Conhecer para prever e proteger

NAPI vai descrever o perfil genômico dos paranaenses na busca da medicina de precisão

Foi em um evento em Londrina, em 2023, que conheci o professor David Figueiredo. O cirurgião de cabeça e pescoço, professor do curso de medicina da Universidade Estadual do Centro Oeste do Paraná (Unicentro), atual chefe de departamento, contou uma história grande, mas inspiradora, porque vai além da tentativa de curar doenças que se manifestam no nosso corpo. Esse médico sonha (e vem realizando) um projeto de prever possíveis males por meio da análise do nosso DNA. 

Pronto, sei que veio à sua cabeça que isso não é novo, como surgiu na minha, naquele momento. Basta lembrar a história da atriz Angelina Jolie, quando ela descobriu que tinha uma mutação genética no gene BRCA-1. Diante da informação, ela decidiu retirar as duas mamas e, algum tempo depois, os ovários, de forma preventiva, porque a alteração nesse gene indica alto risco de desenvolver câncer nesses órgãos. E a mãe dela morreu por causa da doença. 

Mas há muita inovação quando o tema é prever para tomar medidas contra diferentes problemas. Foi com essa meta que David Figueiredo se mobilizou para criar o NAPI Genômica. NAPI quer dizer Novos Arranjos de Pesquisa e Inovação. Essa é uma ideia colocada em prática pela Fundação Araucária, agência de fomento à pesquisa científica do Paraná, em parceria com a Secretaria de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (Seti).

David Figueiredo, articulador do NAPI Genômica (Foto/Arquivo Pessoal)

O NAPI Genômica é fruto de uma iniciativa local, em Guarapuava. Segundo Figueiredo, é resultado do sucesso das ações do Instituto de Pesquisa para o Câncer, IPEC, que, na verdade, é uma plataforma de genômica, criada em 2019. 

“Nosso interesse, no começo, era o câncer. Mas entendemos que era possível fazer muito mais do que isso com genômica, inclusive, com uma ênfase muito grande no agro. Este instituto é um ICT1 sem fins lucrativos. Tem como fundadores a Unicentro e a Associação Comercial de Guarapuava, porque, desde o começo, o objetivo era conectar pesquisa e negócio”, explica o médico. “A gente contava, ainda, como sócios, o Hospital do Câncer, que foi reinaugurado ano passado [2023], e o Sindicato Rural. Em pouco tempo, nós tínhamos, claro, na mente que não iríamos fazer genômica com uma ênfase apenas para trazer respostas ou fazer pesquisas só em saúde humana, mas, também, na agricultura, pecuária, alimentos e outras áreas que a gente tivesse interesse”, completa. 

O IPEC se concretizou com uma estrutura física e equipamentos muito robustos ao longo do tempo. Em 2020, no meio da pandemia, com o apoio do secretário de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior do Paraná, Aldo Bona, e, antes mesmo do surgimento do NAPI, o grupo começou a reunir diferentes atores das diferentes instituições de pesquisa do Estado.

“Escrevi para os pró-reitores de pesquisa, enviamos e-mails, ligamos, fizemos contatos e construímos a Rede Genômica, com 200 pesquisadores de diferentes instituições instaladas no Paraná, inclusive da Fiocruz. Tínhamos a iniciativa privada, a Academia e o Estado. Conseguimos construir o que a gente chama de quádrupla hélice: o IPEC, que é uma fundação, um instituto, representa a sociedade; a Seti e a Fundação Araucária caracterizando o governo; o Grupo Jacto, a empresa mais forte envolvida, mas também outras empresas; além da Academia. Pronto, tínhamos, em princípio, o Vale do Genoma, um ecossistema focado em genômica e inteligência artificial. É esse conjunto de forças que vai dar origem ao NAPI Genômica”, logo em seguida, explica Figueiredo. 

O NAPI nasce com o principal objetivo de construir projetos disruptivos2 a serviço da saúde, da agropecuária e do meio ambiente. São 81 pesquisadores de diversas instituições vinculados ao grupo. Parceiros do Centro de Estudos de Genoma Humano, vinculado à USP; do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto – USP; pesquisadores da Faculdade de Saúde Pública da USP, só para lembrar alguns de fora do Paraná. 

