Natal solidário com presente feito à mão

compartilhe

Vivemos tempos em que é preciso olhar para o lado, para o outro de maneira cuidadosa. Afinal, a pandemia da Covid-19 mudou o quadro da economia no mundo todo. Pessoas perderam a fonte de renda e muitos entraram para o que a gente chama de economia informal. Por isso, é cada vez mais urgente entendermos o que vem sendo chamado de economia solidária.

Esse movimento é uma forma atender às demandas de Mary da Cruz Magalhães. Ela é de uma família de pessoas “prendadas” e criativas, que se reúnem há anos para fazer crochê e outras atividades artesanais. Hoje, por vários motivos, inclusive, como consequência da pandemia, Mary vive das peças que produz. 

“Essa foi uma maneira de unir o que eu amo fazer com a necessidade de renda. Importante é que temos o incentivo do município para comercializar o que confeccionamos, nas feirinhas de artesanato da cidade”, explica a artesã, que pode ilustrar o que entendemos como economia solidária. 

Esse conceito explica as relações mais “saudáveis” de comércio e consumo. Essas relações abrem espaço para que a produção que vem do trabalho informal possa ser vista e consumida pelas pessoas de uma certa localidade, colocando em circulação recursos que ficam e beneficiam os municípios ou pequenas regiões, e as pessoas que neles vivem.

A artesã Mary Magalhães (Ana Paula Machado Velho)

Essas questões são tema de um dos projetos de extensão que funcionam na Universidade Estadual de Maringá (UEM), localizada no Paraná. O Programa Multidisciplinar de Estudos e Pesquisa Sobre o Trabalho e Movimentos Sociais – Núcleo/Incubadora Unitrabalho é uma iniciativa de extensão (veja definição no fim do texto) que funciona como uma incubadora de empreendimentos econômicos solidários. Na UEM, é atrelada à Reitoria da Instituição e composta pelas professoras Mara Lucy Castilho, do Departamento de Economia; Maria Therezinha Loddi Liboni, do Departamento de Psicologia; Carla Cecília Rodrigues Almeida, do Departamento de Ciências Sociais; e Mônica Regina da Silva Scapim, do Departamento de Engenharia de Alimentos. A equipe também conta com ajuda das alunas Carolina de Andrade Guarniéri, mestranda do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, e Flávia Cunha Pacheco, mestranda do Programa de Pós-Graduação em Psicologia, para promover pesquisas e estudos sobre o mundo do trabalho e movimentos sociais, contribuindo para a organização de pequenos negócios.

Rede nacional

A Unitrabalho, na verdade, é parte de um projeto nacional. Trata-se de uma rede universitária nacional que agrega, atualmente, 92 universidades e instituições de ensino superior de todo o Brasil. Criada em 1996, tem por missão promover a integração entre a universidade e os trabalhadores para o desenvolvimento de projetos que os auxiliem na luta por melhores condições de vida e de trabalho. Essa missão se concretiza por meio da parceria em projetos de estudos, pesquisas e capacitação.

Em todo o país, a Unitrabalho conta com mais de 3 mil empreendimentos, 500 entidades de assessoria, 12 governos estaduais e 200 municípios, que formam a Rede de Gestores de Políticas Públicas de Economia Solidária. “A incubadora da UEM é integrada a essa rede, sendo de extrema importância para a produção e difusão de conhecimentos, bem como no apoio a iniciativas comerciais locais para a geração de renda e políticas de trabalho e sociais”, explica a professora Mara Lucy Castilho, membro da equipe. Ela coordena o Projeto “Incubadora e Unidades de Referência como estratégia no processo de incubação de Empreendimentos Econômicos Solidários (EES) para disseminação de Tecnologias Sociais Sustentáveis nos meios rural e urbano, sob a ótica da Economia Solidária”.

Professora Mara Lucy (Arquivo pessoal)

Mara Lucy lembra que a incubadora é composta por docentes, pesquisadores, técnicos e discentes. Acompanha e apoia os EES, “buscando a junção do conhecimento produzido na Academia ao conhecimento popular. A ideia é contribuir para a geração de inovação social, utilizando tecnologias sustentáveis de baixo custo na busca de melhores resultados para os pequenos empreendedores”.

O apoio se dá por meio do acompanhamento desses empreendimentos. A equipe da Unitrabalho auxilia em todo o processo até chegarem à comercialização e, ainda, assessora as ações administrativas, contábeis e financeiras. Hoje, o grupo acompanha mais de dez empreendimentos de Maringá e região, tanto do meio rural quanto urbano.

