A pandemia deu um nó na cabeça da gente no momento que fomos obrigados a nos adaptar ao isolamento social e a mediação tecnológica para tudo. E quando o assunto é modalidades de ensino, a situação parece ficar ainda pior. Apareceram tantos nomes… ensino a distância, aulas on-line, ensino híbrido… remoto! Nossa casa virou escola, nosso quarto ou escritório, sala de aula. Uma confusão, não é mesmo?
Daí, a gente começa a refletir: será que a pandemia nos trouxe coisas novas de verdade, quanto às modalidades de educação e de ensino? Esses nomes todos já existiam ou são mesmo novas expressões?Em meio a esse momento de volta às aulas em todo o país, o C² resolveu também se enveredar por esses temas.
Perguntamos à professora Maria Luisa Furlan Costa, como a gente poderia definir ensino a distância. Maria atua no Departamento de Fundamentos da Educação e no Programa de Pós-Graduação em Educação, da Universidade Estadual de Maringá (UEM), localizada no Paraná. Ela também é líder do Grupo de Pesquisa em Educação a Distância e Tecnologias Educacionais (GPEaDTEC).
Ela respondeu que essa é uma excelente pergunta, porque é preciso que as pessoas compreendam a distinção entre “ensino” e “educação”. O grupo no qual ela atua opta pela utilização do termo Educação a Distância, pelo fato de que se está falando de um conceito de caráter mais abrangente, que remete a um processo didático e pedagógico próprio.
“Nesse sentido, a Educação a Distância, que tem a sigla EaD, e é grafada com o artigo ‘a’ minúsculo, contempla essa concepção de ensino e aprendizagem. Procurem observar, que, na definição, aparece o termo ‘ensino’, entretanto ele está contido no processo mais amplo que é a educação e se inter-relaciona com a ‘aprendizagem’. Para sintetizar, Educação a Distância pressupõe tanto o ensino quanto a aprendizagem por meio de metodologias mediadas pela tecnologia e que possuiu planejamento próprio, envolvendo professor-tutor-estudante”, esclarece a professora.
Ainda segundo Maria Luisa, no contexto atual, a EaD faz uso das Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação, chamadas TDIC, e pode ser realizada de modo síncrono e/ou assíncrono. O que isso significa? O estudante pode estar fisicamente distante e temporalmente em um outro momento em que o professor ministra a aula. Quando professor e aluno estão interagindo no mesmo momento nas plataformas digitais, diz-se que o encontro é síncrono. Quando não, é o modelo assíncrono.
Outro termo que precisa de atenção é ensino híbrido, que é diferente de EaD. A professora da UEM diz que essa é outra dúvida que precisa ser esclarecida, quando estamos refletindo acerca do universo que compreende a modalidade de Educação a Distância. É preciso entendermos que há, no Brasil, apenas duas modalidades: a presencial e a distância. O ensino híbrido é a junção dessas duas modalidades; isto é, combina atividades presenciais e à distância, no modo on-line, com a presença de alguma tecnologia.
Na história da nossa educação, isso não é algo tão recente assim, como somos levados a pensar. Desde 2001, há normativas por aqui que admitem 20% do uso da modalidade a distância em cursos presenciais. Nesse sentido, já existe no país o ensino híbrido em cursos que optam pela oferta de disciplinas em EaD em seus currículos.
“Isso não surgiu com a pandemia. Até porque, na pandemia, não fizemos ensino híbrido. O que adotamos foi o Ensino Remoto Emergencial, que tem a sigla ERE. Aliás, cabe dizer, que nem no retorno de parte dos alunos para o ambiente físico da sala de aula e outra parte em plataformas digitais pressupõe o ensino híbrido. Para que ele ocorra, é necessário que haja alguns ‘combinados’. Tivemos no Brasil um ensino escalonado, mas nunca híbrido. Esse último se faz por meio de um planejamento didático e pedagógico que pressupõe que os estudantes estejam realizando atividades pedagógicas em ambientes específicos”, esclarece a professora.
História antiga
Os anais da história da educação registram que a primeira experiência de EaD surgiu no ano de 1728, na cidade de Boston (EUA). O professor Caleb Phillips ofertou, por meio de jornais, um curso de taquigrafia (uma técnica para escrever à mão de forma rápida, fazendo uso de códigos ou abreviações).
Já no Brasil, podemos traçar esse marco inicial no ano de 1923 com a criação da Rádio Sociedade, na cidade do Rio de Janeiro, por Edgard Roquete-Pinto. De acordo com ele, a emissora seria uma maneira de democratizar, informar e educar a população brasileira. O professor veiculava palestras e aulas sobre inúmeros temas pelas ondas do rádio.
Porém, é mais recente a adoção destes modelos, de maneira formal, vamos dizer assim. Na Universidade Estadual de Maringá, por exemplo, a Educação a Distância existe desde 2001, quando foi criado o primeiro curso de graduação nesta modalidade. Para Flávio Rodrigues de Oliveira, a EaD é um sucesso e aumentou significativamente o número de vagas públicas em universidades, tanto para os cursos de graduação, quanto para os cursos de especialização.
Oliveira é professor do Departamento de Pedagogia, do Câmpus Regional de Cianorte, da UEM e, também, membro do GPEaDTEC. Para ele, o número de formados reflete a afirmativa de sucesso, tendo em vista, que muitas pessoas não teriam a oportunidade de concluir um curso na modalidade presencial. A EaD é, na perspectiva do Grupo, uma possibilidade para aqueles que não podem ou não querem frequentar os cursos presenciais. Interioriza e democratiza o ensino.
