Festivais de música: arte, cultura, diversão e política

Festival Universitário da Canção da UEPG acontece desde 1980 incentivando potencialidades artísticas no campo musical

Imagina ir em um show de um artista que você gosta e ainda conhecer outros que você nunca tinha escutado. Isso é algo normal quando você frequenta um festival de música. Com a programação dividida entre vários artistas, podendo ser nacionais e internacionais, palcos e, às vezes, até diversos dias, os festivais musicais atraem multidões de pessoas em todas as partes do mundo. Atualmente, esses eventos estão cada vez mais completos, incluindo atividades que vão além da música, como espaços interativos, lojas, atrações gastronômicas, entre outros.

Porém, muito mais que apenas diversão, no Brasil, os festivais de música tiveram um papel fundamental na história social e política do país. Em 1965, em plena ditadura, a TV Excelsior produziu o primeiro Festival de Música Popular Brasileira, impulsionando inclusive, a carreira da jovem cantora gaúcha Elis Regina e, também, o movimento artístico Tropicalismo. Entre 1965 e 2000, as TVs Record, Rio, Globo e Tupi realizaram mais de 20 edições de festivais como: Festival de Música Popular Brasileira; Festival Nacional de MPB; Festival Internacional da Canção; Festival MPB Shell. 

Tais festivais contaram com compositores como Edu Lobo, Gilberto Gil, Vinicius de Moraes, Chico Buarque, Geraldo Vandré, Nelson Motta, Tom Jobim, Paulinho da Viola e Jorge Ben. Por esses festivais também passaram Nara Leão, Jair Rodrigues, Nana Caymmi, Marília Medalha, Tony Tornado, Maria Alcina, Fagner, Oswaldo Montenegro, Lucinha Lins, Emílio Santiago, e tantos outros grandes intérpretes da música brasileira.

Participação de Gilberto Gil no Festival de Música Popular Brasileira - 1967 (Foto/Site História do Mundo)
Participação de Gilberto Gil no Festival de Música Popular Brasileira – 1967 (Foto/Site História do Mundo)

Festival Universitário da Canção

Estimulados pelos grandes festivais da música brasileira e também internacionais, um grupo de acadêmicos da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), integrantes do Diretório Central de Estudantes (DCE), cria em 1980 o Festival Universitário da Canção (FUC). A 1ª edição do evento ocorreu entre os dias 24 e 26 de abril, com 47 canções inscritas. Só podiam participar estudantes, ainda que de qualquer nível de ensino. As apresentações ocorreram em um espaço com capacidade para 400 pessoas e durante os três dias do evento, mais de mil pessoas participaram, acomodando-se em todos os lugares possíveis.

O professor Nelson Silva Junior, atual Diretor de Assuntos Culturais da UEPG, destaca que naquela época, “todas as canções inscritas eram submetidas à apreciação da Polícia Federal e só podiam ser apresentadas com a autorização da mesma”. A primeira canção a ganhar o Festival foi Germe do Medo, com autoria e interpretação de José Santos Júnior e Irã Santos. O prêmio foi de 20 mil cruzeiros.

O Diretório Central de Estudantes da UEPG realizou sete edições do Festival, entre 1980 e 1986 (7º FUC). Por dificuldades financeiras, apesar do apoio institucional da Universidade, o DCE interrompeu a realização do FUC, em 1987. Em 1995, a UEPG, através da Diretoria de Assuntos Culturais (DAC), órgão ligado à Pró Reitoria de Extensão e Assuntos Culturais, institucionaliza o Festival, que junto ao Festival Nacional de Teatro (FENATA), passa a integrar o calendário de eventos da instituição. 

Ao longo de sua trajetória, o FUC contribuiu de forma significativa para o desenvolvimento das potencialidades artísticas no campo musical. Constitui-se num dos mais tradicionais acontecimentos do calendário cultural do Paraná, integrando de forma muito positiva músicos que atuam em várias regiões, em especial próximas dos Campos Gerais.

Há 15 anos, o Festival é realizado através de uma parceria entre a UEPG e a Fundação de Apoio ao Desenvolvimento Institucional, Científico e Tecnológico da Universidade Estadual de Ponta Grossa (FAUEPG), consolidando-se como um evento para promover e incentivar as produções musicais.

