Ciência e Fotografia: a convergência entre arte e conhecimento

Com sua capacidade única de capturar a essência do mundo, a fotografia tem desempenhado um papel fundamental para o desenvolvimento científico

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Você já olhou para trás e refletiu sobre o quanto avançamos cientificamente até aqui? Alguns de nossos feitos, em outros tempos, seriam considerados por nossos antepassados até mesmo como algo impossível. Quem poderia imaginar, com tanta precisão, que hoje seríamos capazes de editar e aperfeiçoar genes, modificar paisagens, explorar a imensidão do espaço e ainda desenvolver máquinas e inteligências artificiais para nos auxiliarem ou substituírem trabalhos? 

Bem, grande parte de avanços como esses só foram possíveis graças ao registro e o acúmulo de conhecimento científico, que pôde ser repassado às novas gerações por vários séculos, por meio da pintura, dos livros e de outras formas de documentação. Uma dessas técnicas, que cumpriu – e ainda cumpre – papel fundamental para o avanço científico, é a fotografia. 

O especialista em fotografia Paulo César Boni, que atua em diversas linhas de pesquisas na área, pela Universidade Estadual de Londrina (UEL), conta que, embora no passado, durante a Revolução Industrial, ainda que a fotografia tenha sido criada e utilizada com o intuito burguês de multiplicar as obras artísticas para serem comercializadas em massa, essa forma de registro, também fruto da ciência, potencializou estudos em diversas áreas, como Astronomia, História e Biologia. 

Paulo César Boni no Museu Histórico de Londrina, onde atualmente é voluntário em um projeto de documentação audiovisual (Foto/Leonardo de Jesus Dias)

De acordo com ele, “a fotografia é o ponto de partida de alguns estudos”. Isso porque determinadas informações só podem ser obtidas e/ou verificadas quase que exclusivamente a partir desse tipo de registro. 

“Se você pegar fotografias do Brasil, de São Paulo, do Rio de Janeiro e de Londrina, de determinada época, você vai perceber que 99% das pessoas que aparecem nas fotografias são magras. E se você pegar as fotografias de hoje, você vai perceber que 50%, ou um pouquinho mais, são levemente acima do peso ou obesas. Então, você pode até se perguntar, porque que as pessoas há 100 anos eram todas magras e hoje 50% são acima do peso? E isso daí dá estudos na área da medicina, na área do comportamento, da alimentação. A fotografia é instigante. Ela é um determinante. É uma coisa que te provoca. E aí você pode fazer estudos de diversas áreas”, detalha o professor aposentado da UEL. 

Isso ocorre porque a fotografia possui uma linguagem universal, ou seja, livre de códigos, diferente da comunicação que tradicionalmente usamos para nos expressar por meio da fala. Isso abre caminho para a subjetividade e permite que várias interpretações sejam feitas a partir da observação de uma única imagem, o que, por sua vez, estimula novos estudos a serem colocados em prática.

O especialista em fotografia ainda destaca que a imagem fotográfica, ainda que não possa ser considerada efetivamente como a melhor forma de se conservar algo, é um meio muito eficiente de contar ou transmitir conhecimentos. Isso porque, de acordo com ele, a imagem é uma das formas mais agradáveis de se comunicar. “Por mais que eu escreva um livro, que eu te conte uma história, você vai ter muito mais informações, muito mais precisão de detalhes, se você vir as fotografias”.

No entanto, o registro fotográfico não só serviu para potencializar estudos técnico-científicos, mas também para moldar, numa perspectiva social, nossa forma de compreender e viver o mundo. Momentos catastróficos e angustiantes, como o período nazista e as duas grandes guerras mundiais, foram eternizados, em grande parte, através da documentação fotográfica desses momentos. No futuro, serviram fundamentalmente de fonte para estudos histórico-sociais que nos permitiram conhecer, mas também repudiar e condenar legalmente momentos tão destrutivos como esses para a humanidade.

Núcleo de Pesquisa e Documentação Histórica da UEL

Na prática, para entendermos como a fotografia tem auxiliado estudos científicos, entramos em contato com o Núcleo de Pesquisa e Documentação Histórica (NDPH), da UEL. O órgão é aberto à comunidade interna e externa e fornece cópias de registros históricos, de diversos formatos, a pesquisadores e outros interessados pelos arquivos. 

O local conta com uma série de documentos, obtidos por meio da doação de pessoas físicas e jurídicas, e abrange diversos períodos da história de Londrina e do Norte do Paraná. Segundo dados aproximados do NDPH, cinco mil fotos compõem o acervo. 

A técnica em assuntos universitários do NDPH, Laureci Silvana Cardoso, conta que cerca de 500 pessoas passam pelo local durante o ano letivo para pesquisar o material, incluindo os registros do acervo fotográfico, para desenvolverem seus estudos. 

É o caso da mestranda do Programa de Pós-Graduação em História Social, da UEL, Giovanna Barboza da Cruz, que está utilizando as fotografias do processo de desfavelamento da Vila Fraternidade, na Região Leste de Londrina, como fonte de pesquisa, para a sua dissertação do mestrado. 

De acordo com Giovanna, embora seu estudo também utilize de outras fontes, os arquivos fotográficos têm sido fundamentais para o desenvolvimento da sua dissertação. 

“As fotografias serão parte central da minha pesquisa, porque serão elas que servirão de fonte para analisar o período e o contexto da cidade. Eu vou comparar as imagens da Vila Fraternidade com as representações do passado londrinense, como uma cidade de promissão, e também compará-las com o discurso jornalístico, buscando compreender a análise de imagem”, explica.

