Rodrigo Frigo, 37, começou a fazer fermentados de uva na primeira metade do ano 2000, quando entrou no curso de Engenharia Química, na Universidade Estadual de Maringá (UEM). O hobby foi ficando sério à medida que as experimentações evoluíam e foi, a partir desse momento, que o estudante passou a experimentar outro tipo de fermentado, a cerveja.
Na época, as informações eram pouquíssimas. Produção nacional de cerveja artesanal então, quase nula. Quando muito, encontrava-se uma cerveja de trigo aqui, outra ali. No mais, eram as cervejas pilsen tradicionais industriais que sempre estiveram no mercado. A saída foi experimentar cervejas de outros países.
“Quando eu encontrei os insumos corretos para a fabricação de cerveja e descobri o mercado da cerveja artesanal e os potenciais de aromas e sabores que a cerveja poderia oferecer, comecei a tomar gosto. Isso em 2008, saindo da universidade”, relata Frigo, um cervejeiro caseiro, na época.
Em 2012, a coisa ficou séria. Ele e alguns amigos montaram a Cervejaria Araucária, em Maringá. Desenvolveram os rótulos e a marca, e a vontade de continuar experimentando impulsionou Frigo e os sócios a acreditarem que poderiam realmente levar novas experiências gastronômicas para as pessoas através da cerveja. “Foi quando eu me apaixonei de verdade pela produção das cervejas, pela oportunidade de novos sabores e novos aromas”, afirma o cervejeiro, agora profissional.
Atualmente, mesmo após um ano e sete meses de pandemia, a Cervejaria Araucária continua crescendo e experimentando. E a história de Frigo não é um caso isolado. Segundo o Anuário da Cerveja 2020, divulgado no dia 30 de abril deste ano, pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), existiam 94 cervejarias em território nacional registradas no Mapa em 2008. No ano passado, o Brasil alcançou a marca de 1383 cervejarias, como mostra o gráfico abaixo, retirado do próprio Anuário.
De acordo com o documento, ainda não é possível avaliar com exatidão os efeitos da pandemia a partir dos dados de registros de estabelecimento, porque o registro autoriza o funcionamento do estabelecimento produtor de bebidas durante 10 anos. Portanto, caso a cervejaria encerre suas atividades e não comunique ao MAPA, imediatamente, pode ocorrer que este fechamento somente seja percebido pela fiscalização na próxima atuação no local. De qualquer forma, a atividade cervejeira no Brasil avançou dentro da perspectiva de projeção menos otimista que foi lançada no anuário de 2019.
No último levantamento, verificou-se que o crescimento no número de estabelecimentos apresentava uma taxa de crescimento média de 19,6% nos últimos vinte anos, 26,6%, se analisado o período dos últimos dez anos e 36,4% no período de cinco anos.
E agora, pela primeira vez, o Brasil apresenta cervejarias registradas em todos os estados, depois da primeira cervejaria instalada no Acre.
Com mais de 10 anos como produtor, sendo nove de forma profissional, Frigo acredita que há, ainda, muito espaço para crescer no mercado cervejeiro maringaense: “Por mais que a gente pense que Maringá tem mais de 10 cervejarias, nós ainda disputamos uma fatia muito pequena do mercado, enquanto três ou quatro empresas correspondem a mais de 70% desse mercado”, avalia.
Frigo ainda destaca que, para que o mercado cervejeiro do país continue a crescer, é preciso se preocupar bastante com a qualidade e com a oferta de um produto não volátil; isto é, padronizado. A oferta de um produto constante e com identidade é o que será responsável pela retenção do consumidor.
CONSEQ
Pensando nessa profissionalização da produção da cerveja artesanal, nos processos de gestão da qualidade, gestão dos parâmetros e no apoio aos cervejeiros, a Conseq, Consultoria e Soluções em Engenharia Química Júnior, estruturou, no ano passado, um setor de análise de cervejas.
A Conseq é uma Empresa Júnior formada por alunos do curso de Engenharia Química da UEM, que presta serviços e desenvolve projetos de engenharia química e áreas correlatas, a partir do desenvolvimento de novos produtos, neutralização de emissão de gás carbônico, tratamento de efluentes, análises em cervejas e outras soluções. A empresa já executou centenas de consultorias, contando com apoio dos professores da universidade, que orientam e fornecem suporte técnico, garantindo qualidade nos serviços prestados.
Gabriel Aquino foi um dos alunos responsáveis por essa estruturação do setor de análise de cervejas da Conseq. A escolha pelo serviço de análise surgiu por causa da facilidade de acesso aos laboratórios da faculdade e da região. No vídeo abaixo, Gabriel explica um pouco dos serviços prestados na empresa.
Essa estruturação contou com o apoio do cervejeiro Rodrigo Frigo, que aconselhou, principalmente, sobre as necessidades mais urgentes do mercado. A escolha desse mentor não foi aleatória. Frigo foi um dos envolvidos na reinauguração da Conseq, em 2007, depois de alguns anos fechada. Naquela oportunidade, ele ocupou o cargo de presidente e fez o primeiro processo de seleção entre os alunos do curso.