Tendo como princípios difundir e divulgar a música produzida em Ponta Grossa e na região dos Campo Gerais, como um elemento importante de expressão cultural e artística, o FUC é também um festival que fomenta o turismo e a cultura, incentiva a criatividade musical, promove o intercâmbio cultural e incrementa a economia criativa. O evento mobiliza o setor hoteleiro, gastronômico, além de estabelecer importante parceria com a produção artesanal local.

O palco que recebe o Festival é um espaço para os diferentes estilos e gêneros musicais, intérpretes, letras, arranjos e performances. “Isso faz do Festival um evento que respeita a diversidade e a pluralidade culturais, proporcionando ao público presente um espetáculo sonoro e visual único”, acrescenta o professor Nelson.

Cabe destacar que as músicas selecionadas ficam disponíveis em plataformas de música e vídeos, o que amplia o alcance do público. Em 2023, o Festival alcançou, entre o público presente no teatro onde o evento ocorreu e as plataformas digitais, cerca de 6 mil pessoas. O perfil dos participantes das plateias é composto, em sua maioria, por jovens adultos e adultos advindos das diferentes condições socioeconômicas.

A produção do FUC ocorre em cinco etapas distintas: abertura de inscrições para músicas inéditas; curadoria (seleção de até 12 canções), feita por uma equipe curatorial convidada e qualificada; apresentação ao vivo das canções selecionadas; avaliação das apresentações por um corpo de jurados especializados; show com artistas convidados e, para finalizar, a premiação.

Mesmo durante a pandemia, o FUC não deixou de ser realizado. Houve adequação no formato, por conta das restrições sanitárias, mas a organização do evento entendeu que num momento difícil para a produção cultural em geral, a realização do Festival faria diferença. 

Festival Universitário da Canção 2024

Em 2024, o FUC chegou em sua 36ª edição. As 12 canções, entre 44 inscritas, foram selecionadas por uma equipe curatorial formada por profissionais da área musical com reconhecida capacidade técnica e artística: Érico Bondezan, Íria Braga e Thiago Xavier de Abreu. Já a classificação das músicas vencedoras, melhor letra e melhor intérprete, ficou por conta dos jurados: Janine Mathias, Téo Ruiz e Rogéria Holtz. Os prêmios pagos em 2024 foram: 1º lugar: R$ 4 mil reais; 2º lugar: R$ 3 mil; 3º lugar: R$ 2 mil; Melhor Letra: R$ 1 mil; Melhor Interpretação: R$ 1 mil; Prêmio Júri Popular: R$ 1 mil.

Cartaz do 36º Festival Universitário da Canção - FUC (Imagem/CCOM - UEPG)
Cartaz do 36º Festival Universitário da Canção – FUC (Imagem/CCOM – UEPG)

O Prêmio Júri Popular é resultado dos votos da plateia logo após a apresentação das 12 canções classificadas pela curadoria do FUC. Em 2024, ocorreu também a entrega do troféu por Engajamento em Redes Sociais, o que fez com que o público atingido pelo Festival extrapolasse o espaço da plateia.

Para o jornalista e produtor do Festival desde 2015, Eduardo Godoy, “o Festival foi criado para celebrar a MPB, na esteira do sucesso dos grandes festivais de música. Nos últimos anos, entendemos que era preciso renovar seu público que vinha baixando consideravelmente. Quando ele se tornou exclusivamente voltado aos artistas dos Campos Gerais, tivemos um grande aumento da variedade de estilos, possibilitando um festival diverso e inclusivo, que realmente apresenta uma amostra da produção musical de Ponta Grossa e região. Voltamos a ser um festival que celebra a música do ‘hoje’! Agora, no palco temos a MPB junto ao rap, ao trap, ao pop, à música para crianças, ao funk soul, ao sertanejo, ao gospel”, conta.

Eduardo Godoy, produtor do Festival desde 2015 (Foto/Arquivo Pessoal)
Eduardo Godoy, produtor do Festival desde 2015 (Foto/Arquivo Pessoal)

Para o reitor da UEPG, professor Miguel Sanches Neto, o Festival permite que “o público conheça e prestigie o resultado do trabalho dos servidores da nossa instituição, que todos os anos se dedicam para proporcionar à plateia uma experiência inesquecível. É a universidade pública incentivando os músicos e a música regional”.

