Educação infantil: formando os futuros cidadãos

Falta de políticas públicas e pouco reconhecimento são desafios enfrentados pelos profissionais que atuam na primeira etapa da educação básica

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É até clichê falar que os professores são extremamente importantes para a sociedade. Esses profissionais, além de compartilharem seus conhecimentos e contribuírem com a nossa formação, acabam marcando nossa trajetória acadêmica. Tenho certeza que todos nós guardamos com muito carinho, pelo menos um professor ou uma professora, que foi marcante na nossa vida. 

Para Mariana Muneratti, ilustradora do Conexão Ciência – C², essa memória é de uma professora de artes que teve no Ensino Médio. “Ela tinha uma abordagem muito diferente do que eu conhecia antes. Conseguiu aproximar a arte da minha vida e em outros campos, para além de ser esteticamente bonito. Foi aí que eu escolhi ser professora de artes também, para poder aproximar o conhecimento das outras pessoas de uma forma que seja efetiva, que tenha significado e, assim, mudar a vida delas”, conta a artista. 

Com o sonho de ser professora, Mariana está cursando o terceiro ano de Artes Visuais, na Universidade Estadual de Maringá (UEM). Foi só nesse ano, 2024, que ela teve um gostinho da vida docente, com a disciplina de Estágio Supervisionado. A estudante começou sua experiência na educação básica, lidando com os alunos de 2 anos.

Mariana Muneratti (Foto/Arquivo Pessoal)

Antes de entrar na universidade, Mariana conta que, em sua cabeça, o maior problema que iria enfrentar era lidar com as crianças ou os adolescentes, em uma questão mais relacional. E, depois de começar a licenciatura, percebeu que os desafios são muito maiores. “Entra toda a parte de como é organizado, o que é necessário para um plano de aula, tudo o que você precisa se fundamentar para além da organização de cada escola. Por exemplo, às vezes, não chega material. Você aprende que além do tempo de sala de aula, você precisa se dedicar fora, para a montagem de planejamento, falar com os pais. Então, é uma demanda muito maior do que eu pensava”, conta Mariana.

Para a disciplina, a estudante precisa cumprir 50 horas de estágio, que são divididas entre  observação, regência1 e atividades extracurriculares. Por isso, ela está tendo muito contato com as crianças da educação infantil. “Na observação, é muito gostoso, mas também é cansativo, por mais que seja só uma vez na semana. Além de ser muito barulho, as crianças estão se desenvolvendo, então, acaba que você tem que estar ali, no meio de tudo isso, com elas correndo, tendo que lidar com as emoções, e você tem que mediar a situação”, acrescenta a ilustradora. 

Educação infantil

Quem conhece muito bem os desafios do ensino infantil é a professora do Departamento de Teoria e Prática da Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação da UEM, Heloisa Toshie Irie Saito. Formada em pedagogia, com mestrado em Educação, pela UEM, e doutorado e pós-doutorado, pela Faculdade de Educação, da Universidade de São Paulo (USP), a professora sempre se dedicou à educação infantil. Trabalha com pesquisas no âmbito dos fundamentos desse nível de educação e sobre a questão da prática pedagógica e do processo de formação de professores.

Professora Heloisa Toshie Irie Saito (Foto/Arquivo Pessoal)
Professora Heloisa Toshie Irie Saito (Foto/Arquivo Pessoal)

Movida pela necessidade de ter um grupo para discutir questões sobre o que mais a interessava na educação infantil, a professora, por meio da Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação (PPG) da UEM, cadastrou o “Grupo de Estudos em Formação Docente e Práticas Pedagógicas na Educação Infantil” (GEFOPPEI), no Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), em dezembro de 2017, para iniciar os trabalhos, efetivamente, em 2018.

Coordenado pela professora Heloisa, o Grupo tem como propósito pensar as organizações da prática pedagógica e o processo de formação de professores na educação infantil, produzindo várias pesquisas, a partir dessas duas grandes temáticas. Fazem parte da equipe os orientandos de mestrado, de doutorado, de Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), do Programa de Iniciação Científica Jr. (PIC) e do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC), além de professores da rede pública e privada, que trabalham na educação infantil, em Maringá e região.

Os encontros do Grupo acontecem mensalmente, de forma presencial, na UEM. A equipe elenca alguns materiais que servem de base para os estudos, como textos, e todos os participantes têm a tarefa de fazer a leitura desses materiais, trazer questões, comentários para fomentar uma discussão.

