Dengue se combate com informação

Tecnologia traduz dados sobre a doença para as secretarias municipais do Paraná

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Informação é poder. Já ouviu essa frase por aí? Pois é! Em tempos de pandemia, vimos que é muito importante conhecer como as doenças ocorrem nas diferentes regiões para contê-las. No Paraná, tem gente cuidando para que dados sobre saúde estejam sempre atuais e disponíveis para as autoridades. 

Pense na quantidade de informações sobre doenças gerada por uma secretaria estadual de saúde, no caso do Paraná, a Sesa. Imaginem quantos funcionários seriam necessários para manter análises atualizadas de ocorrências de doenças como, por exemplo, as arboviroses, como a dengue, nos 399 municípios do estado. Essas análises são importantes para construir os chamados diagramas de controle, gráficos que mostram a quantidade de casos que estão ocorrendo e suas relações com o tempo e com outros fatores regionais.

Em outras palavras, nem sempre é possível fazer, de forma ágil e segura, correlações entre informações importantes sobre uma doença. É complexo entender como os casos ocorrem em um longo período de tempo e ter uma visão geral do cenário de infecções em uma comunidade até a contenção do problema. Não é fácil responder questões como: os números estão de acordo com o que é esperado ao longo dos anos? Há um surto, uma situação de epidemia ou endemia?

Diferença entre pandemia, endemia, epidemia e surto (Arte de John Zegobia)

Diante do cenário acima, nota-se que é necessário lançar mão da tecnologia de automatização de análises de dados. Uma das cientistas que trabalham com essa inovação é a professora Eniuce Menezes de Souza, do Departamento de Estatística da Universidade Estadual de Maringá (DES/UEM). A equipe coordenada por ela desenvolveu um programa de computador que “roda” automaticamente, pesquisando e interpretando informações de uma base de dados nacional. É o ArboviControl.

“A gente tem um programa de pós-graduação em bioestatística (veja definição no final do texto), com o objetivo de colaborar com a sociedade na área da saúde. Trabalhamos muito com dados do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde, o Datasus, analisando informações ao longo do tempo. É o caso do ArboviControl, em que analisamos o que chamamos de dados agregados, quando somamos o número de ocorrências por semana, por mês ou por ano. Isso é diferente de  trabalhar no nível do indivíduo, em que se quer entender porque o paciente tem certas características. Nossas pesquisas são em nível epidemiológico, em um nível de população, na maioria das situações”, explicou Eniuce.

Essa expertise casou como luva com a necessidade das autoridades de saúde do Paraná. Diariamente, a Sesa tem que lidar com planilhas enormes de Excel para analisar e cruzar dados epidemiológicos, um sofrimento enorme. Nos períodos de muitos casos de uma doença como a dengue, por exemplo, é necessário dispor de horas para “fazer contas”, quase que na mão. Pessoas da UEM estavam cientes disso tudo e começaram a costurar uma parceria com a 15a Regional de Saúde, que é responsável pela região de Maringá. 

“Por outro lado, em meio à pandemia, nós do DES estávamos procurando alguém da Sesa que pudesse nos dar acesso aos dados de forma mais fácil, porque é sempre uma luta enorme para conseguir dados atualizados junto às secretarias de saúde. O Datasus disponibiliza dados, sim, mas com dois anos de atraso. A enfermeira Greicy Cezar do Amaral, responsável pela implementação de políticas de educação permanente da Regional de Maringá, costurou a parceria com a universidade com o apoio da Pró-Reitoria de Extensão UEM, e o diretor da 15a Regional, Ederlei Alkamim, abraçou a causa. Entramos em contato com a Sesa e eu mesma comecei a implementar a ideia. Além das estatísticas, da matemática, construí um software que integra as informações e gera análises e relatórios de forma automática. Utilizei a linguagem de programação R, que é aberta, livre”, detalhou a professora da UEM. 

O chamado ArboviControl é um pacote, em que todos os códigos e análises estão embutidos, e que está hospedado no servidor da Sesa. Funciona como se fosse um robozinho, um programa executável que, a cada semana, pega os dados da base de dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) e gera diferentes relatórios. Semanalmente, cada município do Paraná pode entrar lá na Sesa e acessar o seu boletim e ter o panorama de como está naquele período.

