Como a ciência potencializa a agricultura brasileira?

Os pesquisadores do NAPI Biodiversidade: Recursos Genéticos e Biotecnologia dão um ‘gás’ na produção agrícola

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Você sabia que o território do Paraná foi classificado na categoria de “potencialidade agrícola muito boa”? E que essa classificação é muito especial quando pensamos em toda a extensão territorial brasileira? Essa classe foi estabelecida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no Mapa de Potencialidade Agrícola Natural das Terras do Brasil, o qual mostra que as terras paranaenses estão em um seleto grupo de 2% no país. Ou seja, é uma terra extremamente fértil e capaz de gerar produções de alta qualidade e rendimento. 

O Paraná tem se destacado, a cada ano, no ramo da agricultura brasileira, sendo referência em produção, venda e inovação agrícolas. O levantamento da Produção Agrícola Municipal (PAM), do IBGE, mostrou que o Estado lidera a produção nacional de cevada, feijão, mandioca e erva-mate, além de culturas como o triticale e o centeio. São movimentados milhões de reais e milhões de toneladas de produtos todos os anos, que abastecem a economia e o desenvolvimento do Paraná.

Por isso, eventos que valorizam a agricultura paranaense fazem cada vez mais sentido! O município de Maringá abriga um forte exemplo, a Expoingá – Exposição Feira Agropecuária, Industrial e Comercial de Maringá. A sua 50ª edição ocorre de 9 a 19 de maio de 2024, com o objetivo de unir agricultores com inovações, desenvolvimento tecnológico e científico e, claro, com o público que consome tudo aquilo que é plantado. 

“São eventos que trazem inovações nas áreas de genética, maquinários e na produção como um todo e que contam com muitas atividades técnicas e palestras para despertar no agricultor aspectos relevantes no seu dia a dia em termos de sanidade, tecnologia e no jeito de fazer uma agricultura melhor”, afirmou o secretário estadual da Agricultura e do Abastecimento, Norberto Ortigara, em uma entrevista concedida à Agência Estadual de Notícias. 

O evento é, portanto, um espaço eficiente para expor novas técnicas e tecnologias que colaboram para melhorar, ainda mais, a agricultura do Estado. Para quem ainda não sabe, um dos grandes aliados da agricultura paranaense e, potencialmente, brasileira, é o NAPI Biodiversidade: Recursos Genéticos e Biotecnologia. Esse Novo Arranjo de Pesquisa e Inovação tem como foco desenvolver estudos e pesquisas na área dos recursos genéticos, que podem ser entendidos como o conjunto formado pelas espécies animais, vegetais e microbianas, bem como na área da biotecnologia, que se traduz como a junção daqueles recursos com a inovação humana. 

Pesquisadora em laboratório (Foto/Fabiana Gisele da Silva Pinto)

Mas como esse NAPI é capaz de fortalecer a nossa agricultura? Bom, uma de suas metas traz esse objetivo muito bem definido, que é a Meta 2, intitulada “Prospecção da biodiversidade vegetal e animal para o desenvolvimento de produtos biotecnológicos aplicados à saúde, agricultura e meio ambiente”. 

De acordo com a professora e coordenadora institucional do NAPI na Universidade Estadual de Maringá (UEM), doutora Lindamir Hernandez Pastorini, no momento, os pesquisadores do Arranjo têm realizado pesquisas com espécies nativas, tanto arbóreas quanto trepadeiras, presentes na Floresta Estacional Semidecidual e nos Campos Gerais, para desenvolver novas técnicas auxiliares à agricultura. Estão sendo obtidos extratos e óleo essencial, a partir de folhas e sementes desses vegetais, para testar quais são os seus potenciais de inibição do crescimento, ou mesmo de germinação, de plantas daninhas. 

Extratos vegetais (Foto/Fabiana Gisele da Silva Pinto)

Em especial, duas espécies daninhas são alvos desses estudos: o capim amargoso e a corda-de-viola. Segundo a coordenadora, ambas são importantes infestantes de culturas agrícolas no Paraná. Ou seja, essas pesquisas realizadas podem colaborar no combate a pragas que estejam prejudicando plantações de produtos que abastecem nossas mesas, nossos mercados e até nossos automóveis.

Além disso, também estão sendo desenvolvidos bio-herbicidas, que são gerados por meio de compostos naturais. Por este motivo, esses produtos causam um impacto ambiental muito menor, quando comparado aos herbicidas sintéticos. Estes colaboram para que as plantas daninhas se tornem cada vez mais resistentes, uma vez que, diferente dos bio-herbicidas, são metabolizados com mais dificuldade no solo e absorvidos mais lentamente pelas plantas. 