Ainda em desenvolvimento, o trabalho da mestranda, orientado pela professora Cláudia Eliane Parreiras Marques Martinez, parte da hipótese que o discurso hegemônico da época, a qual retratava a cidade de Londrina como um local perfeito, progressivo e com qualidade de vida, não condiz com a realidade social e a vida material da população de modo geral, e traz uma série de contradições sociais, políticas e econômicas que a pesquisa pretende compreender.

Nesse sentido, as imagens, que hoje pertencem ao NDPH da UEL e ao Museu Histórico de Londrina, datam o período das décadas de 1960 e 1970, e fornecem informações importantes sobre as relações sociais, as condições de vida, a infraestrutura e outros aspectos, que auxiliam Giovanna a entender a realidade do local, por meio da observação descritiva e analítica dos registros fotográficos.

Laboratório de Ecologia e Comportamento Animal

Já no departamento de Biologia do Centro de Ciências Biológicas (CCB), também da UEL, são incontáveis os usos da fotografia nos estudos da área. É o que afirma o coordenador do curso de Biologia, Weliton José da Silva. 

No Laboratório de Ecologia e Comportamento Animal, da Universidade Estadual de Londrina (LECA-UEL), por exemplo, o uso de equipamentos fotográficos é indispensável para o desenvolvimento de diversas pesquisas. Segundo a professora Ana Paula Vidotto Magnoni, que coordena o laboratório, “a fotografia serve para a identificação dos indivíduos, registros de comportamentos e para dar mais especificidades de identificação aos trabalhos”. 

Atuando desde 2016, o LECA iniciou as atividades a partir dos macacos-prego do próprio campus da universidade, que possui uma população enorme deles. Com o tempo, os estudos não se limitaram somente ao ambiente universitário e se expandiram à Unidade de Conservação Municipal Parque Arthur Thomas e ao Jardim Botânico de Londrina, que também possuem macacos-prego. 

Desde lá, trabalharam com mamíferos de pequeno, médio e grande porte. Nos dias de hoje, o grupo tem como foco principal a ecologia e o comportamento somente de mamíferos de médio e grande porte, mas ampliou o seu leque a outros animais, como os quatis. Atualmente, dez câmeras estão distribuídas e instaladas nesses espaços a fim de monitorar e registrar o comportamento desses animais.

Segundo a coordenadora, atualmente, o LECA possui um projeto principal: “Mamíferos em áreas urbanas e fragmentos florestais no norte do Paraná, Brasil”. Ela explica que é a partir dele que outros, ligados à pós-graduação, iniciação científica, extensão e outras formas de pesquisa, se ramificam e se desenvolvem. 

Para a realização desse grande trabalho, os pesquisadores utilizam de armadilhas fotográficas e câmeras com lentes de longo alcance. Isso porque, de acordo com Guilherme Akira Awane, bolsista de iniciação científica do laboratório, que também produz fotografias para a instituição, se aproximar desses animais para fazer uma boa captura, sem o equipamento fotográfico adequado, é uma tarefa difícil. “A maioria dos mamíferos, quando você percebeu o animal, ele já te percebeu muito antes. Logo, a tendência dele é escapar. Então você precisa desses equipamentos para poder observar o animal”, descreve Awane. 

A coordenadora do LECA-UEL Ana Paula Vidotto Magnoni, ao lado de Guilherme Akira Awane, estudante do quarto ano do curso de Ciências Biológicas, que integra o laboratório desde 2019.

Além do seu uso voltado ao monitoramento, esses equipamentos também permitem que os cientistas criem, por meio da documentação dessas capturas, um banco de dados com informações que possibilitam identificar e distinguir animais de uma mesma espécie. Isso se dá porque, com o envelhecimento desses animais, a perda natural de seus traços é eminente. Logo, esse tipo de registro serve para localizar indivíduos que, num momento possuíam determinada fisionomia e estatura, e num outro, adquiriram outras características. 

“Eles vão crescendo e vão mudando as suas fisionomias, porque é natural. O juvenil, por exemplo, tem uma proporção facial diferente de um subadulto e de um adulto. Então, todas essas mudanças estão registradas ao longo do tempo nesse catálogo. E aí a gente consegue entender: esse aqui é o indivíduo tal, agora ele mudou, cresceu um pouco tais características, e aí a gente já sabe quem é esse indivíduo”, explica a coordenadora. 

Todo esse material fotográfico produzido por Awane, entretanto, não é direcionado somente à pesquisa, mas também para a educação. Nas redes sociais, por meio de um projeto de extensão, o laboratório mantém uma página chamada “Que bicho mora aqui?”, que busca divulgar informações e curiosidades científicas sobre os mamíferos que vivem nos fragmentos urbanos de Londrina, com o objetivo de promover “um melhor convívio entre nós e os animais silvestres do município”. No futuro, a ideia é que o projeto também tome vida fora das telas digitais e leve esse conhecimento às escolas de Londrina. 

Bem, você pôde perceber que sem esse recurso tão importante, talvez não conheceríamos muito do que conhecemos hoje. E, talvez, futuras maravilhas que virão. Essa é apenas a ponta de um grande iceberg que abriga incontáveis pesquisas e estudos científicos que são desenvolvidos a todo instante mundo afora, graças à fotografia. Quem poderia imaginar que ela tem uma relação tão intrínseca e amigável com a ciência, hein? Nos siga nas nossas redes sociais: Instagram, Facebook e YouTube.

EQUIPE DESTA PÁGINA
Texto: Leonardo de Jesus Dias
Revisão: Rodolfo Rorato Londero
Supervisão de texto: Ana Paula Machado Velho
Arte: Juliana Sandaniel
Supervisão de arte: Tiago Franklin Lucena
Edição Digital: Gutembergue Junior

A pesquisa que mencionamos contribui para os seguintes objetivos ODS:

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