Precisão vai chegar à Saúde Pública

Paraná agora tem Novo Arranjo de Pesquisa e Inovação que vai ampliar a aplicação da genômica no SUS

A medicina de precisão pode ajudar pacientes de diferentes males ao sequenciar e analisar o DNA desses indivíduos. As informações que surgem desse processo permitem traçar estratégias personalizadas para ele, respeitando não só sua genética, mas utilizando os dados como ponto de partida para tratamentos mais eficientes. Em outras palavras, essa prática ajuda a guiar a escolha de tratamentos e, ainda, a verificar a eficácia ou contraindicações de determinados medicamentos ou protocolos.

Segundo o professor da Universidade do Centro Oeste do Paraná (Unioeste), David Figueiredo, “a medicina de precisão pode ser resumida em 4P, como propõe o doutor Leroy Wood. É a medicina preventiva, que também é preditiva, porque pode adiantar os riscos a partir de operações que leem os marcadores poligênicos1, ou perfil de expressão gênica, que nos associam ao risco de alguns tipos de câncer, por exemplo. A medicina de precisão ainda é  personalizada e participativa. Personalizada porque leva em consideração as características individuais de cada paciente, oferecendo um acompanhamento mais preciso e individualizado. E, por fim, participativa, já que envolve um relacionamento mais próximo do paciente”.

Pensando nesse cenário, Figueiredo ajudou a criar uma Rede Genômica no Paraná. Ele resume a rede como um ecossistema de inovação envolvendo o Estado, a Academia, a iniciativa privada e a sociedade civil organizada. Surgiu a partir do Instituto de Ciência e Tecnologia chamado de IPEC, Instituto de Pesquisa do Câncer. O Instituto é a base tecnológica para o desenvolvimento da área no Estado e deu origem ao Novo Arranjo de Pesquisa e Inovação (NAPI Genômica), coordenado pelo professor David Figueiredo (confira o outro texto da semana do C²). 

Segundo o docente, o principal objetivo é utilizar a genômica a serviço da saúde, da agropecuária e do meio ambiente. São 81 pesquisadores de diversas instituições vinculados ao grupo. Boa parte deles está envolvida, atualmente, no desenvolvimento de tecnologias para a aplicação da medicina de precisão no Estado. 

“Isto é, a medicina baseada em evidências, que agrega, ainda, a genômica e a inteligência artificial. A ideia é oferecer às autoridades de saúde pública subsídios para prever e predizer problemas em escala maior, no Paraná. Por isso, essa Rede Genômica vem crescendo com força”, explica Figueiredo. 

Neste cenário, em  2023, outro grupo se conectou a outro ecossistema: o Novo Arranjo de Pesquisa e Inovação (NAPI) Saúde Pública de Precisão. O coordenador é o pesquisador Fabio Passetti, da Fiocruz Paraná. Ele contou que o NAPI tem como sede o Centro de Saúde Pública de Precisão (CSPP), uma iniciativa da Fiocruz Paraná, do Instituto de Tecnologia do Paraná (Tecpar) e do Instituto de Biologia Molecular do Paraná (IBMP). O CSPP funciona dentro do campus do Tecpar, em Curitiba.

Fabio Passetti na inauguração do Centro de Saúde Pública de Precisão (Foto/Hedeson Alves – TECPAR)

De acordo com Passetti, com o avanço da genômica, é possível não só prever o risco de câncer de alguém, mas tratar esse paciente de forma específica. Porque nem todo tumor é igual, são cânceres diferentes, que ocorrem em pessoas diferentes. Porém, o que mais interessa aos pesquisadores é que também se torna possível olhar marcadores de risco de câncer em uma população e estimar o risco de um grande número de indivíduos desenvolverem, por exemplo, o câncer de pulmão. 

“A medicina de precisão nos permite trabalhar de modo preditivo e preventivo, mais eficazmente. Quando temos as  informações genéticas de um paciente, é possível  que os profissionais de saúde tenham um olhar mais preciso, olhando as particularidades de cada um. E isso, em termos de saúde pública, é muito importante, porque, por exemplo, como a gente aprendeu na pandemia de COVID-19, você precisa ter um olhar especial de um estado da Federação para que, quando tiver uma emergência sanitária, uma emergência de saúde pública, tenha um cuidado focado, um olhar específico”, salienta Passetti, que é bacharel em Ciências Biológicas, pela Universidade Estadual Paulista (UNESP), além de mestre em Bioquímica e doutor em Bioinformática, pela Universidade de São Paulo (USP).

