Imagine acordar com dor diariamente, em todo o corpo. E digo todos os dias, no sentido literal… Às vezes, uma dor angustiante, outras vezes, uma dor branda, mas que está ali sempre presente. Mesmo tomando diferentes remédios, submetendo-se a diversos tratamentos, ela permanece latejando nos mais variados pontos do seu corpo. Uma dor que você não sabe de onde vem e nem para onde vai. Esse é o dia a dia da minha mãe, Fátima Cardoso.

Há muitos anos, minha mãe passou a sentir dores estranhas, que pareciam não ter uma causa e que fez com que ela fosse atrás de vários médicos para entender o que estava acontecendo e como poderia se ver livre dela. Após um tempo, finalmente descobriu que precisaria lidar, pro resto da sua vida, com a fibromialgia, uma doença que não tem cura e que cada paciente acaba precisando se adaptar a um tratamento.
“Em muitos dias não tenho nem vontade de levantar da cama, porque a dor é insuportável e irradia pelo corpo todo. Em outros dias, eu acabo só aceitando a dor que estou sentindo e faço as coisas que preciso fazer… Mas é uma situação muito cansativa e que deixa a gente triste”, explica Fátima.
Minha mãe já testou diversos medicamentos, mas eles acabam apenas mascarando a dor por um tempo e até causam efeitos colaterais chatos: muita sonolência, ganho de peso, inchaço no corpo e uma certa dependência. Ela já comentou diversas vezes como queria encontrar um tratamento simples e que a deixasse mais livre dos remédios. Nessa matéria, vou compartilhar com vocês e com minha mãe essa possível descoberta!
Mas, antes de qualquer coisa, o que de fato é a fibromialgia? Confira um pouco sobre a doença no vídeo a seguir:
A fibromialgia é uma doença quase invisível, já que não possui um exame específico e muitas vítimas convivem anos com a dor sem saber a sua causa.
E são muitas pessoas, mesmo! A Sociedade Brasileira de Reumatologia estima que a doença afeta entre 2% e 12% da população adulta no Brasil, existindo uma margem tão espaçada, justamente, por essa falta de diagnóstico de diversas pessoas.
Por isso, a doença entrou no mês que tem como lema “Se não houver cura, que ao menos haja conforto”, ou seja, o Fevereiro Roxo. É um período dedicado à prevenção e ao combate de três doenças: a fibromialgia, o lúpus e o alzheimer. São doenças que precisam de maior divulgação e do compartilhamento de informações, com o objetivo de conscientizar, quebrar estigmas e, claro, ajudar quem sofre com esses problemas e precisa de orientação.
Foi pensando nessa necessidade de orientar com embasamento, que quatro alunas do curso de Fisioterapia da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Anna Carolina dos Santos, Caroline Padilha, Stephanie Lenz e Taisy de Melo, desenvolveram uma pesquisa com pessoas que vivem com fibromialgia. Elas foram orientadas pela fisioterapeuta e professora doutora Raciele Ivandra Guarda Korelo, do Departamento de Prevenção e Reabilitação em Fisioterapia, e pelo professor doutor Eduardo Paiva, do Departamento de Clínica Médica, da UFPR.
As graduandas iniciaram a pesquisa com uma revisão bibliográfica, buscando aprender mais sobre a doença, as causas e os tratamentos mais comuns. Taisy explica que o “tratamento ouro”, ou seja, o padrão a ser seguido, é a combinação de antidepressivo com exercício aeróbico.
Mas, as pesquisadoras queriam inovar e testar um recurso quase novo. Afinal, na literatura pesquisada, pouco foi falado sobre o uso da fotobiomodulação vascular, um ultra laser de baixa intensidade, que utiliza, concomitantemente, ultrassom e laser para melhorar a circulação sanguínea e o sistema imunológico.

A fotobiomodulação é mais conhecida como ILIB (Irradiação Intravascular do Sangue com Laser). Quando começou a ser aplicada, em 1981, na Rússia, ela era uma fibra ótica de laser que era introduzida em uma artéria ou uma veia, para poder irradiar pelo corpo todo. No entanto, no Brasil, nessa época, terapeutas não podiam utilizar a técnica nesse formato, porque não era permitido um tratamento tão invasivo.
Assim, seguindo o clássico “jeitinho brasileiro”, os terapeutas deram um jeito de conseguir aplicar o laser de forma transdérmica, ou seja, sobre a pele, em cima do vaso sanguíneo, gerando resultados muito semelhantes e de uma forma extremamente menos invasiva para o paciente. Felizmente, nossos pesquisadores brasileiros tiraram o “intravascular”, propondo a “fotobiomodulação vascular”, com irradiações luminosas.
Dessa forma, voltando para os dias de hoje, as alunas da UFPR conseguiram formalizar uma parceria com a empresa Ecco Fibras, que fabrica um bracelete, chamado “Ecco ILIB Plus”, como se fosse um relógio, seguindo a técnica da “ILIB brasileira”. O aparelho é posicionado no pulso do paciente, sobre a artéria radial, durante 30 minutos, promovendo estimulação do sangue por todo o corpo.
“Os 30 minutos são suficientes para todo o sangue circular no corpo do paciente. Então, ao invés de ter uma aplicação com um laser tradicional, que é aplicado no ponto de dor específico, com um resultado local, a gente teve uma aplicação com resultado mais generalizado, ocasionando em uma melhor oxigenação para os tecidos musculares e melhor produção de substâncias para reduzir a dor, que é tão incômoda para o paciente fibromiálgico”, explica a professora orientadora.
Para gerar resultados eficientes e comparativos, as pesquisadoras selecionaram 40 pacientes, em que 23 fizeram parte do “grupo intervenção”, ou seja, recebiam o laser normalmente, e 17 compuseram o “grupo placebo”, que usava um bracelete que não emitia o laser. Assim, foi possível entender melhor o impacto ou não do ILIB.

