Como você e seu celular podem ajudar a salvar vidas

Um aplicativo que mapeia desfibriladores pretende aumentar as chances de sobrevivência de vítimas de parada cardiorrespiratória

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Imagine um dia comum em sua vida. Pode ser uma segunda-feira ou um sábado em que você está indo trabalhar, estudar ou fazer compras, mas, de qualquer forma, tudo na cidade parece normal: os pássaros cantam e os semáforos abrem e fecham. O dia pode estar pacato ou movimentado, até que algo incomum acontece: a poucos passos de você, uma pessoa cai no chão e parece estar passando mal.

Você e algumas pessoas ao redor se aproximam, sem saber exatamente o que fazer para ajudar aquele homem que, até poucos instantes, estava vivendo mais um dia normal – assim como todos ali. Seus conhecimentos básicos de primeiros socorros, que poderiam ser maiores se você tivesse prestado um pouco mais de atenção naquela reportagem na TV ou naquela palestra, dizem que ele pode estar sofrendo uma parada cardiorrespiratória (PCR), uma situação em que cada segundo conta para salvar a vida da vítima.

Com o susto, o telefone do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU), que é 192, some de sua cabeça, mas quando outra pessoa ao seu lado já parece estar discando o número, uma ideia surge: você se lembra de ter instalado em seu celular o aplicativo “Local DEA”, que mostra a localização do desfibrilador externo automático (DEA) mais próximo de você e sai correndo em busca do aparelho. 

Com o DEA localizado próximo dali, agora em suas mãos, você consegue utilizar o equipamento seguindo todas as instruções e aplica o choque necessário. Graças ao aplicativo e a sua agilidade, a vítima começa a mostrar sinais de recuperação, quando a ambulância chega ao local e é levada ao hospital. 

Em emergências como essa, que podem acontecer em qualquer lugar, fica evidente o papel essencial que a tecnologia pode ter para salvar uma vida. Foi pensando nisso que o “Programa de desfibrilação precoce a vítimas de PCR extra-hospitalar” desenvolveu o Local DEA, um aplicativo que visa aumentar a chance de sobrevivência de vítimas de parada cardiorrespiratória fora de hospitais.

Coordenado pelo professor do Departamento de Medicina, da Universidade Estadual de Maringá (DMD/UEM), Luciano Andrade, o projeto nasceu visando melhorar ou diminuir o tempo de resposta ao atendimento de vítimas de paradas cardiorrespiratórias em Maringá. A ideia surgiu a partir de um projeto do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (Pibic), desenvolvido pela então aluna do curso de Medicina da UEM, Giovanna Natsumi Eiri. 

“Enquanto a Giovanna ficou responsável pela escrita dos textos informativos para o aplicativo, além de toda parte de georreferenciamento, para localização e identificação dos desfibriladores na cidade, contamos com a parceria fundamental do Departamento de Informática, no desenvolvimento do aplicativo”, aponta o professor.

Mas por que um DEA é tão importante? 

O DEA é um dispositivo portátil, desenvolvido para reestabelecer o ritmo cardíaco de uma pessoa que sofreu uma parada cardíaca súbita, que é quando o coração para de bater de maneira eficaz. Ele funciona disparando choques controlados que reorganizam as células cardíacas e ajudam o coração a retomar seu funcionamento ideal. A melhor chance de reverter uma parada cardíaca é com o uso de um desfibrilador, logo nos primeiros minutos após o acontecimento.

“Uma parada cardiorrespiratória é dividida em três fases: eletrônica, mecânica e metabólica. A fase elétrica é a primeira e ocorre nos primeiros três a cinco minutos, sendo o momento em que há a maior chance de reversão. A fase mecânica é quando se deve realizar a massagem cardíaca, tentando restaurar o ritmo do coração. A fase metabólica é a mais crítica; embora todas sejam graves, essa última é decisiva”, aponta Luciano. Ele acrescenta que, após cinco minutos sem atendimento, a probabilidade do paciente sofrer sequelas aumenta significativamente.

Descrição da imagem: O infográfico ilustra as principais características de um desfibrilador externo automático, com destaque para os eletrodos, visor e o botão de tratamento.

Como usar um DEA

Segundo Luciano, o primeiro passo para prestar socorro a uma vítima é verificar se a pessoa realmente está em parada cardíaca: “Veja se ela está respirando, se está se mexendo ou se responde. Caso contrário, chame o SAMU imediatamente, enquanto inicia as medidas de reanimação”. 

Enquanto a ambulância não chega ao local, o DEA, que é autoinstrutivo guia o usuário durante o processo, fornecendo orientações sonoras e visuais sobre o ritmo cardíaco. Se o ritmo for chocável, ele avisará o usuário para aplicar o choque necessário, apertando somente um botão.

“Se o ritmo não for chocável, como no caso de assistolia1 ou atividade elétrica sem pulso (AESP), o desfibrilador indicará que não há necessidade de choque e que a massagem cardíaca deve ser continuada”, diz Luciano. 

O aplicativo Local DEA também fornece orientações detalhadas sobre esses passos. Para ilustrar como funciona um desfibrilador, preparamos o infográfico abaixo. Confira:

O funcionamento do aplicativo

Para funcionar, um aplicativo como esse precisa de estudo e investimento, além da disponibilidade de desfibriladores em diversos pontos da cidade. Apesar do potencial, o projeto enfrenta desafios para sua implementação em larga escala. “Minha maior frustração é que os poucos desfibriladores em Maringá estão majoritariamente em shopping centers. Precisamos de uma conscientização maior e de investimentos para adquirir mais aparelhos e espalhá-los pela cidade”, lamenta o professor. 