NAPI e o Paraná  

Neste momento, o projeto maior do NAP Genômica é o Genomas Paraná, que tem como objetivo construir a base para subsidiar a aplicação do que vem sendo chamado de medicina de precisão no Estado (veja a outra matéria do C² desta semana). Segundo Figueiredo, a medicina trabalhava, no passado, com aspectos intuitivos, baseados somente em sinais e sintomas. Hoje, a medicina é baseada em evidências, agregando a isso a genômica e inteligência artificial. A meta é conseguir construir algoritmos3 ou identificar alguns que permitam trabalhar o diagnóstico ou mesmo a indicação terapêutica e personalizar a medicina.

“O Genomas Paraná vem com a ideia de associar a epidemiologia4 à análise genômica. Isso porque, com base numa amostra de sangue ou de saliva, é possível conhecer registros em todos os nossos mais de 20 mil genes, e predizer se uma pessoa tem risco de desenvolver alguma doença”, explica o doutor David. 

O médico lembra que existem diferentes iniciativas no mundo todo com esse mesmo objetivo de estabelecer uma base genômica da população, bancos de genomas populacionais. A estimativa é que até 2025, 52 milhões de genomas tenham sido analisados no mundo. Porém, quando se olha para esses dados, percebe-se que há poucas referências na América do Sul. Por isso, o NAPI está se debruçando em desenhar uma visão da população do Paraná.

Para ter uma mostra real dos paranaenses, o projeto Genomas Paraná escolheu, em princípio, uma cidade do Estado, Guarapuava. A equipe elaborou um questionário durante um ano, envolvendo diferentes instituições para garantir um instrumento que registrasse a  abordagem socioeconômica, estilo de vida, saúde mental, espiritualidade, histórico de contato, inclusive, com animais. Paralelo a isso, o protocolo define a coleta de amostras de sangue, saliva e fezes. 

Grupo de pesquisadores do projeto Genomas Paraná (Foto/Prefeitura de Guarapuava)
Grupo de pesquisadores do projeto Genomas Paraná (Foto/Prefeitura de Guarapuava)

Os pesquisadores ainda vão colocar dispositivos para analisar a espirometria5, frequência cardíaca, sono e outros parâmetros dos indivíduos que serão estudados, além de determinar a amostra genômica. Em resumo, o projeto conta com o acesso ao prontuário médico desses pacientes e, ainda, com um grande banco de dados clínico e sociodemográfico, que será garantido com a aplicação do questionário. 

“Estamos construindo um grande biobanco não só de dados genômicos, mas de parâmetros físicos. A primeira fase do projeto inclui a entrevista, a coleta de amostra biológica e a extração do material genômico, que é o que a gente está fazendo agora com a população amostral de 4.500, em Guarapuava. Essa etapa custou 3,2 milhões de reais, o investimento do NAP Genômica, financiado pela Fundação Araucária. Incluiu uma campanha de divulgação muito intensa para que a população entendesse o que é o projeto. 

A perspectiva é que a gente consiga fechar esse ciclo neste mês de abril [2023]. O mesmo está sendo replicado numa cidade no estado de São Paulo, Pompéia. Isso foi estratégico porque o parceiro privado é de lá. Mil pacientes é a amostra em Pompéia, que é uma cidade de 20 mil habitantes. A segunda etapa é a mais cara. A etapa de sequenciamento e análise informática, que está estimada em torno de 24 milhões”, anunciou o professor da Unicentro. 

Data Lake

Segundo Figueiredo, a continuidade do Projeto está garantida porque coincidiu com a divulgação do Genoma Brasil, um projeto proposto há cinco anos, que tinha uma estimativa de 240 milhões de orçamento e não aconteceu. No entanto, durante a realização, em Guarapuava, do I Simpósio de Medicina de Precisão, surgiu uma grande iniciativa, em nível nacional. 

