Muitos podem pensar que essa não é a forma usual ou ideal para escolher a graduação e qual carreira seguir, mas acreditem, funciona, sim, na grande maioria dos casos. E aqui temos um exemplo em que a sorte é o encontro da dedicação com o talento e vocação.
Na infância, Érika era uma menina muito dedicada e curiosa, com manifesto interesse pela ciência. Filha mais velha de quatro irmãos, a educação sempre foi prioridade para a família.
Aos 17 anos deixou a família com quem morava, em Curitiba, para estudar na Universidade Estadual de Maringá (UEM) e viver no interior. “Foi preciso a desistência de três pessoas para que entrasse no curso, sendo fisgada na repescagem”, disse Érika, lembrando da angústia da espera, pois fazer cursinho mais um ano não estava nos seus planos.
Quem conhece e acompanha a carreira de professora, pesquisadora e cientista da UEM, Érika Seki Kioshima Cotica, desde 2013, sabe do compromisso com a sua profissão de fé que é a pesquisa científica.
O que poucos sabem é que, neste período, Érika foi capaz de conjugar esforços e energias para realizar outro sonho que permaneceu latente: construir a própria família. E um dos maiores e mais caros exemplos de vida vem de sua mãe, Lauraci, mulher forte e obstinada, que deixou a carreira no Magistério para cuidar dos quatro filhos ainda pequenos.
Historicamente, o curso de Farmácia sempre foi composto, em sua maioria, por mulheres. Então, foi muito natural que outras tenham tido forte influência na vida acadêmica de Érika. Na graduação na UEM, foi a professora Terezinha Inez Estivalet Svidzinski. Graças ao seu estímulo e orientação, Érika foi direto para o doutorado em Microbiologia e Imunologia, na Universidade Federal de São Paulo, em 2009.
Durante toda graduação, priorizou as atividades de laboratório, com uma intensa participação no PET (Programa de Educação Tutorial) e tudo que envolvia análises clínicas. “Mesmo sendo uma aluna mediana na graduação, a professora Terezinha viu uma potência e um desejo pela pesquisa e me motivou a seguir esse caminho”.
Já no doutorado, foram seis anos morando em São Paulo e convivendo com outras seis mulheres de várias partes do país em uma república. “A gente brincava que era a casa das sete mulheres”, lembra dando uma gargalhada. Nesse período, a colega de curso Patrícia Xander, que já morava na capital, fazia parte do grupo e a acolheu com aquele cuidado e carinho que só quem tem amigos de faculdade sabe.
Érika recorda que, no final do doutorado, os desafios eram muito grandes e estava bem desmotivada a continuar. Foram muitas as dificuldades, desde a distância da família até sobreviver com uma bolsa de 700 reais. “Até hoje, nem sei como consegui!”.
Mas o que vem a seguir explica, em parte, o que a fez continuar. Érika retoma contato com Leandro, um colega da época da graduação na UEM, que conheceu durante a participação no PET de Informática, que hoje é seu marido e pai da Beatriz e Felipe.
Determinada a perseguir seu sonho, Érika partiu para um estágio pós-doutoral na Universidade de Brasília, no Departamento de Biologia Celular, atuando nas áreas de biologia molecular de fungos patogênicos e expressão heteróloga de proteínas recombinantes. Foi na capital federal que se conectou com a professora e supervisora do pós-doc Maria Sueli Felipe, mulher de personalidade forte, guerreira e que é sua parceira até os dias atuais. Junto com a professora Terezinha da UEM, a Sueli foi fundamental para definir os rumos da pesquisa e o campo de atuação. “São duas mulheres, junto com minha mãe, que me inspiram em todos os sentidos da minha vida”.
Em Brasília, as coisas melhoraram. Érika já tinha uma bolsa melhor, uma direção de pesquisa definida e um parceiro de, digamos, ‘aventura’ no sonho de construir uma família. No final de 2009, Leandro conseguiu transferência para uma unidade do Banco do Brasil e lá foram os dois viver no planalto central.