O NAPI

O NAPI Saúde Pública de Precisão tem, então, o objetivo de ajudar os profissionais de saúde a melhorarem o atendimento ao paciente do SUS e estudarem as doenças de causa genética da população paranaense. Com forte foco em biotecnologia e saúde, o Arranjo demorou quase um ano para estruturar uma rede e definir o financiamento da proposta.

Hoje em dia, existe um espaço inteiramente reformado, que está pronto para começar a trabalhar. São 440 metros quadrados, completamente reelaborados. A área foi utilizada para o diagnóstico de COVID-19, durante a pandemia. Ali, foram feitos mais de 10 mil testes da doença, por dia, no auge da disseminação do vírus. 

“O espaço conta, ainda, com um sequenciador [de DNA], que tem uma capacidade nominal de fazer aproximadamente 40 mil exomas2 humanos por ano ou 4,5 mil genomas humanos, por ano”, comemora o biólogo.

Segundo Passetti, o grupo ainda conta com uma ferramenta fundamental, um servidor de computação, chamado Dragen, que consegue fazer análises precisas em um tempo muito, muito rápido. Essa tecnologia vai permitir ao NAPI, então, alcançar seus dois principais objetivos: auxiliar os profissionais de saúde a aprimorar o diagnóstico de pacientes do SUS, empregando o conceito de saúde pública de precisão; e estudar doenças genéticas no Paraná, que tenham importância para o SUS e que não apresentem um diagnóstico conclusivo. 

Neste aspecto, além da participação do NAPI Genômica, a equipe de Passetti conta com a participação de outro NAPI, o Bioinformática, que tem como coordenador Fabio Fernandes da Rocha Vicente, professor da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR).  De acordo com ele, a parceria entre os Arranjos é fundamental. 

“A Bioinformática pesquisa, cria e utiliza métodos computacionais para transformar as enormes quantidades de dados genômicos em informação. Atualmente, é impossível analisar o grande volume de dados sem o suporte da informática.  A Bioinformática é uma área de pesquisa que envolve cientistas de diversas áreas como ciência da computação, estatística, genética, física etc. Cria soluções computacionais para os problemas das ciências biológicas. Por exemplo, programas de computador que descobrem nos dados genômicos padrões associados ao risco de algum tipo de doença, permitindo fazer predições”, explica o professor.

Fábio Vicente, coordenador do NAPI Bioinformática (Foto/Arquivo Pessoal)

Em resumo, então, a bioinformática dá suporte à medicina personalizada, já que permite procurar por padrões nos dados de um paciente em particular. Além disso, os programas de computador é que vão identificar as similaridades e diferenças nos dados,  permitindo tratamentos específicos. “Enfim, a Bioinformática colabora com outros arranjos fornecendo as ferramentas de análise dos dados”, conclui Vicente.

Grupos de pacientes paranaenses que serão estudados

No NAPI Saúde Pública de Precisão os pacientes internados em  UTIs neonatais do SUS terão um olhar especial. A ideia é replicar no Paraná e, pela primeira vez, no Brasil, as iniciativas que buscam antecipar o diagnóstico e o início do tratamento correto de bebês internados neste locais, que não têm diagnóstico conclusivo, por meio do sequenciamento do genoma do recém-nascido e dos pais. Desta forma, é possível diminuir o tempo de internação e, no final das contas, proporcionar uma economia para o sistema de saúde. 

Iniciativas como essas já ocorrem nos Estados Unidos. A pioneira, que já está indo super bem na Califórnia, é o Baby Bear. Existem outras na França, Inglaterra, Alemanha, Japão, China, Bélgica, entre outros países.

“A nossa intenção é justamente implementar isso no SUS, aqui no Paraná. A gente teve uma adesão maciça de todos os hospitais com os quais eu fui conversar e chegamos a uma rede de oito hospitais filantrópicos e públicos com UTI Neonatal. Obviamente, que algum pode ter escapado e nós podemos, eventualmente, trabalhar para incorporar essas instituições, também, no futuro”, anuncia Passetti. Veja as instituições que participam no infográfico abaixo.

Outro público que será beneficiado com as ações do NAPI são os pacientes que necessitam de transplante de medula óssea (TMO) e que são atendidos pelas equipes chefiadas pelas doutoras Carmem Bonfim, do Hospital Pequeno Príncipe, e da Gisele Loth, do Hospital de Clínicas da UFPR . A genômica pode melhorar o processo de diagnóstico de pacientes do SUS com indicação de TMO, garante o grupo do NAPI. Porque, muitas vezes, é preciso tomar decisões de priorização: quais são os pacientes que têm mais urgência de fazer um transplante? A estrutura do NAPI pode realizar os exames que vão embasar esse ranqueamento. 

