Ciência fora da casinha

Quem pensa que ciência está só na universidade e nos laboratórios precisa rever conceitos
Quem pensa que ciência está só na universidade e nos laboratórios precisa rever conceitos

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Jogada no sofá e sem nada para fazer, de férias, a não ser mexer no Instagram, estava entediada, até com saudades da sala de aula, porque, enfim, aprender é importante e legal. Mas, naquele momento, nada me interessava e o tédio era a única coisa que dominava meu interior. Então, veio o pensamento: o que fazer para me entreter e, ao mesmo tempo, gerar conhecimento?

Naquele instante, o destino riu da minha situação e decidiu ajudar aquela pobre pessoa enfadada. Uma propaganda do “Pint of Science” surgiu na tela do meu celular. Então, fui saber do que se tratava e acabei descobrindo que era uma ação de pesquisadores divulgando a ciência de uma forma descontraída, em bares de diversas cidades do país e do mundo. Uma delas era em Maringá. Doce destino. 

Fui até lá. Sentada em uma cadeira, em uma das mesas e com um copo de caipirinha, fiz outra pergunta enquanto esperava: ok, estou aqui, mas o que exatamente está acontecendo? Divulgação científica, alguém respondeu! Algumas investidas no Google depois, surgem definições para o termo, baseadas em alguns autores. “A Divulgação Científica [DC] tem função de democratizar as pesquisas”, disse Wilson Bueno, professor e jornalista. “É a transmissão de conhecimentos científicos de pesquisadores para o público leigo de forma traduzida e compreensiva, para que possa conhecer o mundo onde habita”, sintetizou ainda mais Bueno. “É o compartilhamento das informações científicas, com o objetivo de desenvolver a mente humana e gerar organização para pensamentos mais analíticos e críticos”, alertou o professor Carlos Araújo.

Pensei e percebi que um bom exemplo de DC é esta plataforma que você está lendo… sim, o Conexão Ciência – C², além do “Pint of Science”, claro. Rapidamente, conversei com a coordenadora do projeto, propus a pauta e pronto, ganhei esse espaço para lembrar que é preciso falar de ciência fora dos espaços em que ela é óbvia, ou seja: falar de ciência fora da casinha. E estamos fazendo isso na semana em que se comemora o Dia Nacional da Ciência e do Pesquisador Científico e, claro, da Pesquisadora Científica, 8 de julho.

O C² é um projeto de extensão da Fundação Araucária, a agência de fomento da ciência, tecnologia e inovação do estado do Paraná. As ações são coordenadas pela Universidade Estadual de Maringá (UEM) com o propósito de falar de ciência com uma linguagem ‘atraente’ para o público em geral, especialmente, os jovens. O site que você lê está repleto de reportagens científicas com texto acessível escrito por jornalistas, professores e estagiários de comunicação, como eu, das universidades do Paraná. Aliás, o C² completa 2 anos no dia 8 de julho, junto com o Dia Nacional da Ciência. 

Em 57 semanas de produção, foram realizados 160 textos de divulgação científica, 78 vídeos, 5 lives, 187 episódios de podcast, 58 infográficos, 109 artes para abertura e contextualização de reportagens, e publicada uma média de 500 fotos. 

E temos um público grande. Desde que entrou no ar até o dia de 28 de junho de 2023, o site registrou um total de 67 mil visualizações de páginas, por cerca de 17 mil usuários. A média mensal de acessos é de 7.723, um crescimento de 146% comparado ao período anterior. Ao todo são registrados 135 mil eventos, isto é, a contagem de engajamento com cada clique, execução de vídeo, galeria ou conteúdo multimídia disponibilizado na plataforma, confirmando a adesão do público à proposta de interação do site. O Instagram do C² registrou, neste período, aproximadamente 160 publicações e ganhou a adesão 763 seguidores. Isso quer dizer que ciência dá Ibope e estamos cumprindo nossa parte na comunicação do conhecimento científico.

Comunicação x divulgação

Falando em comunicação, o professor Bueno, que citamos lá em cima, nos lembra que esta área ajuda muito quando a questão é a Divulgação Científica, mas não se pode confundir essa prática com Comunicação Científica.  Esta última tem como objetivo mostrar os avanços na ciência vindos de pesquisas e experiências nas diferentes áreas de estudos. Já a Divulgação tem como função a democratização da informação da ciência para a massa, provocando o processo que ele define como uma espécie de ‘alfabetização científica’.

Voltando à minha mesa no “Pint of Science” percebi que, mais do que os textos do C², que modéstia à parte são sensacionais, eventos dos mais diversos podem ser grandes divulgadores de ciência. Botei a cachola pra funcionar e lembrei de vários exemplos… a Expoingá e outras exposições agropecuárias realizadas em cidades do Brasil e do Paraná, como Londrina, Toledo e Jacarezinho, claro, e o próprio Pint trazem uma boa “dose de ciência” fora a universidade.

