclusive em seus espaços de trabalho. Um destes animais ficou famoso, o “Gaúcho”, um cão da raça perdigueiro, que assistiu defesas de teses e dissertações.
Foi por estas características e pela importância do trabalho do físico que o CNPq batizou, em 1999, de Plataforma Lattes a ferramenta virtual que transformou completamente as atividades de fomento, gestão, planejamento e avaliação do fazer científico brasileiro. Atualmente, o site reúne cerca de sete milhões de currículos e informações de, aproximadamente, 40 mil grupos de pesquisa.
Mesmo sem Nobel, com certeza, Lattes fez muito pela ciência no Brasil, servindo de inspiração para tantos pesquisadores, agora e para sempre. De tudo, fica apenas a fina ironia do destino: César Lattes morreu, em 2005, sem ter montado o próprio ‘Lattes’.
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Texto: Ana Paula Machado Velho e Silvia Calciolari
Diagramação: Maysa Ribeiro Macedo
Arte: Lucas Higashi
Supervisão de arte: Tiago Franklin Lucena
Edição Digital: Gutembergue Junior
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