Mas as sessões não se restringiam apenas ao uso do ILIB. Afinal, as pesquisadoras pensaram para além da dor física. As estudantes também promoveram atividades para serem associadas aos dias de aplicação, pensando em ampliar o bem estar desses pacientes, já que a fibromialgia também acaba afetando muito o emocional de suas vítimas.
“Independente de estar no grupo intervenção ou no placebo, todas receberam as mesmas atividades extras, como palestras sobre hábitos saudáveis e para melhorar a qualidade do sono, propostas de relaxamento, técnicas de respiração, alongamentos, rodas de conversa e práticas de exercício físico”, explana Stephanie.
As pesquisadoras destacam que, pelo atendimento ter sido com até quatro pessoas ao mesmo tempo, as participantes acabavam conversando e interagindo umas com as outras, o que gerou laços de amizade, já que estavam em um ambiente que tinham outras pessoas passando pelo mesmo.
Infelizmente, por conta da falta de recursos e incentivos financeiros, a pesquisa teve uma amostragem pequena e de curta duração, ocasionado em resultados com menor significância estatística do que as pesquisadoras gostariam. De acordo com Korelo, o ideal seriam 30 pacientes para a “intervenção” e 30 para o “placebo”.
“No fim, como resultado da pesquisa, a gente analisou a diminuição de dor, bem como avaliou melhoras na qualidade de vida e na qualidade de sono, no grupo intervenção, comparado ao grupo placebo, apesar deste também ter tido melhoras em algumas questões, por conta das atividades extras que foram propostas”, afirma Stephanie.
Dessa forma, podemos ver o caminho de um tratamento super pouco invasivo e com muito potencial sendo trilhado! Além de sua eficácia por si só, o uso do bracelete com laser também permite que os pacientes combinem o uso com a prática de exercícios físicos, por exemplo, já que fazem uma grande diferença para a melhora da dor fibromiálgica.

A professora orientadora ressalta que, em relação à ansiedade, depressão e fadiga, não houve resultados com a fotobiomodulação, mas já existem outros estudos, como, por exemplo, com a aplicação de fotobiomodulação transcraniana – que é um capacete colocado na cabeça do paciente – que já mostra resultados positivos para depressão, assim como a forma intranasal, em que o laser é inserido no nariz, por um cabo.
As pesquisadoras evidenciam a importância da continuação dos estudos, em maior escala, para que novos dados sejam produzidos e novas conclusões sejam geradas, mostrando os benefícios do uso da ILIB no tratamento para fibromialgia.
Além disso, é importante destacar que até infortúnios no decorrer da pesquisa são dados científicos de extrema importância. Um exemplo é o caso de uma das pacientes que sofreu uma leve queimadura com o laser por conta da pele negra ser mais sensível à tecnologia, fato que só foi descoberto com a aplicação, visto que as pesquisadoras não haviam encontrado relatos sobre essa situação, até então.
As pesquisadoras ainda desenvolveram o “Manual de Fibromialgia”, publicado pela UFPR, disponibilizado para todas as participantes. É um produto focado na educação em saúde, explicando o que é fibromialgia, o tratamento, além de trazer algumas dicas do que fazer para melhorar os sintomas.
“Contribuir com o manual e dar dicas de como se cuidar em casa foi um meio de cuidarmos das pacientes à longa distância, já que nenhum profissional vai ficar o dia inteiro orientando-as, ou seja, elas têm que saber cuidar de si mesmas. E muitas delas não sabiam e nunca tinham um tempinho para se cuidar. Por isso, também priorizamos o autocuidado e o foco em depositar energia em si mesma”, ressalta Anna Carolina.
As pesquisadoras afirmam que o desenvolvimento da pesquisa foi muito além do ambiente acadêmico e da formação, impactando positivamente em um olhar mais humanizado de cada uma. “A gente brincava que nós não as estávamos tratando, eram elas que nos tratavam. Porque a gente fazia o acolhimento e tinha uma troca, que fez com que nos sentíssemos importantes na vida de alguém. Aquele pouco que a gente fazia era o essencial para elas e muito mais do que os profissionais tinham feito em toda sua vida”, destaca Taisy.

A fibromialgia tem um diagnóstico muito difícil, fazendo com as pessoas vítimas dessa doença sejam desacreditadas no trabalho, pelo governo, por agentes de saúde e, até mesmo, pelos próprios familiares e amigos. Muitas acabam tratando uma doença grave como frescura ou exagero.
Isso é algo que minha mãe, Fátima, passa diariamente e eu vejo acontecer. Por isso, saber que existem pessoas realmente preocupadas em buscar melhorias para pacientes fibromiálgicos dá um calorzinho no coração e aumenta a esperança de que, cada vez mais, novas pesquisas surjam e os investimentos aumentem.
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Texto: Mariana Manieri Pires Cardoso
Revisão: Ana Paula Machado Velho
Edição de vídeo: Luiza da Costa
Arte: Camila Lozeckyi
Supervisão de arte: Hellen Vieira
Edição Digital: Gutembergue Junior
A pesquisa que mencionamos contribui para os seguintes ODS:

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