Explorando o sistema nacional

O ArboviControl atua na análise e organização de dados do Sinan como foi dito. Esse pacote tem como objetivo coletar, transmitir e disseminar informações geradas rotineiramente pelo Sistema de Vigilância Epidemiológica das três esferas de governo: federal, estadual e municipal. Isso quer dizer que existe uma rede informatizada que dá apoio ao processo de registro de várias doenças que ocorrem no nosso país.

Não sabe o que é epidemiologia? Ouça a explicação da nossa consultora em saúde, Débora Sant’Ana

A ideia é que o Sinan democratize a informação, tornando-a disponível para a comunidade, auxiliando no planejamento das ações de saúde, definindo prioridades de intervenção dos governos, além avaliar o impacto dessas ações. O Sistema é alimentado, principalmente, pela notificação e investigação de casos de doenças e agravos (veja definição no final do texto), que constam da lista nacional de doenças de notificação obrigatória (Portaria de Consolidação nº 4, de 28 de Setembro de 2017). Cada município é responsável por inserir esses dados no Sistema.

Esse conjunto de informações do Sinan sobre as arboviroses é que vem sendo organizado pelo programa de computador criado pela professora Eniuce. O robozinho ArboviControl entra e puxa os dados, em um horário já programado. Essa ação tem como resultado relatórios que são gerados e publicados no site da Sesa. 

No caso do ArboviControl, são gerados um relatório para o Paraná todo, um para cada cada Regional de Saúde, que são 22 ao todo, no Estado, e mais um específico para os 399 municípios, indicando, inclusive, quais bairros estão em situação mais ou menos crítica, de modo a ajudar na tomda de decisão direcionada para os lugares que mais precisam, otimizando o gasto de recursos públicos.

“O programa entra em execução, confere se tem dados novos, se tiver, continua em funcionamento. Se não, deixa o boletim anterior e envia uma mensagem, via Telegram, para a equipe dizendo que não foi atualizado. Tudo de forma automática. A ideia é que a gente não faça nada que tenha que depender de fulano, sicrano. Usamos o que já está no Sinan. Automaticamente, isto é, o software faz tudo sozinho”, explica Eniuce.

Os registros

Os relatórios do ArboviControl trazem mapas e informações das análises da dengue, neste primeiro momento, mas serão disponibilizados para outras arboviroses, em breve, como Zika e Chicungunya. Aparecem campos com os casos notificados, prováveis e confirmados. Também há tabelas descrevendo o ranqueamento dos municípios com mais casos, nas últimas semanas. Aparece a informação de qual é a Regional e o acumulado nas últimas seis semanas e do ano. Nessas tabelas, vão separados os detalhes dos casos autóctonos, aqueles em que a contaminação ocorreu dentro do município, e os importados, além dos óbitos.

As cores utilizadas nos gráficos e tabelas são as mesmas adotadas pelo Ministério da Saúde em seus produtos gráficos. O sistema verifica os valores e, dependendo deles, coloca a cor, quando não tem casos, aparecem asteriscos. Mas o principal nestes relatórios são os diagramas de controle, “a menina dos olhos” dos epidemiologistas, porque são os gráficos que têm o que eles precisam. 

“Nesse material visual, os epidemiologistas podem ver, a partir dos valores históricos, uma média de casos por semana. Exclui-se os anos dos surtos e olham o o comportamento da doença no local ou região. Também é mostrado o limite máximo, entre todos os casos que ocorreram ao longo de um determinado tempo, estimativa que vai ser base para que se considere a instalação de um surto, uma epidemia. Se passar disso, a gente consegue escrever alertas. Aparece a mensagem: ‘os casos confirmados nas últimas semanas, estão dentro dos níveis esperados ou tolerados’. Nível esperado, porque a endemia é esperada em algumas regiões no Paraná, os próprios dados já confirmam uma quantidade controlada de casos, ao longo dos anos, infelizmente”, diz a professora Eniuce.

Modelo dos relatórios produzidos pelo ArboviControl:

Facilitando as interpretações

Para quem tem dificuldade em ler gráficos, as informações que vão escritas embaixo das composições visuais ajudam muito na interpretação e no trabalho dos servidores da saúde. A equipe aponta que uma das inovações do ArboviControl é que ele foi pensado levando em consideração as dificuldades que muitas pessoas têm de decifrar um gráfico. No caso do projeto da UEM, se o leitor prefere texto, ele consegue acessar a informação escrita. Se tem habilidade em ler o gráfico, bate o olho e interpreta sem ter que olhar para a legenda abaixo. 

