Lembra quando nossos professores de geografia falavam sobre a erosão do solo? Bem, se você está cursando o ensino fundamental e médio nesse momento, ou acabou de terminar, tenho certeza que isso está bem fresco na sua memória. Agora, se os seus dias na escola são coisas de um passado meio distante, assim como é o meu caso, hoje, eu te convido para voltar um pouquinho naquele tempo.
Primeiro, vamos relembrar que a erosão é um deslocamento de terra que ocorre pela ação da natureza, como os ventos, o sol e, principalmente, por conta da chuva. Mas, claro, esse processo pode ser acelerado, e muito, pela ação humana. Afinal, as práticas do agronegócio, com os grandes desmatamentos, queimadas, uso excessivo de fertilizantes e tantos outros fatores, contribuem para agravar essa situação.
As principais consequência do processo erosivo são: as perdas de nutrientes do solo, o que reduz a fertilidade e produtividade; o assoreamento de rios e lagos, ou seja, o acúmulo de sedimentos levados pela chuva, elevando o nível desses cursos d’água, causando dificuldade de navegação e enchentes; desequilíbrio na fauna e flora de ecossistemas; deslizamentos de terra; entre outros.
Por isso, quando o assunto era erosão, lembro dos meus professores falando sobre a importância de proteger as matas ciliares em torno dos rios, não plantar apenas uma espécie de vegetal toda vez, mas sim fazer a rotação de culturas, além de deixar o solo sempre coberto, mesmo que seja com os restos dos vegetais. Dessa forma, a terra fica mais protegida das ações naturais.
Nascida e criada no norte do Paraná por uma família de agricultores, sempre consegui ver essas explicações dadas pelos professores bem de perto, o que facilitou guardar esses conteúdos na minha cabeça. Hoje, eu percebo como ter visto isso na prática foi importante pois, não só lembro disso com clareza, mas também tive a oportunidade de perceber como essas ações podem realmente impactar a natureza, algo que nem todas as pessoas que estudaram comigo devem ter visto.
Atualmente, muitos projetos já têm se dado conta da importância de relacionar os ensinamentos da sala de aula com situações cotidianas. Um deles é o Programa Interinstitucional de Ciência Cidadã na Escola (PICCE), que busca com suas ações transformar o ensino de Ciências nas escolas paranaenses, ao reelaborar conceitos e práticas, bem como ao exercitar novas formas de apropriação da comunidade a partir do conhecimento científico.
Um dos objetivos do PICCE é estimular o ensino mão na massa e, para isso, o Programa promove o “fazer ciência” nas salas de aula, por meio da ação de estudantes e de professores para responderem uma pergunta científica. Na primeira etapa do projeto, essas perguntas foram estabelecidas a partir de um conjunto de 16 protocolos, que nortearam as práticas necessárias para a investigação de cada tema estudado.
Após essa primeira etapa, uma série de produtos e produções foram publicados sobre o que foi estudado pelos participantes do PICCE, e tudo está disponível em repositórios públicos para utilização pela comunidade em geral e por professores não participantes do projeto.
Em 2022 e 2023, esses protocolos foram implementados e testados. Um dos assuntos abordados foi o solo, tendo três protocolos associados, o primeiro é o de “Cobertura do Solo” ou “Landcover”, o segundo a “Caracterização da qualidade do solo” e o terceiro “Solos e desastres naturais”.
O terceiro protocolo foi voltado para o estudo das áreas que estão mais predispostas aos desastres naturais, sejam deslizamentos de terra, inundações e/ou erosões, no entorno do ambiente escolar. Além de contribuir para a produção de conhecimentos sobre os solos e desastres ambientais, esse protocolo ainda favoreceu o desenvolvimento de uma consciência crítica dos envolvidos, ao apresentar questões sobre nossa realidade.
No final dos testes, a dinâmica dos protocolos se mostrou bem sucedida. Os docentes avaliaram o envolvimento dos alunos como positivo. Foi indicado que eles gostaram das atividades e de participar de um projeto científico, pois isso fez eles se sentirem importantes e valorizados por estarem produzindo conhecimento. “Os estudantes também mostraram proatividade, participação e engajamento. Alguns professores destacaram que o interesse ocorreu por ser uma atividade diferente e com saída da sala de aula, para realização de atividades práticas dos protocolos”, disse o coordenador do PICCE, Rodrigo Reis, professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR).