Pesquisando doenças

E se você está se perguntando de onde os bio-herbicidas vêm, saiba que é das próprias plantas pesquisadas pelo NAPI! De acordo com Lindamir, essas espécies vegetais possuem uma atividade chamada de metabolismo secundário. Este é entendido como o processo das plantas produzirem os mais diversos compostos, que podem possuir a função de proteção contra herbívoros ou agentes causadores de doenças, bem como ter função antioxidante1. Ainda podem ser compostos que agem na comunicação química entre as plantas ou também que apresentam ação alelopática2. Estes são chamados de aleloquímicos e, inclusive, são o foco dos pesquisadores.

Expedição para coleta de dados de biodiversidade vegetal em Campos Nativos (Foto/Arquivo Pessoal)

“Os aleloquímicos podem apresentar diferentes propriedades biológicas. Eles podem interferir na divisão celular, afetar o transporte de hormônios vegetais, reduzir a atividade enzimática das plantas e interferir no transporte de elétrons na fotossíntese e na respiração. Assim, os aleloquímicos, que apresentam tais ações, podem ter ação bio-herbicida, porque, se interferem na divisão celular, no transporte e resposta hormonal, podem impedir a germinação e o crescimento das plantas”, explica a professora Lindamir.

Dessa forma, os aleloquímicos vão atuar em nível celular no vegetal. Uma vez em contato com a planta, esses compostos podem inibir até a própria germinação, gerando um potencial bio-herbicida, que será utilizado para controlar o desenvolvimento das plantas daninhas, que atacam, prejudicam e destroem plantações. 

Mas, o mais curioso é que, ao mesmo tempo que esses compostos têm o poder de reduzir o crescimento e desenvolvimento das plantas, eles também podem fazer exatamente o oposto. Isto é, o aspecto da alelopatia pode ser, tanto negativo, como também positivo. Ou seja, ao mesmo tempo que pode ser utilizado para combater as plantas daninhas, também pode potencializar as plantas que efetivamente queremos cultivar. 

De acordo com a coordenadora institucional do NAPI, pesquisas foram realizadas com um gênero específico de orquídeas, as Cattleya, que apresentaram essa atividade positiva para outras plantas. Os compostos provenientes dessas flores, foram capazes de aumentar o crescimento e potencializar o desenvolvimento de outras espécies vegetais, favorecendo seu cultivo. 

Além disso, também têm sido realizadas pesquisas para o desenvolvimento de produtos nanotecnológicos3. Os pesquisadores estão associando bioativos vegetais provenientes da biodiversidade brasileira com nanopartículas metálicas (NPs) de prata e cobre, com a intenção de avaliar a viabilidade de aplicação das NPs como nanofertilizantes ou no tratamento de sementes. De acordo com a também professora e coordenadora institucional do Arranjo na Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE), a doutora Fabiana Gisele da Silva Pinto, esses estudos promovem soluções científicas que visam uma agricultura mais produtiva, sustentável e segura.

Nanopartículas metálicas (Foto/Fabiana Gisele da Silva Pinto)

Fabiana reforça que os benefícios para o setor agrícola, partindo dos avanços e tecnologias desenvolvidas pelo NAPI, são diversos. Eles contribuem para a construção de “um futuro mais promissor para o setor agrícola, com culturas mais resilientes e sustentáveis”, uma vez que auxilia no enfrentamento dos desafios da agricultura moderna, como doenças de plantas, pragas e mudanças climáticas.

Já deu para notar que o NAPI Biodiversidade: Recursos Genéticos e Biotecnologia tem um imenso potencial para ser um braço importante para uma agricultura sustentável no Paraná, bem como para todo o Brasil, não é mesmo? “O projeto se concentra na valorização e conservação da biodiversidade local, reconhecendo sua importância fundamental para garantir a saúde dos ecossistemas. A biodiversidade desempenha um papel crucial na agricultura ao fornecer serviços ecossistêmicos4 essenciais, como controle de pragas e manutenção da fertilidade do solo. Ao preservar e utilizar de forma sustentável esses recursos genéticos, o NAPI contribui para o desenvolvimento de práticas agrícolas mais eficientes e ambientalmente responsáveis”, afirma a coordenadora institucional Fabiana.