Luciano ainda destaca que a intenção de transformar Maringá na primeira cidade brasileira a implementar um programa de desfibrilação precoce só pode ser concretizada com o apoio de órgãos como o Conselho Municipal de Saúde. “Meu desejo é que, se não for Maringá, outra cidade adote essa ideia. O projeto já conta com registro de software no INPI [Instituto Nacional da Propriedade Industrial] e com um artigo prestes a ser enviado para uma revista internacional, mas o ideal seria que Maringá, conhecida por sua alta qualidade de vida, adotasse essa iniciativa”, aponta Luciano.

A cidade de Maringá conta com três estações de ambulâncias do SUS e o professor enfatiza que “se formos analisar o tempo de deslocamento das ambulâncias a partir desses três polos, grande parte das PCRs na cidade acontecem há mais de cinco minutos de distância”. Isso quer dizer que vítimas de parada cardiorrespiratórias que estão distantes dessas estações possuem menos chances de sobreviver, por conta da demora em receber atendimento, sem contar com outros fatores que podem interferir na chegada da ambulância, como trânsito ou imprecisão de endereço da ocorrência.

O professor também cita os baixos índices de sobrevivência das vítimas de parada cardiorrespiratória fora de hospitais. “No Brasil, da cada 100 vítimas PCR extra-hospitalar, somente 7% vão sobreviver. Nosso maior anseio é melhorar esse indicativo e aumentar a chance de sobrevivência de pessoas, nem que seja 5% ou 2%. Com uma metodologia própria para a colocação estratégica dos desfibriladores, acredito que o projeto tem tudo para dar certo e trazer um grande benefício para a população”, defende Luciano.

  • Reprodução de tela de smartphone que mostram a interface do aplicativo Local DEA
  • Reprodução de tela de smartphone que mostram a interface do aplicativo Local DEA
  • Reprodução de tela de smartphone que mostram a interface do aplicativo Local DEA
  • Reprodução de tela de smartphone que mostram a interface do aplicativo Local DEA

Tecnologia e saúde pública

Quando o assunto é futuro e as possibilidades que os avanços tecnológicos podem trazer para a saúde pública, o professor Luciano Andrade cita alguns projetos que estão em desenvolvimento, como os estudos de Smart Glasses, óculos inteligentes, no auxílio a urgências médicas e o Sistema Integrado de Gestão de Ambulâncias (SIGA) no atendimento a emergências.

“Atualmente, o técnico de enfermagem que atende um paciente em casa muitas vezes ainda precisa passar informações via rádio para o médico regulador, que não pode ver o paciente. Com o uso de óculos inteligentes, o médico poderá visualizar o paciente em tempo real e interagir com o profissional de saúde no local”, explica Luciano. Isso aumentará a precisão dos atendimentos, evitando a necessidade de encaminhar todos os pacientes para diferentes locais.

Já o SIGA, desenvolvido por Pedro Henrique Iora e orientado pelo professor Andrade, já foi registrado e está em processo de validação no SAMU. “Com o SIGA, saberemos em tempo real onde que está a ambulância e, quando essa vítima for atendida, será possível conversar com o médico regulador e auxiliar na gestão de leitos. No hospital haverá uma tela, que acompanha a ambulância, como nos carros de aplicativo”, diz Luciano.

Desafios

Para o professor, o desafio de ter um excelente projeto parado dentro da universidade precisa ser superado. “Os desafios são grandes, mas precisamos transferir essa responsabilidade para a prefeitura ou para o Estado. Gostaria muito que o Estado adotasse o Local DEA e o SIGA, pois ambos oferecem ótimas ferramentas e benefícios significativos. Com o apoio adequado, poderemos ter um servidor maior e os equipamentos necessários para a implementação e sucesso desses programas”.

Um programa de desfibrilação precoce, para ter êxito, precisa de um conjunto de investimentos. Além da disponibilização de mais desfibriladores, seria ideal treinar a população e desenvolver uma rede de socorristas leigos, chamados de bystanders, para serem acionados imediatamente em emergências próximas e iniciar o atendimento, enquanto o SAMU é chamado. “Em praias de Portugal e até mesmo em Fernando de Noronha, no Brasil, sei que existem alguns programas semelhantes, mas não tenho conhecimento de algo assim, bem estruturado, em uma cidade maior, como é Maringá. O percurso é longo, mas precisamos começar de algum ponto”, conclui o professor Luciano.

O aplicativo Local DEA se destaca por ser uma solução promissora e viável para as cidades. Implementá-lo em sua totalidade poderá destacar a importância de projetos como este, desenvolvidos dentro de universidades públicas, que é um espaço de inovação, capaz de desenvolver negócios e realizar estudos relevantes para o avanço da saúde pública e para a melhoria da qualidade de vida de toda população.

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Texto:
Guilherme de Souza Oliveira
Supervisão de texto: Ana Paula Machado Velho
Arte: Hellen Vieira
Supervisão de arte: Tiago Franklin Lucena
Edição Digital: Gutembergue Junior

Glossário

  1. Assistolia: ausência ou baixíssima frequência de qualquer atividade elétrica, contrações cardíacas ou ritmos cardíacos. ↩︎

A pesquisa que mencionamos contribui para os seguintes ODS:

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