Ações como o PICCE são muito importantes de serem realizadas nas escolas. Afinal, é nesse momento que os alunos estão buscando seus interesses para seguirem estudando e escolherem as áreas de conhecimento que querem se dedicar no futuro. Com essas atividades, eles podem ter contato com diversas realidades e, ainda, de forma prática, o que pode influenciar de forma muito positiva nas suas formações.
NAPI Prosolo
Mas, calma aí! Não é só no ensino nas escolas que os professores estão estudando o solo. Sabe quando eu falei sobre erosão, no início do texto? Pois é, o Novo Arranjo de Pesquisa e Inovação (NAPI) Prosolo é especialista neste tema. O principal objetivo da equipe é a elaboração de critérios técnicos para a implantação de práticas de controle da erosão em todo o Paraná, adequados aos tipos de solo e aos manejos e culturas específicas praticadas nas diferentes regiões do Estado.
O NAPI Prosolo surgiu do desenvolvimento de dois projetos, a Rede Paranaense de Agropesquisa e Formação Aplicada (Redeagropesquisa) e do Programa Integrado de Conservação de Solo e Água do Paraná (Prosolo). Essas iniciativas já tinham o objetivo de promover a amenização dos processos erosivos do solo e da degradação dos cursos d’água nos sistemas produtivos. Tudo isso para reduzir perdas econômicas, prejuízos sociais e ambientais no meio rural paranaense.
O Arranjo é formado por instituições de pesquisa e universidades. Os coordenadores do NAPI são: a engenheira agrícola, pesquisadora no Instituto de Desenvolvimento Rural do Paraná – IAPAR-EMATER e professora da Pós Graduação na Universidade Estadual de Londrina (UEL), Graziela Moraes de Cesare Barbosa; os professores e engenheiros agrônomos Cristiano Andre Pott, da Universidade Estadual do Centro Oeste (Unicentro); Neyde Fabíola Balarezo Giarola, da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), Andre Pellegrini, da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR) – Dois Vizinhos; e Edison Schmidt Filho, da Unicesumar.
Atualmente, o NAPI Prosolo atua em cinco mesorregiões do Estado. Confira no mapa quais são os municípios analisados:
Para cumprir com o seu objetivo, uma das ações do NAPI é monitorar a erosão do solo no Estado. O benefício dessa ação está, principalmente, no trabalho para a redução das perdas de solos e seus nutrientes, como o nitrogênio, fósforo e potássio, que são dissolvidos e conduzidos pelas águas escoadas chegando aos corpos hídricos. “Diminuir os processos erosivos, aumenta a produtividade das lavouras e retém a umidade no solo por períodos mais longos, algo positivo para as plantações”, explica a coordenadora Graziela Moraes de Cesare Barbosa.
Além disso, o Arranjo realiza o monitoramento hidrossedimentométrico, que é o estudo do transporte de sedimentos causado pelo movimento da água da chuva no solo, nas mais importantes bacias hidrográficas rurais. A equipe também analisa os parâmetros químicos, físicos e biológicos do solo de cada região, com características distintas e de importância agrícola para o Paraná.
O NAPI também foca em elaborar literaturas técnicas referentes ao tema de sistemas de conservação para redução de perdas em solo e água, em áreas de produção agrícola, além de fomentar a capacitação científica e técnica, e disseminar os conhecimentos acerca do uso e conservação do solo e da água, com os resultados obtidos nas pesquisas.
A professora Graziela Barbosa explica que a causa da erosão dos solos agrícolas e a contaminação das águas acontecem pela falta de práticas conservacionistas. Abaixo, conheça as principais ações que podem ser tomadas para evitar erosões:
A crise climática e o solo
Falando sobre a conservação do solo e da água, não podemos deixar de citar outro fator agravante desse cenário: a crise climática. Período longos de estiagem, como os que temos visto, prejudicam as lavouras, principalmente de grãos. A conservação do solo, por meio das boas práticas conservacionistas, ajuda a manter o solo úmido por maior tempo.