Encontros mensais do GEFOPPEI (Foto/Instagram GEFOPPEI)

Participação ativa

Em busca de, realmente, trazer melhorias para a educação infantil, o Grupo possui participação ativa no Movimento Interfóruns de Educação Infantil do Brasil (Mieib), uma articulação nacional e suprapartidária que atua desde 1999 em defesa do direito à educação pública, gratuita, laica, inclusiva e de qualidade social para todas as crianças de 0 a 6 anos. O braço do Movimento no Estado é o Fórum de Educação Infantil do Paraná (FEIPAR), que tem o intuito de discutir pautas da educação infantil estadual e levar essas demandas para o nacional.

Existem vários agrupamentos do FEIPAR espalhados pelo Estado. Na região de Maringá, as professoras Heloisa Toshie Irie Saito e Lucinéia Maria Lazaretti, da Universidade Estadual do Paraná (Unespar), de Paranavaí, coordenam o GT Pirapó, que é um grupo do Núcleo Regional de Educação de Maringá. Elas atuam promovendo as ações nessa região e levando ao fórum estadual, que, por sua vez, leva ao fórum nacional, uma ação bem integrada.

Então, além de ser um grupo de pesquisa que pensa a educação infantil, o GEFOPPEI atua no movimento social. “Nós entendemos que não basta apenas fazermos pesquisas na área. Se nós não nos movimentarmos em prol da educação das crianças pequenas, tentando cobrar os direitos delas, a efetivação daquilo que está em lei, pensar a questão da formação dos professores que trabalham com essas crianças, as mudanças não acontecem”, acrescenta a coordenadora do Grupo. 

A professora entende que essas ações fortalecem o Grupo de Estudos, que não fica restrito apenas à universidade. “Nós levamos tudo aquilo que a gente pesquisa, seja na graduação ou na pós-graduação, para essas demandas e cobranças em nível estadual e nacional. Eu acho que o Grupo, também, é uma oportunidade de olhar as vivências que os diferentes professores da educação infantil têm nos seus campos de atuação, trazer para que nós possamos investigar e elucidar aquilo que estudamos em teoria. Isso ajuda a compreender e levar outras possibilidades de ação para as crianças pequenas, sejam elas da creche de 0 a 3 anos ou da pré-escola de 4 a 5 anos”, afirma. 

Primeira fase da educação básica

Mas, afinal, o que é educação infantil? Confira a definição, de acordo com os artigos 29 e 30 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB).

Por se constituir como a primeira etapa da educação básica, a educação infantil é a entrada da criança em um espaço institucionalizado. Na compreensão da professora Heloísa, essa não é uma fase preparatória, pois não se trata de alguém que vai se tornar uma outra pessoa. No momento que a criança está na educação infantil, já está sendo protagonista do processo de constituição pessoal e de desenvolvimento humano.

A educação infantil é um espaço de aprendizagem e de possibilidades para as crianças conhecerem a si e o mundo. Essa é uma etapa do processo de educação muito importante para ela poder adentrar no cenário social, estabelecer relações com os outros, entender como a sociedade se organiza, descobrir porque que ela precisa aprender coisas e de que forma pode se aproximar daquilo que o homem foi elaborando ao longo do tempo histórico. 

Esse também é um momento delicado, já que as crianças precisam aprender a lidar com a ausência da família, porque, como elas ainda são muito pequenas, precisam desse cuidado mais físico. Por isso, cabe ao professor da educação infantil mostrar para as crianças que existem outras vivências necessárias para ser um sujeito social, histórico, comprometido e crítico. “Nesse sentido, a educação infantil é muito relevante para o processo de constituição humana do sujeito, porque permite que a criança compreenda questões que estão para além do universo familiar”, acrescenta a pesquisadora. 

Por outro lado, também é muito importante o estabelecimento de uma relação entre a família e a escola nesse processo da entrada da criança na instituição educativa. Esse papel é desempenhado em uma via de mão dupla, com a família dialogando com a instituição e vice-versa. Essa conversa é necessária para conhecer quais são os objetivos pedagógicos e como a família pode colaborar nesse andamento, potencializando toda uma rede de condições para que essa criança se desenvolva. 