“O NAPI vai fazer o exoma desses pacientes, um sequenciamento que permite um diagnóstico mais preciso e mais rápido, auxiliando a priorização mais correta das emergências”, explica Fabio.

Segundo Passetti, os hospitais citados acima também atuam no diagnóstico de doenças raras com a mesma dinâmica. “Vimos que essa área precisava melhorar o processo de diagnóstico de pacientes do SUS com suspeita de doença rara”, resumiu o biólogo da Fiocruz. As doutoras Mara Schmitz, do Hospital Pequeno Príncipe, e Elaine Mendes, do Hospital de Clínicas, da UFPR, farão a seleção dos pacientes que precisam do estudo do material genético e encaminharão as amostras para o CSPP para sequenciamento e análise. Essa iniciativa conta com o apoio da sociedade civil organizada, por meio da Associação Paranaense de Doenças e Síndromes Raras, organizada pela Shirley Ordônio.

Outra parceria muito importante para o NAPI foi feita com o Hospital Trabalhador de Curitiba. De acordo com Fabio Passetti, existem dois centros do Brasil que estudam fissuras labiopalatinas: um em Curitiba e outro em Bauru. O grupo da Fiocruz teve a oportunidade de visitar a instituição paranaense e surgiu o movimento de entender melhor as bases genéticas desse fenótipo.

A parceria é com o doutor Salmo Raskin. Será feita a seleção de algumas famílias que têm um desenho muito específico, que é fissura labiopalatina esporádica, quando apenas um membro da família apresenta o fenótipo. A ideia da pesquisa é determinar quais são os aspectos genéticos que determinam o aparecimento da fissura, encontrando o que há de diferente entre o que apresenta a fenda e os que têm o palato perfeito. 

“Neste mesmo rumo, junto com o Hospital de Clínicas da UFPR, vamos fazer uma análise dos pacientes de ataxia cerebelar3. Há a necessidade de se investir no  conhecimento sobre as bases genéticas desta condição. Vamos nos juntar, ainda, a um grupo que oferece um serviço específico no Hospital de Clínicas, da UFPR, em Curitiba. Essa equipe é coordenada pelo doutor Hélio Teive. Ele nos propôs estudar uma série de pacientes que têm ataxia cerebelar hereditária recessiva. Vamos realizar o exoma desses pacientes, dessas famílias, tentar conhecer um pouco melhor as bases genéticas desses pacientes”, explica o biólogo.

Os resultados esperados de todas essas iniciativas do NAPI Saúde Pública de Precisão se resumem em: inovação para o SUS, redução do tempo diagnóstico, redução do tempo de início de tratamento correto e redução do tempo de internação. Esses são aspectos muito importantes para a economia do Sistema Único de Saúde.

“Eu posso dizer que, hoje em dia, com a nossa maturidade, conseguimos vislumbrar alguns problemas e antecipar soluções. Se fosse há quatro anos, talvez não estivéssemos preparados. Mas, agora, eu tenho certeza que estamos prontos. Executamos um projeto inteiro só sobre pacientes que foram infectados pelo novo coronavírus na época da pandemia de COVID-19 e quase mil amostras foram sequenciadas e analisadas. Então, a gente já tem muita experiência de como preparar amostras, sequenciar, analisar, e isso me deixa muito seguro”, declara Fabio.

Por fim, Passetti destaca que o caminho do NAPI foi traçado e segue para contemplar alguns dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), propostos pela Organização das Nações Unidas. Para ele, há uma aderência muito forte ao ODS 3, Saúde e Bem-estar. “As ações do Arranjo contribuem para assegurar uma vida saudável e promover o bem-estar para todos, em todas as idades. Além disso, são provas do pioneirismo do nosso Estado, no campo da saúde pública de precisão e de inovação para o SUS do Paraná”, conclui. 

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Texto:
Ana Paula Machado Velho
Revisão de texto: Débora de Mello Sant’Ana
Arte: Hellen Vieira e Mariana Muneratti
Edição de vídeo: Hellen Vieira
Supervisão de arte: Tiago Franklin Lucena
Edição Digital: Gutembergue Junior

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A pesquisa que mencionamos contribui para os seguintes ODS:

Glossário

  1. Marcadores poligênicos – apontam tendências de doenças a partir de informações genéticas de vários genes associados. ↩︎
  2. Exoma – é a parte do genoma que, efetivamente, reúne informação armazenada nos genes. ↩︎
  3. Ataxia cerebelar – comprometimento do equilíbrio ou coordenação motora, possivelmente devido a danos no cérebro, nos nervos ou nos músculos. ↩︎