“A gente conseguiu mais de 100 currículos, conseguimos um engajamento muito bom e formamos uma equipe bem interessante, com algumas diretrizes vinculadas ao movimento das empresas juniores. Foi um ano bem produtivo para a empresa júnior, porque ela ganhou um pouco mais de profissionalismo, com uma pequena experiência que eu tinha de organizações anteriores”, explica Frigo.
A Conseq também tem papel importante na orientação de documentações, como da Anvisa ou qualquer outra parte burocrática de empresas. No mês de outubro, quando a reportagem obteve contato, eles estavam trabalhando com 27 projetos e aproximadamente 20 clientes, que chegam das regiões Sul, Sudeste, Centro-Oeste e Nordeste.
CULTURA E AGRICULTURA FAMILIAR
Que a cerveja é a grande paixão do brasileiro, ao lado de futebol e carnaval, todos já sabem. Mas quando se fala de cerveja artesanal, a paixão atinge outro nível. Cerveja artesanal, como já sugere o próprio nome, é arte e exclusividade. A cerveja artesanal tem a sua própria cultura.
“É muito mais que uma bebida, a cerveja é um alimento. Antigamente, em todos os continentes você tinha fermentados, faz parte da nossa história mesmo. A cultura da cerveja é tão vasta e tão antiga quanto a própria humanidade”. É assim que Frigo expressa sua paixão por essa cultura.
Ao contrário da cerveja industrial, que é composta por 60% de malte e cevada, aproximadamente, e 40% de cereais, como milho e arroz, a cerveja artesanal prioriza dois ingredientes essenciais: lúpulo e cevada.
O lúpulo é responsável pelo aroma e amargor da bebida. A cevada, matéria-prima do malte, é a principal fonte de açúcares fermentáveis, que confere corpo, cor, aromas e sabores para a bebida. Para que possa ser utilizado, o cereal passa por processamento para produção do malte cervejeiro, que acontece em três etapas distintas: maceração, germinação e secagem.
Quanto mais cresce a produção cervejeira no país, maior é a demanda de lúpulo e cevada. Dados extraídos da plataforma Comex Stat, do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC), apontam que, em 2020, o Brasil importou 3.243 mil toneladas de lúpulo, o equivalente a US$ 57 milhões. Esses números correspondem a praticamente 100% do que é utilizado na produção das cervejarias. Em relação à cevada, em 2019, o Brasil apareceu em 11º lugar entre os maiores importadores de cevada do mundo. Importou 671 mil toneladas do grão.
Com a cultura cervejeira tomando cada vez mais espaço, a produção de lúpulo e cevada no país também está em expansão. Em outubro do ano passado, o Mapa, por meio da Secretaria de Agricultura Familiar, iniciou um projeto de cooperação técnica, junto ao Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura (IICA), para identificar oportunidades, articular parcerias e elaborar um plano de viabilidade técnica e econômica para produção de lúpulo no país.
Considerada uma cultura de alto valor agregado, o produtor passa a ter um bom retorno financeiro em áreas de plantação de 0,5 ou 1 hectare, comparado a outras culturas, no mesmo espaço. Isso faz da produção do lúpulo uma ótima oportunidade para a agricultura familiar.
No caso da cevada, o Brasil produziu, no último ano, cerca de 32% da demanda nacional, importando, portanto, 68%. Números extraídos da Embrapa Trigo mostram que, em 2019, a produção do grão chegou a 429,4 mil toneladas, atingindo o recorde brasileiro. Em 2020, em função de problemas climáticos no Rio Grande do Sul (déficit hídrico e geada tardia) e redução da área plantada devido às incertezas trazidas pela pandemia da Covid-19, a produção caiu para 374,4 mil toneladas. Mas estima-se uma recuperação em 2021, com produção esperada de 424,1 mil toneladas.
Dessa forma, a cultura cervejeira baseada na produção artesanal tem feito com que a importância da cerveja ande em fluxo contrário ao desenvolvimento da indústria de alimentos, fazendo com que a tradição, os trabalhos manuais, a cultura e a identidade de um povo sejam novamente valorizados.
A cerveja, que sempre esteve relacionada ao prazer, às reuniões familiares, festas, banquetes e comemorações, passa a ser, também, fonte de inúmeras representações sociais, econômicas e culturais. O consumo social no Brasil tem mudado, sem deixar o samba, o churrasco, a feijoada e todas as festas de lado. A economia tem criado alternativas de produção de grãos, que fogem da monocultura de exportação, e geram lucros a famílias agricultoras, fomentando também a agroecologia.
A cerveja marca, mais do que nunca, a identidade do povo e da cultura brasileira.
O conteúdo desta página foi produzido por
Texto: Rafael Donadio
Degravação da entrevista: Karoline Yasmin, Rafael Donadio e Valéria Quaglio da Silva
Edição de áudio: Valéria Quaglio da Silva
Roteiro de vídeo: Valéria Quaglio da Silva
Edição de vídeo: Karoline Yasmin
Supervisão: Ana Paula Machado Velho
Arte: Murilo Mokwa
Supervisão de Arte: Thiago Franklin Lucena
Edição Digital: Gutembergue Junior