A importância de se ter pesquisas que foquem nos estudos e análise da nossa biodiversidade é enorme, para que possamos compreender os recursos disponíveis ao nosso redor. A partir da própria natureza, é possível desenvolver novos mecanismos que auxiliem na manutenção das diversas formas de vida, bem como que as promovam e preservem. Mas, é fundamental um levantamento científico desses recursos, para também analisar os que podem acabar sendo prejudiciais para nós e de que forma podemos combatê-los ou nos defender de possíveis problemas.

Ensaio de atividades biológicas de nanopartículas (Foto/Fabiana Gisele da Silva Pinto)

O professor e coordenador geral do NAPI Biodiversidade: Recursos Genéticos e Biotecnologia, doutor André Luiz Martinez de Oliveira, relembra a recente pandemia causada pela Covid-19 e como tivemos que lidar com um vírus “desconhecido”, ressaltando, por exemplo, a importância de um levantamento de microrganismos:

🎙️Professor André Luiz Martinez de Oliveira explica a importância do estudo de microrganismos

É válido ressaltar que os pesquisadores do Arranjo possuem a preocupação de entender as reais necessidades do setor agrícola, buscando com os próprios agricultores quais as suas principais demandas, queixas e observações acerca de suas produções. Isso facilita ainda mais a transferência de tecnologia para os produtores e, de quebra, promove a educação ambiental.

“Ao incentivar a inovação e o desenvolvimento de produtos e processos biotecnológicos, o Arranjo impulsiona a economia local e fortalece a capacidade de pesquisa e desenvolvimento do Estado do Paraná. Em suma, o NAPI é um importante instrumento para promover uma agricultura mais sustentável, garantindo o equilíbrio entre conservação ambiental e desenvolvimento econômico”, expõe a professora Fabiana. 

E não para por aí! Esses produtos provenientes dos vegetais encontrados em solo paranaense também podem ser aplicados para muito além da área agrícola, sendo também utilizados no campo da saúde humana. “As frações orgânicas e óleo essencial adquiridos, obtidos de plantas nativas do Paraná, estão sendo utilizados em ensaios biológicos para verificar o seu potencial antiproliferativo de células cancerígenas e antioxidantes. Os resultados obtidos demonstraram que o material gerado a partir da espécie arbórea da família Myrtaceae, coletada nos Campos Gerais, apresenta potencial antiproliferativo e possível ação anticâncer”, explica a professora Lindamir. 

Avaliação da atividade antimicrobiana das nanopartículas (Foto/Fabiana Gisele da Silva Pinto)

Essa parte de pesquisa desenvolvida no laboratório é o pontapé inicial para o desenvolvimento de tecnologias potencialmente eficazes e também fundamental para a posterior aplicação na ‘vida real’. De acordo com o coordenador geral do NAPI Biodiversidade: Recursos Genéticos e Biotecnologia, a etapa laboratorial está sendo finalizada dentro do Arranjo, possibilitando que agora os pesquisadores iniciem a etapa de validação, confirmando dados obtidos e encaminhando as novas técnicas para o seu uso nas áreas da agricultura, saúde humana ou mesmo de conservação ambiental. 

Que tal conhecer mais iniciativas agroecológicas e sustentáveis? Não deixe de visitar a Expoingá e explorar as novidades na área da agricultura e de inovação tecnológica! 

EQUIPE DESTA PÁGINA
Texto:
Mariana Manieri Pires Cardoso
Supervisão de texto: Ana Paula Machado Velho
Edição de áudio: Mariana Manieri Pires Cardoso
Arte: Lucas Higashi e Hellen Vieira
Supervisão de arte: Tiago Franklin Lucena
Edição Digital: Gutembergue Junior

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A pesquisa que mencionamos contribui para os seguintes ODS:

Glossário

  1. Função antioxidante: é a capacidade de um composto ou substância de inibir ou reduzir a oxidação de outras moléculas. ↩︎
  2. Ação alelopática: liberação de compostos químicos entre os vegetais, que podem inibir ou estimular o crescimento e desenvolvimento de outra planta. ↩︎
  3. Nanotecnológicos: quando um objeto ou produto é desenvolvido a partir da nanotecnologia (é o estudo e desenvolvimento do controle e manipulação de materiais em escala nanométrica, ou seja, as pesquisas e trabalhos são realizados diretamente com átomos e moléculas).
    ↩︎
  4. Serviços ecossistêmicos: termo para definir a utilização dos recursos naturais em benefício dos seres humanos. ↩︎

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