Assim como juntamos peças coloridas de um quebra-cabeça para criar uma imagem completa, o entrelaçar saberes envolve combinar conhecimentos para obter uma visão mais ampla. É exatamente isso que o projeto de extensão “Literatura e Escrita (Terrinha do Conhecer)” busca realizar.
Desenvolvido pela turma de Letras Português e Espanhol, da Universidade Estadual do Norte do Paraná (UENP), no campus de Jacarezinho, o projeto está se moldando para ser concretizado neste semestre. Ainda que o nome possa sofrer alterações, a determinação de realizar o projeto permanece constante.
O objetivo principal do projeto é proporcionar o conhecimento das principais obras da literatura infanto-juvenil por meio de leitura orientada e aulas práticas focadas nas temáticas abordadas pelas ciências sociais e ciência política, tendo como alvo crianças, adolescentes e adultos. A intenção é levar o projeto até a Escola Itinerante Valmir Motta de Oliveira, onde, aliás, João Victor De Campos Meireles da UENP, que também está envolvido no projeto, foi aluno durante um bom tempo.
Crianças que vivem em acampamentos temporários ou assentamentos rurais, frequentemente testemunhando mobilizações, são chamadas de “Sem Terrinha” pelo próprio Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), João Victor foi uma dessas crianças e até o ano passado era um aluno do movimento. Sobre o projeto em que João participa, é interessante pensar nele em diferentes escolas, mas já imaginou fazer isso em uma escola que se move, que não fica sempre no mesmo lugar? Essa era a escola em que João frequentava, uma escola itinerante.
Vivenciando a Educação Itinerante: um olhar de dentro
Nos acampamentos do MST, a ocupação de terras consideradas improdutivas assume um papel mais profundo do que uma simples reivindicação territorial. Essa ação é o ponto de partida para um processo abrangente, que contém a formação de grupos familiares, trabalhos de base e conscientização coletiva. Nesse contexto, surgem as escolas itinerantes, espaços educativos que não apenas se deslocam, mas, também, transcendem os limites físicos para se tornarem alicerces da luta por direitos e Reforma Agrária.
Um exemplo desse cenário pode ser encontrado em Jacarezinho, cidade do norte pioneiro, onde a Escola Itinerante Valmir Motta de Oliveira não só se encontra no acampamento Companheiro Keno dentro da ocupada Fazenda Itapema, como, também, nutre a relação profunda entre educação e comunidade.
Importante ressaltar que as Escolas Itinerantes e os acampamentos do MST têm o costume de homenagear os militantes que já não estão presentes em vida, reconhecendo não apenas aqueles diretamente ligados ao movimento, mas os defensores de outras causas. Assim sendo, o nome Valmir Motta, conhecido como Keno, é de um militante que desempenhou um papel significativo dentro do movimento. Ele foi assassinado à queima-roupa dentro de uma ocupação.
Mas, afinal, você sabe o que é uma escola itinerante?
Embora tenha explicado o básico anteriormente, sempre é bom ressaltar a essência do termo que reside em sua mobilidade, mas essas escolas são mais do que isso. “Escolas Itinerantes” são projetadas para se deslocarem conforme a necessidade, devido aos riscos de despejo que frequentemente acontecem em áreas ocupadas por eles. À medida que a escola se estabelece em um assentamento (territórios conquistados, antes improdutivos, que foram transformados em lares e locais de trabalho para as famílias camponesas), e se torna uma estrutura permanente, ela pode ser municipalizada ou estadualizada. Curiosamente, todas as escolas itinerantes ativas no Brasil, atualmente, estão localizadas no estado do Paraná.
Para mim, que tive a oportunidade de frequentar esse espaço, ministrar aulas e participar de reuniões organizadas dentro da comunidade – chegando até a morar lá por um tempo – a imparcialidade é algo difícil de alcançar. Na minha visão, as escolas itinerantes do MST carregam um significado que vai muito além de simples espaços educativos em movimento.
Elas se transformam em símbolos poderosos da luta por justiça social e reforma agrária. Na verdade, elas constituem a própria essência do movimento, evoluindo de unidades móveis para pilares fundamentais de aprendizado e engajamento comunitário, não há nada mais belo e inspirador do que isso.
Quando pensamos no desenvolvimento da vida, o ciclo é natural: nascemos, crescemos um pouco e logo precisamos estudar, pelo menos é o que o mundo precisa nos oferecer.