O NAPI Prosolo possui um papel importante diante dessa situação. “O projeto tem como principal característica a aplicabilidade prática e direta dos resultados em atendimento às demandas do meio científico e prestação de assistência técnica aos produtores rurais. Esses resultados demonstram a necessidade de conservar água no solo para disponibilizar as plantas e na recarga dos aquíferos1”, acrescenta a coordenadora.
Os resultados coletados pelos estudos do Arranjo são valiosos tanto para os produtores rurais como para a sociedade. Com estes dados é possível reduzir as perdas de solo, água e nutrientes, aumentando a produtividade do sistema agrícola. Eles também podem estimular a retomada de sistemas mais sustentáveis de produção, fundamentados no uso correto das práticas conservacionistas do solo, o que resulta, ainda, na preservação dos recursos produtivos e manutenção dos agricultores nas suas atividades rurais. “Há também benefício para a sociedade com a redução da contaminação por nutrientes e resíduos de produtos fitossanitários2 nos corpos hídricos e nas bacias de captação de água pela Companhia de Saneamento”, explica a professora Graziela.
Por meio da produção de conhecimentos e de metodologias, bem como o desenvolvimento de novos procedimentos, com devido embasamento técnico-científico, “o NAPI pode orientar o público-alvo quanto às práticas agrícolas a serem adotadas regionalmente; definir critérios para orientar o dimensionamento de estruturas físicas de controle de erosão e estimular a adoção de rotação de culturas nos sistemas agrícolas no Paraná. Dessa forma, haverá redução nos processos erosivos em lavouras agrícolas e dos impactos ambientais nos corpos hídricos e, consequentemente, conservação do solo e da água”, conclui a coordenadora.
Formação e parcerias
A participação ativa de pesquisadores e professores no NAPI contribui, ainda, para a produção e publicação de trabalhos científicos em revistas, apresentações em palestras e resultados em congressos e simpósios, que poderão ser utilizadas como referência para aplicação em outras regiões do Estado ou do país. O projeto também atua na formação de estudantes de graduação e pós-graduação, técnicos do setor agrícola, além de colaborar com os produtores rurais.
Já o envolvimento das universidades e dos institutos de pesquisa no Arranjo permite a sistematização dos resultados, com objetivo de fundamentar a elaboração dos critérios técnicos para a implantação de práticas de controle da erosão em todo o Estado, estudando a dinâmica desse processo e respectivas soluções.
O NAPI também realiza capacitações para todos os seus integrantes por meio de cursos ministrados pelos consultores do projeto, o Dr. Gustavo Merten, da Universidade de Minnesota, nos Estados Unidos, e Dr. Jean Minella, da Universidade Federal de Santa Maria, no Rio Grande do Sul. Para produtores rurais, técnicos e extensionistas, são realizadas capacitações com cursos de pequena duração, dias de campo, seminários e workshops.
Passos futuros
A pesquisadora Graziela Barbosa finaliza contando que, nos próximos cinco anos, além do monitoramento de todos os eventos climáticos e a geração do banco de dados necessários para promover a redução dos processos erosivos do solo e a degradação dos cursos d’água, muitas ações de capacitação e transferência de tecnologia serão repassadas ao principal público-alvo do NAPI: produtores rurais e assistência técnica.
Trabalhos como os realizados pelo PICCE e o NAPI Prosolo, mostram como podemos usar a educação em sua forma prática para resolver problemas enfrentados pelo Estado, fazendo a diferença na vida de quem mais precisa: a população. Vida longa ao solo paranaense!
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Texto: Milena Massako Ito
Supervisão de texto: Ana Paula Machado Velho
Arte: Mariana Muneratti e Hellen Vieira
Supervisão de arte: Tiago Franklin Lucena
Edição Digital: Gutembergue Junior
Glossário
- Aquíferos: toda formação geológica em que se infiltra e se armazena água que pode ser utilizada como fonte de abastecimento. ↩︎
- Fitossanitários: produtos, processos e tecnologias destinados ao controle de pragas e doenças dos vegetais. ↩︎
A pesquisa que mencionamos contribui para os seguintes ODS:
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