“Fizemos um acordo que culminou com a elaboração de uma proposta ao Ministério da Saúde para criar um consórcio acadêmico e construir uma grande rede genômica do Brasil. E foi interessante porque a estrutura de governança foi toda baseada na história do Vale do Genoma, na estrutura que a gente aprendeu a fazer e deu origem, também, ao nosso NAPI. A ideia é cobrir uma grande porcentagem da população nacional em projetos de interesse genômico. Muito provavelmente, teremos recursos  também para, no ano que vem, construir um enorme Data Lake6, de Pompeia e de Guarapuava”, desenha o cirurgião.

A certeza do sucesso da iniciativa surge, porque o projeto nacional ganhou forma. O nome é Genoma SUS e foi lançado no dia 25 de março, em Ribeirão Preto/SP. Oito centros no país vão colaborar com uma rede de captação de dados. Essas informações vão subsidiar a caracterização dos aspcectos genômicos que impactam o processo saúde-doenca da população brasileira. Os centro estão na Universidade de São Paulo (USP), na Universidade Federal de Minas Grais (UFMG), na Universidade Federal do Pará (UFPA), na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), na FIOCRUZ, no Instituto Nacional do Câncer (INCA), além da UNICENTRO e do IPEC.

Serão investidos R$ 90 milhões esse ano, e o projeto deve ser estendido para três anos. A proposta é, em 2024, sequenciar 21 mil genomas, além de estruturar os oito centros, como âncoras, investindo na adequação de equipamentos e treinamento pessoal. “Com isso, vamos atender às diferentes demandas da área de genômica do Brasil: capacitar recursos humanos, subsidiar os cursos da área, cobrindo todas as regiões do país. É um processo que vai além da pesquisa e passa pela educação, treinamento, estruturação organizacional e tecnológica”, comemora Figueiredo.

Segundo o professor David, a lição de toda essa história é a certeza de que o que mais cresce são as inovações que partem de grupos organizados de maneira sistêmica. Para ele,  há pessoas que trabalharam em inovação, que quebraram paradigmas, com um perfil inovador, em ambientes muito específicos, onde há recurso para isso. “Na nossa realidade, o trabalho em time vem mudando muita coisa no país. A ação de vários atores vêm se sobressaindo em relação à inovação individual e quem ganha é a ciência, as empresas e a população brasileira”. Ponto final.

EQUIPE DESTA PÁGINA
Texto:
Ana Paula Machado Velho
Revisão de texto: Débora de Mello Sant’Ana
Arte: Guille Cordeiro
Edição de vídeo: Luiza da Costa
Supervisão de arte: Tiago Franklin Lucena
Edição Digital: Gutembergue Junior

Gostou do nosso conteúdo? Nos siga nas nossas redes sociais: Instagram, Facebook e YouTube.

A pesquisa que mencionamos contribui para os seguintes ODS:

Glossário

  1. ICT – é um Instituto de Ciência e Tecnologia. Trata-se de uma organização sem fins lucrativos e de administrações pública ou privada, com o objetivo principal de realizar e incentivar a pesquisas científica e tecnológica, desenvolvendo soluções que respondam às necessidades da sociedade de maneira inovadora. ↩︎
  2. Projetos disruptivos – são projetos que criam uma nova forma de resolver um problema, desestabilizando as estratégias já consolidadas. ↩︎
  3. Algoritmos ↩︎
  4. Epidemiologia – ramo da medicina que estuda os diferentes fatores que intervêm na difusão e propagação de doenças, a frequência, o modo de distribuição, a evolução e a determinação dos meios necessários à prevenção destes males. ↩︎
  5. Espirometria – é o exame que mede a quantidade de ar que entra e sai dos pulmões. ↩︎
  6. Data Lake – é um banco de dados, de muitos dados. A equipe do NAPI, por exemplo, vai pegar todos os dados de saúde disponíveis em Guarapuava, todos os atendimentos de saúde que a população passou, consultas, exames, e vai construir esse grande lago de dados num ambiente on-line. ↩︎