Brinde à Ciência

O Pint of Science surgiu por meio de um experimento que levou pesquisadores para os pubs e restaurantes para um encontro com o público. O propósito era disseminar conhecimento científico para a população, com um diálogo informal e aberto. O primeiro encontro oficial foi em Londres, em 2013, e se espalhou pelo mundo. No Brasil, a primeira edição foi em 2015, em São Carlos (SP), organizada pelos pesquisadores do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação da Universidade de São Paulo (ICMC-USP). Desde então, os festivais continuam todos os anos graças a dezenas de voluntários. Em 2023 foi realizado em 26 países com o tema “Um brinde à ciência!”.

Na edição de Maringá descobri, em primeiro lugar, que, a cada dia que passa, mais a ficção se torna realidade. Um tema que pensei que só ia ver em série de TV, mais especificamente na ‘Big Bang: a teoria’, caiu na minha frente durante o evento que discutiu ciência nos bares da cidade. 

Durante o episódio 14, da décima temporada, um dos personagens, Sheldon Cooper, que possui dificuldade de analisar as emoções das pessoas, acaba obtendo uma máquina que analisava os seres humanos e mostrava sua emoção, ajudando em determinadas situações. Pensa que é ficção? Não é nada. Uma palestra do Pint em Maringá mostrou que, graças à inteligência artificial (IA), um protótipo, chamado de Reconhecimento de Emoções, está em fase de teste.

O assunto foi tema dos palestrantes Bianca Moggio, Wuigor Bine e Tiago Madrigal, do Manna Team, financiado pela Fundação Araucária. A ideia foi desenvolvida para auxiliar professores no decorrer da aula. Com a tecnologia os professores poderão saber como está indo a evolução da turma, se os alunos estão prestando atenção, cansados, mal concentrados, felizes, tristes etc.

No segundo e último dia de palestra em Maringá, a neurologista Jaqueline Potratz e a farmacêutica e cientista Rubia Weffort falaram sobre canabidiol, a substância vinda da Cannabis sativa, conhecida popularmente como maconha. O assunto causa muita controvérsia por conta do seu uso recreativo, mas ambas destacaram a importância no uso para tratamento de doenças que não foram solucionadas com outros métodos.

O pró-reitor de Extensão e Cultura da Universidade Estadual de Maringá (UEM), Rafael da Silva, um dos espectadores da noite, disse que foi ao evento a convite de umas das coordenadoras do festival. Para ele, atividades como essa proporcionam “um debate muito horizontal, muito franco, direto e de coração aberto. As pesquisadoras, em um esforço muito grande, pegam a complexidade que é uma pesquisa científica e adotam um linguajar mais simples para um público mais amplo e não especialista, mais leigo no assunto”, comemora o professor. 

Saindo de Maringá, o Pint of Science de Londrina foi planejado pela iniciativa do Ciência Pé Vermelho, que contou com apoio de duas universidades públicas do município, a Universidade Estadual de Londrina (UEL) e a Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR). O evento aconteceu em três bares, trazendo 20 palestrantes e nove temas durante os três dias do festival, todos tendo diferentes perspectivas de visão e opinião com base nos pesquisadores e seus estudos.

Um dos temas em pauta foi sobre “O futuro do trabalho: desafiando os mitos e limites do conhecimento diante das novas tecnologias”. O debate contou com docentes da UEL como o doutor em História André Azevedo da Fonseca e o também doutor em Psicologia da Saúde, Maiango Dias. Fonseca comentou sobre os medos que a tecnologia traz e Dias apontou os pontos negativos e a substituição dos seres humanos no mercado de trabalho, causando um aumento no desemprego.

A cidade de Toledo teve sua primeira noite de Pint também tratando de IA. O tema foi “Sou inteligente ou artificial? Cérebro eletrônico faz tudo? Faz quase tudo…”, realizada pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste). O evento foi apresentado no Central Food Park pelos palestrantes Emerson Wagner,  diretor executivo da TOTVS; Ana Carolina Becker Nisiide, professora do curso de Serviço Social da Unioeste; e Ricardo Schaefer, professor do curso de Engenharia Mecânica da Unioeste.

A temática discutiu três diferentes perspectivas, uma de cada apresentador. Wagner, demonstrou os avanços da IA no dia a dia e comparou o medo que muitas pessoas têm das máquinas roubarem seus empregos como ocorreu na Revolução Industrial, no século XIX. Porém, ele nos conta que hoje sabemos não ter sido exatamente o que aconteceu, já que algumas funções foram extintas, mas outras foram criadas. Já Nisiide optou por trazer à tona o fato da inteligência artificial facilitar o acesso à informação, mas em vez de isso gerar um aumento no QI (coeficiente de inteligência) houve o oposto, uma queda causada pela falta de curiosidade da pesquisa. Por fim, Schaefer, destacou os benefícios da tecnologia na agricultura.

Além das três cidades, outros locais do Paraná participaram com temas semelhantes. Jacarezinho, na região Norte, que teve sua primeira Pint of Science esse ano. Um dos temas abordados recebeu o título de “Insetos:saborosos detetives”. Uma bióloga e um perito criminal abordaram a importância dos animais em soluções de crimes e diversas outras perspectivas. Outros temas também foram apresentados em dois bares de forma simultânea, Açaí Wave e Barbarril.