Você, sendo uma pessoa que precisa se deslocar para frequentar uma escola, o que espera dela? Seja como aprendiz, educador ou trabalhador, acima de tudo uma pessoa, quais são as expectativas? Embora eu não possa decifrar seus pensamentos, posso certamente compartilhar como isso se desenrola na prática de uma Escola Itinerante. Mesmo com minha presença frequente, pude conversar essa narrativa com uma pessoa de perspectiva mais aprofundada.
Escola do campo
Karina Aparecida da Silva, de 27 anos, é uma mulher que está no Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra desde os 6 anos de idade. Sua jornada educacional se entrelaça com as escolas ligadas ao Movimento, como a do João.
Após concluir seus estudos dentro da Escola Itinerante Valmir Motta, Karina buscou autonomia e ingressou na Universidade Estadual do Norte do Paraná, campus de Jacarezinho, onde suas aspirações acadêmicas coexistiram com sua dedicação de militante. Seu papel vai além, como moradora do Acampamento, onde também participa das decisões escolares. Durante as tardes, assume a posição de bibliotecária da escola, enquanto nas manhãs se engaja como voluntária em sala de aula.
Na conversa com Karina, ela destaca a essência da escola itinerante como “uma conquista coletiva da comunidade, que se sustenta e se mantém graças ao comprometimento de todos”. Ela explica um termo chamado de ‘escola base’, dizendo que em caso de despejo do acampamento, a escola itinerante acompanha o movimento para garantir a continuidade da educação.
Para evitar perda de documentação, os documentos originais são mantidos na escola base, escola que não é do MST e que também lida com algumas questões burocráticas e recursos como alimentação e fundo rotativo. “A presença da escola base é crucial até a transição da escola do campo para a municipalização e estadualização, deixando de ser itinerante e sendo do assentamento. Apesar disso, os modelos de ensino entre a escola base e a escola itinerante são distintos”, complementa Karina.
Sobre os modelos de ensino na escola itinerante, Karina explica que eles se baseiam em ciclos de formação humana. A Educação Infantil e Ensino Médio são ciclos únicos, o I Ciclo engloba o 1º, 2º e 3º do fundamental, II Ciclo 4º, 5º e 6º, III Ciclo 7º, 8º e 9º. Se um educando do 1º ano do Ensino Fundamental no final do ano não atingiu os conhecimentos para passar para o 2º ano, não reprovação e ele tem o ciclo inteiro para adquirir os conhecimentos, tendo assim os agrupamentos e reagrupamentos dos educandos que levar em conta o que cada criança progride no seu próprio ritmo.
A escola não tem boletins com médias aritméticas e a avaliação é moldada por métodos como conselhos de classe participativos, pastas de acompanhamento e pareceres descritivos, todos centrados na adaptação da metodologia educacional à realidade rural. “É olhar para a realidade e reconhecer sua realidade”, segundo Karina.
A respeito da estrutura da escola itinerante, o que se revela que não é o ideal, sendo frequentemente construída pela própria comunidade com materiais doados e recursos locais. A manutenção e limpeza das instalações mostra o profundo envolvimento de todos na escola, ressaltando que ali reside o coração da comunidade, proporcionando educação adequada às crianças do campo e adotando uma abordagem pedagógica que reflete sua realidade. Para o MST, a escola desempenha um papel vital.
Quando questiono sobre a possibilidade da escola itinerante não existir, Karina ressalta que a ausência da escola itinerante levaria as crianças para áreas urbanas, o que seria um choque cultural e uma perda dos conhecimentos e práticas rurais. “O objetivo de proporcionar uma educação do campo surge como fundamental para preservar e valorizar a identidade e os modos de vida da comunidade agrária”, finaliza.
Em um tecido de conhecimentos, encontramos os saberes de Karina, João, o meu e o seu, que estão todos entrelaçados. Afinal, somos todos itinerantes em nossa jornada, com nossas vivências únicas moldando nossa perspectiva, seres subjetivos, com experiências sociais que construímos, num mosaico de saberes sem fim.
Para saber mais sobre o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra e a parceria com as universidades estaduais, o C² preparou o podcast Conexão MST. Dê um play e fique por dentro!
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Texto: Gabriele Christine
Revisão: Silvia Calciolari
Supervisão de Texto: Ana Paula Machado Velho
Arte: Mariana Muneratti
Supervisão de arte: Tiago Franklin Lucena
Edição Digital: Gutembergue Junior
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