Foi quando surgiu um concurso para professor adjunto da UEM e ela decidiu fazer, sendo aprovada em 2010 para ministrar as disciplinas de biotecnologia aplicada à Saúde e Micologia Médica na graduação. Mas não havia previsão de contratação imediata, talvez 2012, 2013.
Instigada pela mentora Sueli, em 2012 Érika pleiteia e consegue um estágio de pós doutoramento no LORIA (Laboratoire Lorrain de Recherche en Informatique et ses Aplications) na França, na área de modelagem molecular e varredura virtual com foco no desenvolvimento de novos antifúngicos. “Tudo organizado para morar dois anos fora e a UEM resolveu me chamar dias antes de embarque”, conta. O estágio na França aconteceu, mas de apenas quatro meses e, segundo Érika, foi muito produtivo.
Mas o melhor estava por vir. Ao assumir o cargo na UEM, agora do outro lado do balcão como professora, Érika se vê no que atualmente chamamos de a ‘tempestade perfeita’. Mesmo diante dos novos desafios profissionais, seja como mulher, docente, pesquisadora, filha, esposa, agora ela seria mãe. “Eu queria muito ser mãe. Era algo muito claro prá mim e para as pessoas mais próximas. Por isso consegui administrar todas as demandas”.
E assim tem sido até hoje aos 41 anos, já com planos de futuro para novas pesquisas quando a pandemia arrefecer, os filhos crescerem, seja lá o que acontecer.
Biossegurança
Atualmente, Érika é coordenadora adjunta do Programa de Pós-graduação em Biociências e Fisiopatologia (PBF/UEM) e representante do Centro de Ciências da Saúde, no Comitê Assessor de Bolsas de Iniciação Científica – CABIC. Também é membro do Comitê de Ética no Uso de Animais em Pesquisa e coordenadora da Central de Tecnologia em Saúde (CTS/COMCAP) e tem importantes pesquisas em desenvolvimento sobre dengue, zika e chikungunya.
Na pandemia, os protocolos foram alterados para garantir segurança aos alunos, que passaram a desenvolver projetos remotamente. No começo do isolamento, especialmente, foram as revisões da vasta literatura que já tinha sido produzida sobre o Sars-Cov 2 no mundo, que foi atualizada em tempo real devido à gravidade e letalidade da Covid-19.
Ainda em 2020, o grupo de pesquisa divulgou um estudo sobre a eficácia das máscaras para conter o contágio, além de atualizar as informações com os avanços obtidos pelo campo científico no tratamento da doença. “A pandemia foi a oportunidade de ampliarmos nossos horizontes de pesquisa, formalizando parcerias que antes eram impensáveis. E vamos continuar nessa linha colaborativa”, aposta.
Agora, com maior conhecimento, os projetos prescindem de financiamento para dar prosseguimento às pesquisas. Em parceira com a professora Tânia Nakamura, Érika conta que em breve a UEM terá o primeiro laboratório de biossegurança (NB-3), graças à aprovação de um projeto da UEM, apresentado Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) para viabilizar essa estrutura, ainda inédita no interior do Paraná
E é como Érika disse a um amigo que perguntou como ela conseguiu trabalhar e produzir tantos artigos em apenas oito anos de docência, maternidade e laboratório: “Não sei como eu faço isso!” Mas ela sabe, na verdade. “A sociedade precisa valorizar a ciência e as mulheres cientistas”. Precisamos, sim. Urgentemente.
Confira a primeira temporada do podcast “Donas da ciência”, e ouça a história da Érika contada por ela mesma
Donas da Ciência – T1 E1 – Érika Seki Kioshima Cotica – Conexão Ciência C²
O conteúdo desta página foi produzido por
Texto: Silvia Calciolari
Arte: Murilo Mokwa
Supervisão de Arte: Tiago Franklin Lucena
Edição Digital: Gutembergue Junior