Segundo o diretor geral do evento, Nelson Silva Junior, o Festival integra diferentes propostas de produção artística, além da Música, tais como a produção audiovisual, artes gráficas, performances, discotecagem, cenografia. Em 2024, o cenário do 36º FUC foi idealizado pela professora e artista visual Patricia Camera Varella. Sua proposta articulou a criação e a execução dos elementos cenográficos junto a acadêmicos do curso de Artes Visuais e os servidores da instituição que atuam nos trabalhos de marcenaria e pintura, buscando utilizar materiais sustentáveis. O resultado foram cubos gigantes nos quais foram aplicados a técnica da String Art

Segundo a professora Patricia, “a proposta de trabalhar a String Art aplicada no cubo partiu pela busca de resultados volumétricos e lineares, resultantes da aplicação de diferentes luzes do palco. A variedade na intensidade da luz, assim como da paleta de cores traz a sensação de magia para o palco. Uma magia inspirada em trabalhos decorativos iniciados no século XVII por artesãos da Inglaterra, que ressurge no século XIX com a professora inglesa Mary Everest Boole (1832-1916) ao aplicar a técnica para ensinar matemática. Atualmente, a técnica é reconhecida como Arte. 

Os 12 selecionados no 36º FUC, foram: Os Cantantes, com “Se essa rua”; 3Madru, com “Outra vez devaneio”; Eulimo, com “Não era eu”; Ametysta, com “Sem rumo”; Konann, com “Preces”; Maro, com “Tudo o que quero”; Lorinezz, com “Relato da Maria”; Daniel Gnoatto, com “Sempre em mim”; Stanley e Banda, com “Clareou a firma”; Alisson Camargo, com “Monge João”; Guile, com “Bilionários”; e Gegê Felix, com “Retrato”.

Premiados do 36º do FUC

Plateia e jurados elegeram como a grande vencedora da 36ª edição a canção “Relatos da Maria” de Lorinezz, conquistando os prêmios de Júri Popular e o 1º lugar geral. Uma história importante para o evento e para a jovem Lorinezz, acadêmica do curso de Licenciatura em Música da UEPG: na plateia, sua mãe Cecília Ribeiro, a vencedora de melhor intérprete do 4º FUC realizado em 1983, interpretou a canção “Ontem, Hoje e Amanhã”, de José Ruiter Cordeiro. 

Para Lorinezz, o Festival e sua vitória servem como incentivo para continuar compondo e, especialmente, expressando as batalhas, tristezas, dificuldades e alegrias que, mães e mulheres enfrentam. “Que eu possa inspirá-las com a minha história. A mãe do Joaquim e da Eloise sonhou, mas também realizou”, comemorou.

Apresentação de Lorinezz, grande vencedora do 36º FUC (Foto/CCOM - UEPG)
Apresentação de Lorinezz, grande vencedora do 36º FUC (Foto/CCOM – UEPG)

O cantor, compositor e performer Eulimo, da cidade de Telêmaco Borba, com a canção “Não Era Eu”, também levou para casa dois prêmios. “Ganhar o 2º lugar e Melhor Interpretação do FUC deste ano foi surreal. Ainda mais com a mensagem que levei em minha música, onde abordo temas sensíveis como a LGBTfobia, que está inserida em vários âmbitos de nosso cotidiano”, destaca. 

Mais do que espaço de celebração e divulgação das expressões artísticas paranaenses, o Festival da Canção Universitária da UEPG se transformou para Eulimo num espaço de afirmação e resistência política: “Minha experiência em viver num corpo LGBT+ nos dias de hoje tem sido difícil. Ainda mais saindo de onde eu estava, que era a igreja, um lugar que nos faz pensar que somos como os chamados ‘endemoniados’, simplesmente por querermos amar. 

Em seu discurso, Eulimo fez questão de dedicar o prêmio a sua comunidade e rede de apoio. “Quero avisá-los que enquanto eu estiver vivo estarei incomodando a sociedade, a igreja, os fundamentalistas. Da forma que estiver ao meu alcance, não só pelos que estão tendo a oportunidade de lutar pelo amor, em vida, mas também pelos que se foram lutando pelos nossos direitos”, prometeu o músico.