Economia Solidária 

Como lema dos processos da Incubadora está a economia solidária. Segundo a professora Mara, ela “é o conjunto de atividades econômicas de produção, de distribuição, de consumo e até de poupança e crédito, organizado e realizado solidariamente por trabalhadores sob forma coletiva e autogestionária. Dentre os princípios da economia solidária, a autogestão se caracteriza pela não divisão entre concepção e execução do trabalho, coletivização dos meios de produção e exigência de processo educativo constante. É uma forma de inclusão social e desenvolvimento territorial à medida que se mostra capaz de gerar trabalho e renda”.

A professora lembra, ainda, que existe uma estreita relação entre a economia solidária e o cooperativismo, já que ambos se apresentam como alternativa para a promoção do desenvolvimento com sustentabilidade, equidade e justiça social. A base da cooperação é a atividade em grupo, uma vez que é em conjunto que os envolvidos aprendem a encontrar saídas para problemas de interesse comum; a cooperação passa a substituir a dominação.

Além das cooperativas, a economia solidária funciona muito bem por meio da organização de Associações. Em Maringá existem por exemplo, 17 entidades deste tipo que dão apoio aos artesãos da cidade paranaense. 

Segundo a professora Mara, o trabalho artesanal promove a socialização, está intimamente relacionado à cultura popular, proporcionando a expressão e a preservação de culturas locais, por meio do trabalho manual que dispensa a utilização de máquinas automatizadas para a criação de produtos, ou seja, faz a transformação da matéria-prima em objetos úteis para o consumidor, se opondo à industrialização em massa.

“O artesanato é frequentemente relacionado à produção familiar, bem como associações e cooperativas que buscam a geração de trabalho e renda e se vinculam a circuitos curtos de comercialização, eliminando os intermediários e propiciando o contato direto do consumidor com o artesão, geralmente em feiras livres. Este contato proporciona a enriquecedora troca de experiências, em que o artesão pode explicar sua técnica de produção, bem como a origem de sua matéria prima e, ao mesmo tempo, ouvir do consumidor sua expectativa a respeito do produto e sugestões de melhorias”, esclarece a coordenadora.

Cultura

Tauani Mauina Alves é uma das artesãs que pensa que, por meio do artesanato que produz, pode mostrar um pouco da cultura dela para as outras pessoas.  Ela é indígena e mora na aldeia Tekoa, em Pinhalzinho, Tomazina, no Paraná. Em suas produções de colares e pulseiras gosta de representar os animais e o grafismo da etnia à qual pertence.

“As peças não são apenas colares, e sim, um pouco de nossa cultura e do nosso ser índio. Por meio de nossos artesanatos, levamos um pouco da nossa mãe terra. Meus colares são inspirados na natureza e nos grafismos que nossos antepassados nos deixaram. Adoro desenhar. Para mim é muito gratificante. E não fazemos só colares, produzimos outros tipos de artesanato, porque essa é a herança dos nossos mais velhos e que temos a obrigação de passar aos nossos filhos. Aliás, não fazemos artesanato sozinhos, mas com nosso grupo”, conta a mãe do Ryan, que a ajuda a comercializar os produtos, colocando o WhastApp dele à disposição 43 9661-3690. Ele avisa que o pai, Leandro da Silva, também anota pedidos pelo Whats 43 99115-1384.

Quem curte o artesanato indígena e quer presentear neste Natal com peças exclusivas ainda pode conhecer outras peças da região como, por exemplo, cestarias de taquara. Elas podem ser usadas para guardar alimentos ou como objetos de decoração. Há modelos muito bonitos na Associação Indigenista Maringá – Assindi, que podem ser adquiridos entrando em contato com a equipe de lá.

Ainda valorizando os argumentos ligados à cultura, o pessoal da Unitrabalho lembra que “a história, os costumes, a cultura e a identidade de uma comunidade podem ser analisadas pelos seus saberes e fazeres”. Assim, o artesanato e a culinária local são formas de se conhecer e apresentar como atrativos turísticos a cultura das regiões que representa. Por isso, com o apoio da Unitrabalho, surgiu o projeto de extensão “Quitutes & Belezuras – A identidade cultural regional refletida na alimentação e no artesanato”.

“O projeto resgata as origens do artesanato, as belezuras, e dos alimentos, os quitutes, resgatando o patrimônio cultural como um conjunto de valores identitários, proporcionando acesso à comunidade local e regional. Como uma das etapas do processo de incubação foi criada uma feira de economia solidária no campus sede da UEM, possibilitando geração de renda para a continuidade do processo de produção. Hoje, essa iniciativa funciona de forma on-line, no Facebook @Unitrabalho UEM e, também, no Instagram Quitutes e Belezuras”, anuncia a professora Mara.