“A nossa intenção não é comparar a qualidade das modalidades presencial e a EaD, já que cada uma possui sua especificidade e isso precisa ser levado em consideração. Quando se fala em qualidade, é preciso ter em mente a que queremos nos referir com essa indagação. Existem dados de pesquisas que mostram que as duas modalidades têm a mesma qualidade e o que deve ser levado em consideração é a instituição que oferece e a sua proposta pedagógica”, argumenta o professor da UEM, que informa que o Programa de Pós-Graduação em Educação da UEM (PPE/UEM) possui diversas teses e dissertações que tratam de experiências na modalidade de Educação a Distância e do uso das TDIC, na educação. Quem quiser, pode a acessar esse acervo pelo www.ppe.uem.br.
Nead da UEM
Muitas das experiências que foram analisadas pelas pesquisas acima se deram no ambiente do Núcleo de Educação a Distância (Nead), da UEM. Segundo a equipe, esse é o setor responsável pelo planejamento, coordenação, organização, desenvolvimento e acompanhamento das atividades pedagógicas e administrativas na modalidade de educação a distância.
O Núcleo da UEM foi criado em 2010, pelo Ato Executivo nº 038/2010 da Reitoria. Outro Ato Executivo alterou sua vinculação para a Pró-Reitoria de Ensino (PEN).
Além dos cursos de graduação, o Nead se responsabiliza pela oferta de cursos de formação continuada para docentes, coordenadores de curso, coordenadores de tutoria e coordenadores de polos, bem como para a comunidade interna e externa.
Segundo a diretora do Nead-UEM, Josimayre Novelli, há um esforço contínuo para assegurar a qualidade dos cursos ofertados à distância. Isso é feito sem se perder de vista que existem ainda muitos desafios a serem superados e obstáculos a serem ultrapassados quando se pensa em EaD.
“É certo que, com a pandemia e o ERE, as pessoas mudaram a forma de ver esse modelo de educação: professores, alunos e a comunidade em geral, mas temos muito a conquistar, ainda. Porém, muita gente passou a perceber que a educação a distância é um caminho que garante a aprendizagem e não tem volta. Se pensarmos no que esse momento de distanciamento social proporcionou, podemos destacar, por exemplo, a possibilidade dos alunos acessarem aulas e realizarem intercâmbios nacionais e internacionais, já que a interação se ampliou em experiências on-line. Isso nos mostra o que essa modalidade pode proporcionar de ganho para a comunidade acadêmica e a sociedade em geral”, explicou a coordenadora, que é doutora em Estudos da Linguagem e membro do grupo de pesquisa Letramentos Digitais: perspectivas teórico-metodológicas no ensino e aprendizagem e na formação docente (GPeLD).
Josi ainda destacou que, desde o final de 2018, a UEM está investindo em capacitação de pessoas, tutores, coordenadores de polos, além de apostar também na melhora da estrutura tecnológica.
A ideia é sustentar o crescimento da oferta de cursos, não só de graduação, mas de especializações e cursos de extensão. Esta última ganhou um espaço mais expressivo na Universidade. Trata-se da Curricularização da Extensão. Quem explica o que isso significa é a pró-reitora de Extensão e Cultura da UEM, Débora de Mello Sant’ Ana.
Porém, o Nead está sendo solicitado por toda a comunidade, prefeituras e outros órgãos públicos e privados. Eles vêm procurando o Núcleo para oferecer capacitações e outros cursos para suas equipes. “A expectativa é que tudo isso se amplie, incentivado pelo pós-pandemia, e nós da UEM estamos nos preparando para isso”, garante a professora Josi.
Os professores ligados ao GPEaDTEC também entendem que a ampliação dos modelos de educação a distância depende de algumas variantes. Entre elas, está o fato de que o Brasil precisa superar um preconceito que ainda existe com relação à modalidade.
“É necessário romper alguns paradigmas, entre eles o próprio conceito de presencialidade e de distância. Sabemos, hoje, com o advento da tecnologia, que não precisamos estar fisicamente em um ambiente para estarmos conectados. Aliás, vale ressaltar que esse é um aprendizado que a pandemia nos trouxe enquanto estávamos isolados fisicamente e continuávamos conectados virtualmente”, lembra a professora Maria Luisa.
O professor Flávio de Oliveira voltou a dizer que só existem duas modalidades de educação no Brasil: à distância e presencial. “O ensino híbrido, que combina as duas, é uma abordagem que acreditamos ser o presente e o futuro do Brasil. Na opinião do nosso grupo, o aluno está pronto para isso. Aliás, vale ressaltar que, fora do espaço acadêmico, os estudantes recebem muitos estímulos de ambientes digitais. Contudo, quem nós acreditamos que ainda não está preparado é o professor. Este, muitas vezes, se encontra resistente aos processos de capacitação ofertados para a modalidade de Educação a Distância”.
Entre novos termos e novas modalidades de ensinar e aprender está, então, a necessidade de uma mudança na nossa cultura. E ela é urgente, porque não há como mudar a nossa profunda relação com o ambiente digital. Seja na nossa vida social ou em nossos compromissos sérios como a educação. Por isso, fique antenado a todo esse cenário e aproveite o que ele tem para oferecer.
Glossário
Educação continuada – é uma ação de formação e desenvolvimento de recursos humanos que objetiva manter a equipe em um constante processo educativo, com a finalidade de aprimorar os indivíduos e, consequentemente, melhorar sua atuação profissional.
O conteúdo desta página foi produzido por
Texto: Ana Paula Machado Velho
Edição de áudio: Valéria Quaglio
Edição de vídeo: Thaimiris Saito
Supervisão: Ana Paula Machado Velho
Arte: Murilo Mokwa
Supervisão de Arte: Tiago Franklin Lucena
Edição Digital: Gutembergue Junior