“Nós precisamos ter esse entendimento de que a criança não é uma no espaço da educação infantil, outra em casa e outra na igreja. Ela é um sujeito integral nos diferentes espaços que vivencia e que, portanto, os responsáveis por ela nesses locais distintos precisam estar relacionados, pensando no bem dela em termos cognitivos, físicos, psicológicos e sociais. A criança precisa ter essa ação conjunta das diferentes redes, para que ela tenha um respaldo da sociedade e possa se desenvolver”, explica a professora. 

Os professores da educação infantil e a formação continuada 

Uma realidade triste enfrentada pelos docentes que atuam na educação infantil é o pouco reconhecimento da sociedade. Muitas pessoas entendem que quem trabalha nessa área é um profissional menos qualificado por cuidar de crianças pequenas. Porém, não é bem assim. 

Professora da educação infantil em sala de aula (Foto/Reprodução Amber Sistemas)

É importante entender que o profissional que atua na educação infantil precisa ser tão bem formado quanto qualquer outro profissional de outras etapas educativas. Por isso, o processo de formação de professores precisa permitir a esse docente olhar para a sua prática pedagógica e refletir constantemente sobre isso, para pensar em possibilidades de avançar em relação à organização dessa prática. 

Estar com as crianças da educação infantil não é apenas cuidar, mas sim, pensar em questões pedagógicas que articulem o cuidar e o educar, de modo a trazer para elas bagagens culturais que possam favorecer o pensar, o aprender, proporcionar um outro olhar para o mundo e para si próprio.

“Eu defendo que a formação de professores para educação infantil precisa ser uma formação alicerçada, principalmente, na formação inicial, na formação continuada e nas demandas que esses professores têm nos espaços que eles trabalham. Porque, se a gente faz uma formação geral que não incide nas necessidades desses professores, não fará diferença para reorganizarem a prática pedagógica deles”, afirma a professora.

Desafios na educação infantil

Além da questão da formação dos professores, a educação infantil enfrenta outros desafios, que envolvem questões de falta de políticas públicas e o não cumprimento dos direitos das crianças, que são, muitas vezes, burlados, por elas serem pequenas e não terem poder de fala. Abrangem, ainda, as salas superlotadas, turmas com crianças com necessidades educativas especiais sem professores de apoio ou com esses profissionais não conseguindo fazer uma inclusão adequada das crianças. “Dá para pensar em N desafios”, diz a professora. 

Grupo de Estudos em Formação Docente e Práticas Pedagógicas na Educação Infantil (Foto/Instagram GEFOPPEI)

Para melhorar a educação infantil, Heloisa Toshie Irie Saito conta que é preciso ter uma soma de fatores, tanto gerais quanto particulares, como, por exemplo, existir uma articulação das diferentes redes de apoio à criança, como: a Instituição Educativa, o Conselho Tutelar, o Ministério Público, entre outros, envolvidos em prol de uma educação que, realmente, seja organizada e não fragmentada.

“Eu gostaria de acrescentar a importância de os professores que atuam nas diferentes redes públicas e também privadas, estarem junto conosco nesse movimento social. Porque, reclamar é fácil. O difícil é nos unirmos enquanto sociedade e cobrarmos dos nossos governantes, ações que realmente sejam efetivas para uma alteração daquilo que está posto enquanto realidade. Ou seja, que esses professores também se tornem mais politizados, que olhem para as ações dos fóruns e para as pesquisas da universidade com mais comprometimento. Não vejam a Academia como alguém que está lutando contra, mas como quem está junto com eles, colaborando para a conquista de melhores condições de trabalho. Então, eu convido esses professores a estarem conosco nos movimentos de educação infantil”, finaliza a professora com o convite.

O C² aproveita essa oportunidade para destacar que 25 de agosto é o Dia Nacional da Educação Infantil. Essa data foi escolhida por ser o dia em que nasceu a médica pediatra e sanitarista, Zilda Arns. Ela dedicou a vida ao trabalho assistencial para crianças. Momento ideal para pensarmos sobre a importância da educação na infância!

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Texto:
Milena Massako Ito
Revisão: Ana Paula Machado Velho
Arte: Mariana Muneratti
Supervisão de arte: Tiago Franklin Lucena
Edição Digital: Gutembergue Junior

Glossário

  1. Regência – Parte da disciplina de estágio supervisionado em que o estagiário assume a sala de aula. ↩︎

A pesquisa que mencionamos contribui para os seguintes ODS:

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