Depressão não é frescura, não!

Ignorar os sinais da depressão pode ocultar a necessidade de ajuda profissional e prolongar o sofrimento

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Eu tive meu primeiro computador por cerca de dez anos e, embora ele estivesse velhinho, ainda funcionava bem. Há uns dois anos, no entanto, a performance dele começou a cair, o que criou uma bola de neve de erros, programas travados e frustrações. Eu já não conseguia fazer as tarefas mais essenciais do meu trabalho e do cotidiano, como acessar a internet e atualizar os aplicativos que mais uso. Não teve jeito, tive que trocar de notebook.

Do mesmo jeito que o meu computador começou a apresentar defeitos aos poucos, nós, seres humanos, também podemos começar a perceber mudanças sutis no nosso estado emocional. Às vezes, esses sintomas emocionais são ignorados ou justificados como cansaço, estresse do trabalho, ou até mesmo uma fase ruim. Mas, assim como com uma máquina, chega um ponto em que esses pequenos problemas começam a interferir na nossa vida de forma mais significativa, nos impedindo de funcionar como antes. E, ao contrário de um eletrônico que podemos simplesmente trocar, nós não somos substituíveis. 

É assim que o médico psiquiatra e docente do curso de medicina da Universidade Estadual de Maringá (UEM), Thiago Koiti Kikuchi, explica sobre o quão importante é priorizarmos a nossa saúde mental. “Todos temos dificuldades. Porém, há uma grande pressão social e também pessoal para que seja mantido um alto rendimento no trabalho e em vários outros âmbitos da vida, o que, associado a um velho e cruel preconceito sobre o adoecimento mental, parece nos privar do direito de aceitar nossas fragilidades, tão humanas”, lembra Kikuchi. 

Na imagem, vemos o professor Thiago Kikuchi sentado em uma poltrona. Ele está usando uma camisa social branca e possui barba e cabelo curto escuro. Ele olha diretamente para a câmera e suas mãos estão repousadas no colo, entrelaçadas. A composição da imagem, com iluminação suave e fundo neutro, destaca sua presença de forma clara e profissional
Professor Thiago Kikuchi (Foto/Arquivo Pessoal)

Uma das principais maneiras de quebrar esse tabu é combatendo a desinformação por meio da divulgação científica de qualidade. Apesar dos avanços, em nada tímidos, das pesquisas em psiquiatria, ainda temos resquícios desses preconceitos, especialmente com um dos transtornos mais comuns, que é a depressão.

Equivocadamente vista como fraqueza ou frescura, a depressão é um transtorno de humor multifatorial, ou seja, que pode ser causado pela influência de fatores genéticos, imunológicos e inflamatórios. Além disso, uma hipótese amplamente discutida é a deficiência de monoaminas, que são neurotransmissores como serotonina, noradrenalina e dopamina. Kikuchi nos lembra que ainda não sabemos ao certo se essa deficiência é o que causa ou o que perpetua a depressão. É certo, no entanto, que há uma diminuição na quantidade dessas substâncias no cérebro de pessoas com a doença. Por isso, muitos tratamentos da depressão buscam reverter esse déficit com a ajuda de medicamentos.

Mas se engana quem pensa que a depressão só tem a ver com essas questões biológicas e químicas. “Ao longo da vida, existem inúmeros fatores estressores e ambientais que podem influenciar o surgimento de episódios depressivos. Histórias de violências sofridas na infância, condições socioeconômicas precárias, falta de instrução, a vivência de um luto, perda de um emprego, o diagnóstico de uma doença grave e terminal são exemplos comuns. Se quem passou por esses eventos tem dificuldade em lidar com o sofrimento, poderá haver evolução para um quadro depressivo”, conta o professor.

Este é um infográfico colorido sobre "Depressão: Fatores de Alerta". No centro, há um círculo azul com o título em letras brancas. Ao redor desse círculo, em um fundo rosa, estão distribuídos seis fatores que podem ser sinais de alerta para a depressão. No canto superior direito, fala-se sobre a deficiência de monoaminas, neurotransmissores como serotonina, noradrenalina e dopamina. Abaixo, menciona-se o impacto de diagnósticos de doenças graves ou o término de relacionamentos. No centro inferior, destaca-se a vivência de um luto ou a perda do emprego. No lado esquerdo, o infográfico menciona a violência sofrida na infância e condições socioeconômicas precárias, seguidas de fatores estressores e ambientais. No topo esquerdo, são citadas alterações no sistema imunológico. No canto direito, há um ícone de um rosto triste com nuvens sobre a cabeça, representando o estado emocional ligado à depressão. O design tem bordas verdes, e os créditos "Conexão Ciência | Arte: Hellen Vieira" estão no rodapé.

É justamente por isso que é importantíssimo sabermos a diferença entre se sentir triste e a depressão clínica. Afinal, a vivência da tristeza faz parte de uma vida saudável. Kikuchi nos explica que a afetividade nos permite ter sentimentos que variam tanto para o polo da alegria quanto para o da tristeza. É comum, por exemplo, sentir-se especialmente alegre em situações como a conclusão de uma graduação ou o recebimento de uma boa notícia. Mas, do mesmo jeito, existem vários estímulos internos e externos que podem te deixar cabisbaixo ou cabisbaixa. Pense só: depois de terminar um relacionamento de anos, é normal você se sentir mais triste do que o comum. 

Mesmo vivendo um período de tristeza, ainda conseguimos dar conta das nossas tarefas diárias. Vamos ao trabalho, à universidade, participamos de encontros sociais, cuidamos da nossa higiene e nos alimentamos minimamente bem. De um modo geral, o nosso funcionamento é normal, como antes do episódio que nos causou essa tristeza.