Bananeiras Comidinhas do John Ramiro (Arquivo pessoal)

John Ramiro é o responsável por um dos empreendimentos do projeto, o Bananeiras Comidinhas. Para ele, a Feira de Economia Solidária “é o momento em que nós, produtores, temos mais que a oportunidade de comercializar nossos produtos, e sim, interagir com outros colegas, falar sobre nossos produtos, encontrar novos saberes, entre outras situações que permitem o avanço da nossa formação pessoal e profissional. Essa interação foi interrompida pela pandemia. Sofremos  por perder a nossa renda e o contato humano, por isso, estamos encontrando novas formas de divulgação, que é o espaço on-line. Isso é muito importante para manutenção dos nossos empreendimentos, principalmente, por estarmos protegidos e mobilizando o comercio justo e solidário de forma segura”, declarou John, que começa a voltar a um contato presencial com os clientes. Quem presenteia com quitutes pode chamar pelo bananeira_comidinhas (Instagram e Facebook) ou pelo 44 99996-4784.

Pluralidade

Mas as possibilidades de presentes solidários se multiplicam infinitamente quando pensamos que há diversos tipos de artesanato. Para a equipe da Unitrabalho, a economia solidária prioriza aqueles que reaproveitam produtos, inserindo a reciclagem em seu processo produtivo, desde a reutilização de vidros, madeiras, até o aproveitamento de sobras, como tecidos, linhas etc. 

Vemos isso de forma clara quando passeamos pelas feirinhas de artesanato de Maringá. A ideia é reforçada pela presidente de uma das entidades envolvidas na organização dos artesãos do município paranaense, a Associação Arte & União, Rosangela Aurora Ferreira Olstan. A única fonte de renda dela é o artesanato. Agora, ela e o grupo que representa estão retomando as vendas na cidade, depois de quase um ano e meio longe do público, devido aos decretos de proibição de organização de feiras editados durante a pandemia da Covid-19.

Rosângela disse que, com a organização da categoria, é possível criar a cultura das compras de artesanato e expandir a economia solidária no município. “Além da nossa organização, precisamos do apoio da prefeitura para conseguirmos vender nossos produtos. Isso vem acontecendo com a disponibilização de cada vez mais espaços para que a gente exponha nossa produção e tenha contato com o público”, explica a artesã.

Se você é da região de Maringá, conheça as dicas que Rosângela dá para quem quer encontrar os produtos dos artesãos maringaenses

🎧 Dicas das feiras

Enfim, o que a Unitrabalho prega é que o cooperativismo e a economia solidária são capazes de promover trabalho digno e decente, com inclusão e justiça social, geração de renda e respeito ao meio ambiente, além de fomentar o desenvolvimento local com autogestão, emancipação e autonomia. “Daí a importância de o país investir efetivamente em políticas públicas que promovam e beneficiem o cooperativismo com viés econômico solidário, a fim de termos trabalhadores, principalmente os mais vulneráveis, como mulheres e jovens, fortalecidos e contribuindo ativamente para o crescimento social e econômico do Brasil”, reforça Mara Lucy.

Assim, neste fim de ano, em que vemos a amenização dos efeitos de afastamento social da pandemia, queremos, aqui, mandar o recado da artesã Mary, que apareceu no princípio do texto. Ela, que começou a fazer artesanato com a família aos 8 anos de idade, sabe a intensidade de paixão e amor que cada uma das peças feitas de forma única, por mãos e por corações habilidosos, pode significar na vida de quem ganha um presente artesanal.

“Cada um destes pontinhos é feito com o coração. Envolve muito sentimento. Neste Natal, em que a gente está se recuperando de tanto sofrimento causado pela pandemia, um presente recheado de carinho pode fazer a diferença. Não só para quem recebe, mas para que o preparou, já que artesãos sofreram muito com a suspensão das vendas. Pense nisso e leve um pouco deste afeto para o nosso mundo, que precisa resgatar a luz e a paz. Um feliz Natal a todos”!

Glossário

Autogestão – é a administração de um empreendimento pelos seus participantes, em regime de democracia direta. Não há a figura do patrão, mas todos os empregados participam das decisões administrativas em igualdade de condições.

Equidade – Enquanto a igualdade busca tratar todos da mesma forma, independentemente da sua necessidade, a equidade trata as pessoas de formas diferentes, levando em consideração o que elas necessitam. 

Extensão – É a forma de articulação entre universidade e sociedade por meio de diversas ações. As ações estendem a universidade para além dos seus muros, interagindo com a comunidade, visando à troca de saberes.

O conteúdo desta página foi produzido por

Texto: Ana Paula Machado Velho
Degravação e edição de áudio: Isadora Hamamoto
Roteiro de vídeo: Ana Paula Machado Velho
Edição de vídeo: Thamiris Saito
Supervisão: Ana Paula Machado Velho
Arte: Murilo Mokwa
Supervisão de Arte: Thiago Franklin Lucena
Edição Digital: Gutembergue Junior


Receba nossa newsletter

Edição desta semana

Artigos em alta

Descubra o mundo ao seu redor com o C²

Conheça quem somos e nossa rede de parceiros