A universidade é feita de gente que estuda, ensina, pesquisa, trabalha e colabora. Indo além, a construção de um ambiente seguro para o sucesso de ensino, pesquisa e extensão também envolve muita coisa, desde investimento até o cuidado contínuo com bens materiais e imateriais.
Quando falamos de laboratórios, é quase impossível colocar em poucas palavras a importância desses espaços! Seja na formação profissional ou no avanço da pesquisa científica, um ambiente de experimentos, análises e investigação é essencial em diversas áreas do conhecimento.
Em 1980, na Universidade Estadual de Maringá (UEM), nascia um desses laboratórios. Implementado pela necessidade de se aprimorar a formação de zootecnistas, o Laboratório de Análises de Alimentos e Nutrição Animal (LANA), ainda é destaque no Departamento de Zootecnia (DZO). Posteriormente, com o início do programa de pós-graduação que acaba de completar 30 anos, o LANA se torna um apoio ainda mais estratégico. Desde então, quase 80% das dissertações e teses desenvolvidas nesse programa passaram pelo laboratório.
As análises ali realizadas são essenciais, tanto no contexto acadêmico, como na prática industrial. Toda indústria de processamento tem um laboratório de nutrição animal, responsável pelo controle de qualidade dos produtos que entram e saem. Para garantir que os ingredientes e os produtos finais estejam dentro dos padrões, o laboratório atua como um ponto de verificação e validação de tais produtos, realizando pesquisas que atestam sua conformidade com os parâmetros estabelecidos.
Ensino e pesquisa
Em relação à graduação, o LANA desempenha um papel crucial na formação dos alunos de Zootecnia, pois integra a grade curricular de maneira prática e aplicada. “A maioria das disciplinas possui uma abordagem teórico-prática, o que permite aos alunos vivenciar atividades fora da sala de aula, em laboratórios como o LANA”, aponta o coordenador do laboratório e do curso de Zootecnia da UEM, Leandro Dalcin Castilha.
O espaço é amplamente utilizado em disciplinas nas quais os alunos realizam análises laboratoriais, que vão desde constituintes químicos e bromatológicos até análises físicas e microbiológicas. O processo envolve também análises sensoriais e técnicas, como a avaliação de cor e estrutura dos alimentos.
Quanto à pós-graduação, focada na área de Nutrição Animal, o laboratório auxilia em pesquisas nas áreas de reprodução animal, sanidade, gestão, bem-estar e comportamento animal, bem como no melhoramento genético. Embora cada uma dessas áreas tenha seu foco específico, Leandro ressalta que a nutrição animal é um fator comum que atravessa todas elas. Não é raro realizar experimentos que explorem a relação entre nutrição e reprodução, nutrição e bem-estar ou nutrição e sanidade. “É quase impossível dissociar a nutrição de todos esses fatores”, afirma o professor.
O laboratório também presta auxílios a uma demanda solidária, abrindo as portas para alunos de outros cursos, como Ciências Biológicas, Farmácia, Medicina e Enfermagem, que utilizam o espaço para complementar suas formações, assim como estudantes de outras universidades da cidade e do estado. O professor Leandro ressalta que, muitas vezes, o LANA acolhe projetos de alunos de fora sem cobrar, absorvendo os custos para que esses estudantes possam ter acesso às metodologias necessárias para o desenvolvimento de suas pesquisas, desde que não interfira na agenda interna.
O leque de itens analisados é vasto, abrangendo ingredientes de origem vegetal, como resíduos agroindustriais – polpas cítricas, resíduos de cana-de-açúcar, resíduos de cervejarias –, até ingredientes de origem animal, como as farinhas animais, compostas por restos de vísceras, penas, sangue e ossos resultantes do abate de frangos. “Tudo que sobra de um abate pode ser transformado em farinha animal, e a gente faz essas análises aqui”, explica o professor.
Além das análises convencionais de rações e ingredientes, o LANA também realiza exames em produtos finais como ovos, carne, leite, mel e até mesmo embutidos derivados. “Tudo o que é orgânico pode ser analisado, até dejetos como urina e fezes, além de tecidos biológicos, vísceras e sangue, embora essas não sejam as análises mais frequentes”, reforça Castilha.
Leandro cita um exemplo curioso de uma análise que acabou se transformando em uma linha de pesquisa: “Já fizemos análises de leite de coelha, algo que inicialmente não sabíamos como fazer. Fomos atrás da metodologia, desenvolvemos a técnica e a partir daí criamos uma linha de pesquisa e começamos a orientar estudantes nesse tema”. Esse espírito de encarar desafios e buscar soluções metodológicas é algo comum no laboratório, que muitas vezes recebe amostras de fora, sem identificação, e precisa realizar análises detalhadas, mesmo sem informações prévias sobre o material.
Esse processo, segundo o professor, é uma prova da qualidade e da precisão dos serviços prestados pelo laboratório. “Quando a metodologia está correta, os equipamentos calibrados e os reagentes puros, o técnico consegue chegar a um resultado apropriado, mesmo sem saber de antemão qual deve ser a referência”, explica ele, destacando a importância da eficiência e da qualidade técnica para o sucesso das análises.