Expoingá

Parece que o caminho para a popularização da Ciência para ganhar o mundo é este mesmo. Como bem diz a coordenadora-geral do C², Débora Sant’Anna, “mostrar o que a universidade faz é sempre um impacto positivo, porque as pessoas começam a compreender o nosso papel para além do ensino de graduação ou pós-graduação, como é conhecida a universidade”. Compreendendo esse papel, a UEM procura estar presente em eventos externos ao campus. O que é chamado de extensão universitária. Este ano, um enorme grupo de acadêmicos atuou na exposição da Exposição Feira Agropecuária, Industrial e Comercial de Maringá – Expoingá, entre os dias 4 a 14 de maio.

A Universidade apresentou mais de 60 projetos, distribuídos no decorrer da mostra, envolvendo o Museu Dinâmico Interdisciplinar (MUDI), o Centro de Ciências Agrárias (CCA), o Núcleo de Pesquisas em Limnologia, Ictiologia e Aquicultura (NUPELIA), o Museu da Bacia do Paraná (MBP) e o Hospital Universitário (HU). As exposições do local ganharam muitos destaques e uma delas foi a visão de raio-x, o propósito foi demonstrar como é a sustentação óssea dos humanos e do cavalo. A proposta foi desenvolvida juntamente com o Centro de Ciências Agrárias da UEM. Ciência pura sendo apresentada in loco.

Expostas no mesmo lugar, outras experiências projetadas para o parque foram as histórias de 40 anos do Hospital Universitário (HU) e do NUPELIA. Além do HU e do Nupelia, o Museu da Bacia do Paraná (MBP) em colaboração com o Mudi, reuniu fotografias e objetos eletrônicos para narrar o passado e presente da cidade de Maringá. O espaço também incluiu os animais que existiam antes das florestas serem derrubadas e queimadas, e para que direção tudo isso levou ao longo do tempo.

No espaço do AgroMuseu, o curador do Mudi, Marcílio Hubner, foi responsável por contar a história dos Santos e Deusas da Agricultura, Ceres e Perséfone. A narração apostou na interação a partir das obras dos artistas plásticos italianos Sara Massocco e Mario Bargeiro, o espaço foi decorado com grãos, cabine de espelhos, painéis de flores e a exposição interativa da colheita. A cena possibilitou aos visitantes agregar conhecimento e diversão. Os participantes puderam fazer fotos incríveis.

ExpoLondrina

A ExpoLondrina aconteceu entre os dias 6 a 16 de abril. A feira contou com a 27ª edição do Via Rural Smart Farm, projeto iniciado pelo  Instituto de Desenvolvimento Rural do Paraná (IDR), em parceria com Universidade Estadual de Londrina (UEL), Secretaria do Estado da Agricultura e do Abastecimento (Seab) e a Sociedade Rural do Paraná (SRP). Foram mais de 30 unidades apresentadas e divididas entre o IDR e os acadêmicos da UEL, apresentando trabalhos que mostravam novas tecnologias para desenvolvimento da agricultura sustentável.

A Via Rural trouxe experiências diversificadas e duas delas foram as Unidades 10 e 22. Na Unidade 10, os temas abordaram conservação da biodiversidade de insetos na agricultura, distinguindo insetos bons das pragas, além de trazer a importância de ambos. Na Unidade 22, os participantes puderam conhecer as  toxinas presentes nos alimentos, mais especificamente as micotoxinas provocadas por fungos. 

Numa pegada diferente, mais ligada às escolas, não podemos esquecer a contribuição da Feira de Ciências de Toledo (FECI-TOO). Tudo começou em 2015 e, de lá pra cá, vem ocorrendo bianualmente. A organização é do Núcleo de Ensino em Ciências de Toledo – NECTO, que funciona na Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste). A feira tem como objetivo promover a cultura e alfabetização científica entre os jovens estudantes. 

O processo da feira funciona da seguinte maneira: as escolas de Educação Básica produzem a Feira de Ciências internas, com temas relacionados aos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS). Os trabalhos premiados nas instituições vão para um evento  maior que envolve outras entidades do município. 

Feira de Ciência de Toledo (Foto/Assessoria de Imprensa de Toledo)
Feira de Ciência de Toledo (Foto/Assessoria de Imprensa de Toledo)

Depois de tudo isso, você ainda acredita que divulgação científica é somente em universidades e laboratórios? Espero que não, já que, como vimos, ela está em todos os lugares, seja em bares, nos museus, revistas, livros, palestras, em publicações nos aplicativos de redes sociais etc. Por falar nisso, o C² também está no Instagram e YouTube. Visite a gente por lá e brinde a ciência!

EQUIPE DESTA PÁGINA
Texto: Bruna Mendonça
Revisão: Ana Paula Machado Velho
Supervisão de texto: Ana Paula Machado Velho
Arte: Hellen Vieira
Supervisão de arte: Tiago Franklin Lucena
Edição Digital: Gutembergue Junior

A pesquisa que mencionamos contribui para os seguintes objetivos ODS:

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