Para classificarmos uma tristeza como patológica, ou seja, para ter o diagnóstico de depressão, ela precisa causar um prejuízo para a vida social, laboral e outros âmbitos pessoais. Isso pode incluir a negligência da higiene pessoal, a ausência ou queda significativa de rendimento no trabalho por um longo período de tempo e o isolamento social, por exemplo. A anedonia também pode ser um sinal de alerta. “Esse termo se refere à uma incapacidade ou diminuição do potencial de sentir prazer em atividades que gostávamos antes”, explica Kikuchi. 

“O diagnóstico da depressão é feito quando a tristeza ou a anedonia é acompanhada de outros sintomas, como alterações no sono e no apetite, dificuldades de concentração, pensamentos de culpa ou de que talvez fosse melhor não estar vivo. É importante lembrar que não são somente esses sinais que caracterizam o quadro clínico. Afinal, cada pessoa pode apresentar sintomas diferentes”, conta o professor, que ainda nos lembra que entender os hábitos do paciente antes do episódio de tristeza ajuda no diagnóstico da depressão. Se o profissional da saúde perceber que houve uma grande alteração no comportamento associada aos sintomas de tristeza e/ou anedonia, como citado anteriormente, as chances da pessoa ter depressão são altas.

A diminuição da volição, que é a função psíquica relacionada à vontade e à motivação, também pode ser um sinal desse transtorno mental. Quando uma pessoa deixa de investir nela mesma e nas suas relações sociais, a volição está extremamente prejudicada. Por exemplo, se ela vai perdendo a motivação para concluir uma graduação e se isola cada vez mais dos seus compromissos e atividades, ela não terá um resultado a longo prazo pelo qual ela possa se empolgar ou esperar. 

Sintomas físicos também podem acompanhar a depressão, como a sensação de cansaço e fadiga constantes. “Quando pelo menos cinco sintomas como os que listamos aqui estão presentes por duas ou mais semanas na maior parte dos dias, o paciente pode ser diagnosticado com depressão. É importante relembrar que, pelo menos um desses sintomas, deve ser a tristeza ou a anedonia”, conclui Kikuchi sobre como o diagnóstico da depressão é feito com base no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM V-TR).

A imagem mostra o livro "Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM V-TR)". A capa do livro é azul, com letras brancas em destaque, indicando claramente o título e a edição. O logo da "American Psychiatric Association" aparece na parte inferior da capa, junto com um selo de autenticidade. O livro tem uma espessura considerável, sugerindo um conteúdo extenso. É uma publicação amplamente utilizada em diagnósticos de transtornos mentais no campo da psiquiatria.
5ª versão do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (Foto/Reprodução)

Uma pessoa pode não perceber que está deprimida porque nunca passou por essa situação antes. Por isso, pode atribuir os sintomas a uma doença física. “Muitas vezes, o paciente nem considera que possa ter depressão e procura a solução para o sofrimento em outras especialidades médicas. Talvez, isso aconteça por um preconceito internalizado em relação ao adoecimento mental. Em outros casos, a pessoa vive em um ambiente com tanta cobrança que ela não se permite sofrer. Não tratar a depressão é um fator de risco muito grande para uma piora significativa do quadro”, explica o professor.

O C² traz algumas dicas de como ajudar um conhecido, amigo ou familiar que possa estar passando por sofrimento mental. Não deixe de conferir o vídeo, que também te relembra dos sinais menos comuns da depressão.

O tratamento da depressão pode ter várias linhas. Em casos mais leves a moderados e a depender da causa, a psicoterapia apenas é muito eficaz. Casos de moderada ou alta gravidade demandam tratamento medicamentoso orientado por um médico psiquiatra, associado à psicoterapia, garantindo a diminuição mais rápida dos riscos e maiores chances de sucesso terapêutico. 

Kikuchi explica que há outras linhas terapêuticas, como a Estimulação Magnética Transcraniana (EMT) e a Eletroconvulsoterapia (ECT), também muito eficazes, porém de pouca disponibilidade. Junto a isso, hábitos e comportamentos saudáveis também atuam como medidas terapêuticas no combate à depressão. Entre eles, estão a prática de atividade física regular, uma boa alimentação, um convívio social saudável e investimentos em si mesmo, como atividades que estabelecem metas e recompensas para o futuro. 

O professor conta que é mais adequado usar o termo remissão ao invés de cura no tratamento da depressão. “Se a causa da depressão de um paciente foi um evento na vida que já foi resolvido, ele pode ter remissão completa dos sintomas e nunca mais deprimir”, exemplifica. No entanto, em grande parte dos casos, a pessoa pode ter uma melhora sintomática mas ainda assim apresentar sintomas residuais. Por isso, os profissionais da área trabalham com o conceito de melhora na qualidade de vida do paciente. 

Em Maringá, a rede de apoio à saúde mental é ampla. As Unidades Básicas de Saúde (UBS) oferecem serviços de psiquiatria e psicoterapia. Há disponível à população, ainda, o atendimento nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS). A UEM também conta com um ambulatório de psiquiatria e uma Unidade de Psicologia Aplicada (UPA). Kikuchi lembra, por fim, que o Hospital Municipal atende casos psiquiátricos emergenciais 24 horas por dia.

Cuide-se!

EQUIPE DESTA PÁGINA
Texto:
Luiza da Costa
Colaboração: Beatriz Angeli
Supervisão de Texto: Ana Paula Machado Velho
Revisão: Thiago Koiti Kikuchi
Arte: Hellen Vieira
Supervisão de arte: Tiago Franklin Lucena
Edição Digital: Gutembergue Junior

Glossário

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