“Esse é o formato dos diagramas de controle que têm como objetivo verificar e avisar se tem alguma coisa errada e onde. Em breve, a gente vai ter um “mapa de calor” indicando em que localização tem mais ocorrências de dengue, utilizando cores específicas. Se o caso for grave, vai aparecer: ‘dengue grave’, de repente, entre um bairro e outro”, anuncia Eniuce.

Os relatórios ainda trazem um anexo em que estão as chamadas inconsistências e ajustes. Segundo a professora, infelizmente, quem preenche o Sinan, muitas vezes, não tem o cuidado necessário. Erra no momento de inserir as informações. Essas informações destoantes são registradas pelo software: é destacado o número da notificação, o nome da unidade e a data do registro dos sintomas. A ideia é que os municípios façam as correções necessárias, o que dá mais credibilidade ao processo de análise e ao próprio Sinan.

Os relatórios com todos esses dados estão disponíveis para todos os 399 municípios do Paraná em PDF, para que possam ser abertos mesmo em locais sem internet, pelo celular, a qualquer hora e onde a pessoa estiver, mesmo off-line.

“O pessoal da Sesa está encantado, uma vez que é uma inovação para eles, mas a gente não está inventando algo totalmente novo, a gente está juntando de tudo um pouco para tornar uma tecnologia útil. Está certo que tem coisas que a gente usa aqui dentro que o pessoal por aí acaba se batendo, não fazendo da maneira mais adequada, mas enfim, não é uma Eureca”, garante Eniuce, que reconhece, no entanto, a grande relevância do ArboviControl na otimização dos recursos financeiros e humanos para um controle mais efetivo das arboviroses.

Em breve, a professora garante que virão novidades. Haverá a inclusão de metodologias inovadoras em nível internacional, trazendo formas de mostrar a semelhança do comportamento da dengue. Será possível visualizar os municípios que em que a doença ocorre de forma parecida ao longo do ano, além da semelhança com municípios vizinhos, por exemplo. Isso vai facilitar relacionar a dengue mais diretamente com informações ambientais de temperatura, umidade, precipitação etc.

E a proposta da equipe de Eniuce está ganhando o Brasil. Foram realizadas reuniões com as equipes técnicas responsáveis pelo monitoramento da dengue e arboviroses no Distrito Federal, nas quais foi apresentada a metodologia desenvolvida na UEM e possibilidades de adequação às necessidades e realidade do DF. 

Aqui pelo Paraná, as ações entrarão oficialmente em funcionamento dia 26 de novembro, após uma reunião com profissionais de todos os municípios do Paraná. “Estamos na primeira etapa de um projeto bem maior. A expectativa é termos também uma plataforma on-line interativa e um sistema que liga, analisa e disponibiliza desde as informações coletadas em campo até as informações laboratoriais”, contou a professora da UEM. 

Ela, ainda, destacou que o projeto só se concretizou por causa do apoio da bióloga Jociene Pimentel (Sesa/Curitiba), do professor Marcelo Osnar Rodrigues de Abreu, do Departamento de Matemática da UEM e da já citada enfermeira Greicy Amaral, da 15ª Regional. “Para as etapas posteriores, vamos contar, ainda, com alunos e outros professores da UEM e de outras universidades parceiras”, concluiu Eniuce.

Glossário

Bioestatística

É a aplicação de estatísticas na coleta, organização e análise de dados de experimentos biológicos, especialmente em medicina, farmácia, ajudando na interpretação das informações destas pesquisas.

Agravos

São os diferentes danos à integridade física, mental e social dos indivíduos, provocados por doenças ou circunstâncias especiais como acidentes, intoxicações, abuso de drogas e lesões por violências de todos os tipos.

O conteúdo desta página foi produzido por

Texto: Ana Paula Machado Velho
Degravação e edição de áudio: Isadora Hamamoto
Roteiro de vídeo: Ana Paula Machado Velho
Edição de vídeo: Thamiris Saito
Supervisão: Ana Paula Machado Velho
Arte: John Zegobia
Supervisão de Arte: Thiago Franklin Lucena
Edição Digital: Gutembergue Junior


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