A estrutura
Desde sua inauguração, há 40 anos, pouca coisa havia mudado no laboratório. Ao passo em que sua importância crescia dentro do departamento, a intensa utilização em aulas e pesquisas acelerava o sucateamento. Por conta de burocracias estaduais e de um modelo de prestação de serviços interno, o LANA enfrentava problemas: somente cerca de 15% do que era arrecadado voltava para o laboratório, que continuava a funcionar sem técnicos contratados, com equipamentos sucateados, reagentes caros e muita dificuldade em adquiri-los.
Em 2020, com a pandemia de Covid-19, o laboratório que funcionava todos os dias, até em fins de semana e feriados, ficou fechado por conta de decretos para evitar aglomerações e frear as contaminações. Foi nesse momento que se iniciou, aos poucos, a primeira grande reforma da história do Laboratório de Análises de Alimentos e Nutrição Animal.
Sem contar com verbas públicas, os professores do DZO financiaram com recursos próprios toda a reforma; para a compra de equipamentos, como pincéis, rolos e maquitas1, Leandro investiu seu 13º salário daquele ano na reforma e “passou o chapéu” no departamento. Para citar alguns nomes, o professor Ricardo adquiriu o porcelanato das bancadas laterais, a professora Tatiana comprou tintas, enquanto o professor Paulo deu um bom recurso para compra de materiais, como cimento e areia.
A degradação do ambiente de aprendizagem, com equipamentos quebrados e alguns reagentes indisponíveis, prejudicava diretamente a formação dos futuros zootecnistas. O professor Leandro defende que, apesar das dificuldades, o corpo docente fez tudo que era necessário. “Nós investimos dinheiro privado na instituição pública para tornar o laboratório atrativo, e isso trouxe uma mudança radical na estrutura do LANA. Hoje, é prazeroso trabalhar lá e os alunos gostam ainda mais”, diz Castilha.
Além da reforma física, houve também mudanças no funcionamento do laboratório, como a implementação de um sistema eletrônico de entrada e a instalação de câmeras de vigilância, para a segurança de alunos e pesquisadores que ali trabalham, já que a pesquisa não funciona só em horário comercial. Leandro lembra que, em essência, o zootecnista é um nutricionista de animais, e “um laboratório de nutrição e análise de alimentos é o coração da formação desse profissional, ao nível de graduação e pós. Já não dava para aceitarmos que uma estrutura tão essencial estivesse sucateada”, o professor completa.
Extensão: levando a pesquisa para a sociedade
O LANA tem dado um passo significativo ao expandir suas atividades para além do ambiente acadêmico, com a criação de um projeto de prestação de serviços à comunidade externa. Alguns clientes iniciais já até foram atendidos, mas a expectativa é de crescimento à medida que o projeto avance.
Uma das iniciativas planejadas é a criação de um portal para facilitar o acesso de clientes como empresas e produtores rurais. O site fornecerá todas as informações necessárias, desde o procedimento para envio de amostras até as formas de pagamento. O laboratório trabalhará na criação de um sistema próprio para a gestão de laudos, que serão assinados pelos químicos do laboratório, fortalecendo a credibilidade do serviço.
Os valores cobrados pelas análises são subsidiados, entre 60% e 70% do preço de mercado. Essa diferença reflete a necessidade do laboratório em competir com empresas que têm mais agilidade na entrega dos resultados, já que as análises do LANA podem demorar até uma semana, enquanto em laboratórios privados, os resultados costumam ser entregues em 24 a 48 horas. No entanto, Leandro garante que, em termos de qualidade, o padrão do LANA é equivalente ao oferecido pelos laboratórios comerciais, já que o laboratório realiza testes rigorosos, verificações e contraprovas para assegurar a precisão dos resultados, com métodos constantemente validados.
O projeto também tem um aspecto pedagógico importante. “O aumento da demanda por análises vai gerar mais oportunidades para os estudantes se envolverem com atividades práticas no laboratório, por meio de monitorias, estágios e treinamentos. Isso prepara os alunos para o mercado de trabalho, especialmente para atuar em laboratórios de controle de qualidade, uma área em que há demanda crescente”, aponta Castilha.
Ao refletir sobre o processo de reforma do laboratório, Castilha destacou o esforço coletivo envolvido. Embora a solução não tenha vindo de uma única iniciativa, ela se deu graças à motivação individual dos professores, alunos e técnicos envolvidos. Ele reforça que essa mobilização humana é um exemplo importante para os alunos, mas também expressa sua insatisfação com a necessidade dos docentes desempenharem tarefas que não deveriam ser de sua responsabilidade.
Leandro ilustra essa dualidade com uma experiência pessoal: “Eu aprendi a assentar porcelanato, a passar massa, fazer os arremates, cortar e vim assentar o porcelanato das bancadas em um fim de semana. O lado triste é que isso não deveria ser função de um docente”. Para ele, o trabalho físico realizado por professores, como pintar paredes, reflete uma falha na gestão dos recursos humanos, pois o tempo e as habilidades dos docentes estão sendo desviados de suas funções principais: a pesquisa e o ensino.
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Texto: Guilherme de Souza Oliveira
Supervisão de Texto: Ana Paula Machado Velho
Arte: Marjorie Gracino
Supervisão de arte: Tiago Franklin Lucena
Edição Digital: Gutembergue Junior
Glossário
- Maquita: ferramenta elétrica é usada para cortar, desbastar e serrar materiais como mármore, granito, madeira e azulejo. ↩︎
A pesquisa que mencionamos contribui para os seguintes ODS:
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