Apresentação de Eulimo, Melhor Intérprete e 2º lugar do Festival (Foto/CCOM - UEPG)
Apresentação de Eulimo, Melhor Intérprete e 2º lugar do Festival (Foto/CCOM – UEPG)

Já a categoria Melhor Letra foi conquistada pela canção “Preces” do cantor e compositor Konnan. Jovem acadêmico da UEPG, o letrista ressalta que esse, com certeza, foi o evento artístico mais importante da carreira até hoje. “Não só pela quantidade de pessoas assistindo ao vivo e pelos prêmios conquistados, mas principalmente pela relevância do FUC na nossa região. Pude vivenciar uma noite magnífica e tive a honra de conquistar os prêmios de melhor letra e 3° lugar do evento. Vou guardar com muito carinho não só os troféus, mas principalmente as lembranças dessa noite, como as sensações no momento em que subi no palco e no momento da premiação, foi tudo muito lindo”, afirmou.

Apresentação de Konnan, vencedor de Melhor Letra e 3º lugar (Foto/CCOM - UEPG)
Apresentação de Konnan, vencedor de Melhor Letra e 3º lugar (Foto/CCOM – UEPG)

O troféu de Engajamento Digital foi para a dupla Os Cantantes com a música “Se Essa Rua”, com quase 48% dos votos. 

Compromisso com a sustentabilidade

O Festival tem entre os seus princípios norteadores o atendimento ao Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) número 3 (Saúde e Bem-Estar), que propõe assegurar uma vida saudável e promover o bem-estar para todas as idades. Entende-se que ao propiciar o acesso a bens culturais como a Música, eventos dessa natureza oportunizam o bem-estar cultural, a qualidade de vida e desenvolvimento humano. 

O projeto ainda contempla os ODS números 5 (Igualdade de Gênero), 7 (Energia Limpa e Acessível), 8 (Trabalho Decente e Crescimento Econômico), 10 (Redução das Desigualdades) e 11 (Cidades e Comunidades Sustentáveis). Em sua concepção e estrutura organizacional, as ações desenvolvidas privilegiam grupos minoritários, estimulam o consumo consciente, oportunizam o trabalho e ações voluntárias e ainda buscam parcerias com instituições e empresas que prezam pelo respeito à diversidade e à pluralidade cultural.

O show do 36º FUC foi banda independente gaúcha 50 Tons de Pretas, com um repertório representativo e diverso no combate ao racismo e à discriminação de gênero. Comandada pelas cantoras e instrumentistas Dejeane Arruée e Graziela Pires, a banda trouxe sua mensagem de valorização da música brasileira.

Apresentação da Banda gaúcha 50 Tons de Pretas   (Foto/CCOM - UEPG)
Apresentação da Banda gaúcha 50 Tons de Pretas (Foto/CCOM – UEPG)

O Festival Universitário da Canção é organizado pela Universidade Estadual de Ponta Grossa, através da Diretoria de Assuntos Culturais, da Pró-reitoria de Extensão e Assuntos Culturais (DAC Proex) e da Fundação de Apoio ao Desenvolvimento Institucional, Científico e Tecnológico (FAUEPG). O FUC é produzido pela Estratégia Projetos Criativos, com patrocínio da Belgotex do Brasil e da Unimed, promoção da Rede Paranaense de Comunicação (RPC), incentivo da Secretaria Municipal de Turismo e do Conselho Municipal de Turismo e apoio da Secretaria Municipal de Cultura.

Para Nelson Silva Junior, o FUC é um exemplo de que Ponta Grossa tem uma produção cultural contínua e histórica, trazendo protagonismo no circuito musical. “O Festival seleciona canções autorais e inéditas, valorizando, assim, a criação e fomentando a produção. Ao longo do tempo, o FUC se tornou uma vitrine que proporciona a descoberta, o incentivo e a formação de músicos”, conclui o professor.

Mais do que um local para se ouvir música autoral ao vivo, os festivais musicais também são ambientes de cultura, arte e, como visto, podem até ser espaços de expressão política. 

Se tiver a oportunidade de ir em algum, não deixe de aproveitar de tudo um pouco! 

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Texto:
Nelson Silva Junior e Milena Massako Ito
Supervisão de texto: Ana Paula Machado Velho
Revisão: Silvia Calciolari
Arte: Mariana Muneratti
Supervisão de arte: Tiago Franklin Lucena
Edição Digital: Gutembergue Junior

Glossário

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