Gêmeos: parecidos, mas diferentes

Parceiros desde o útero, gêmeos podem ter rostos e vivências semelhantes, mas são bem diferentes quando se trata de personalidade, interesses e trajetórias de vida

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“Cara de um, focinho do outro”. Essa é uma frase típica para se referir a duas ou mais pessoas de fisionomia igual ou parecida. Além disso, ela tem tudo a ver com o que falaremos hoje no C²: gêmeos. 

Eles até podem ter compartilhado o mesmo espaço durante a gestação, terem uma conexão muito próxima, ou até mesmo enfrentado praticamente todas as situações da vida juntos, mas é importante que as pessoas entendam que, no final das contas, ainda que em pequenas ou grandes diferenças, eles são únicos em sua individualidade e precisam ser respeitados por isso.

Tratá-los como se fossem cópias um do outro, dar nomes semelhantes e fazer os mesmos cortes de cabelo, não respeitando ou condicionando as suas particularidades, pode atrapalhar e dificultar o processo de individualização dessas pessoas. É o que diz a Professora Doutora Maria Elizabeth Barreto Tavares dos Reis, do Departamento de Psicologia e Psicanálise da Universidade Estadual de Londrina (UEL).

De acordo com ela, os gêmeos idênticos (univitelinos) estão mais suscetíveis a esse tipo de situação, já que, na maioria dos casos, justamente por terem uma mesma fisionomia, as famílias tendem a tratá-los como um verdadeiro combo de “dois em um”. Porém, ainda que possuam o mesmo DNA, tenham os mesmos amigos e compartilhem, em grande parte dos casos, o mesmo ambiente, como a casa em que moram ou até mesmo a escola, cada um deles têm impressões e experiências únicas que refletem e moldam a sua personalidade. 

🎧 A professora relata um caso envolvendo gêmeos idênticos que, aos quatro anos de idade, já enfrentavam dificuldades para se identificarem

Mas essa não é uma exclusividade que acomete somente os univitelinos. Ainda que numa escala menor, gêmeos não idênticos (bivitelinos) também estão sujeitos a esse tipo de tratamento. 

🎧 A pesquisadora também encontrou, durante sua pesquisa de doutorado, uma família que tratava constantemente duas irmãs gêmeas não idênticas da mesma forma

Nesse sentido, a especialista em gêmeos destaca ser necessário que haja um cuidado desde o nascimento com esses irmãos ou irmãs, sejam eles idênticos ou não. Eles não devem ser submetidos ou condicionados a hábitos, gostos e outras características que não partam de forma espontânea e natural, única e exclusivamente deles. 

A ciência já nos mostrou que a genética cumpre um papel fundamental no processo de individualização, mas ela não é a única responsável por dar vida às nossas particularidades. 

“Cada um precisa ter as suas próprias roupas. Se necessário, até diferenciá-las com letrinhas, para que cada um tenha suas vestimentas respeitadas. Quanto aos brinquedos, de preferência, que cada um tenha o seu, mesmo que eles possam partilhar entre si, mas que eles tenham alguma noção de propriedade”, explica a psicanalista.  

Maria Elizabeth Barreto Tavares dos Reis dedica-se ao estudo da gemelaridade há quatro décadas (Foto/Fabio Augusto e Silva)

Outro problema é quando esses irmãos ou irmãs são constantemente comparados, sendo esperado que estejam sempre em um mesmo ‘nível’ um do outro. É comum que, em algum momento, um sirva de modelo ou exemplo para algo em relação ao outro, como na organização ou na forma de lidar com determinadas situações, mas não é saudável julgar ou criticar àquele que “não estiver na linha”.  Essa dinâmica pode prejudicá-lo a se identificar e a desenvolver as suas particularidades, além de ocasionar instabilidades na relação entre os irmãos, com intrigas e rivalidades desnecessárias. 

Mas, apesar de criar filhos gêmeos parecer uma verdadeira corda bamba, a professora afirma que não há problema em gêmeos se vestirem igual ou terem hábitos iguais, e muito menos em ser diferente do seu co-gêmeo.

“Uma coisa é a escolha, a vontade, a necessidade de cada um ser respeitado na sua individualidade, mas também de ser respeitado se quiser fazer alguma coisa junto um dia.  Às vezes, os pais ou a família como um todo ficam muito preocupados se não podem comparar em nada. Não vamos aos extremos, pode comparar de vez em quando sim. A questão é o exagero, que não está certo”, explicou a professora.

Unidos desde o útero

Gabriel Vieira de Oliveira e Gustavo Vieira de Oliveira, ambos de 18 anos, são completamente dependentes um do outro. Juntos desde o ventre, Gabriel explica que a sua relação com o irmão é boa e que a rotina deles se intercala em grande parte do dia, desde ir à faculdade juntos até a prática do lazer. 

Na escola, foi pouco o tempo em que estudaram juntos. Devido às brigas típicas entre irmãos, que eram frequentes na sala de aula, os pais e a escola decidiram separá-los de turma no terceiro ano do fundamental, o que continuou até o final do Ensino Médio quando se formaram.

Sob influência da família, composta por diversos assistentes de Enfermagem, inclusive a mãe, Gabriel e Gustavo tinham um sonho: queriam ingressar na área da saúde como médicos. A vontade de ajudar as pessoas fez com que os irmãos voltassem a ocupar a mesma sala de aula, mas agora em outro ambiente, em um cursinho preparatório para o vestibular da UEL. E eles conseguiram.

Gabriel está atualmente no segundo ano do curso de medicina e pretende atuar na área de Geriatria, enquanto Gustavo tem interesse na Neurocirurgia. Da esquerda para a direita: Gustavo, a mãe Meris Cristina Paulino e Gabriel (Reprodução/RPC)

No ano passado, em 2022, Gabriel passou no vestibular e conquistou a tão sonhada vaga na universidade. Já Gustavo não conseguiu de primeira, mas chegou perto: na lista de espera, apenas cinco pessoas o separavam do curso dos sonhos. Na ocasião, 21.306 pessoas haviam se inscrito para a prova. Desse número, 8.754 concorriam por uma vaga no curso de Medicina, o equivalente a 41% do total das inscrições.

Naquele momento, relembra Gabriel, Gustavo teria ficado chateado por não ter conseguido passar na prova. Isso porque, durante o período escolar, os gêmeos, ainda que em salas diferentes, tiravam sempre as mesmas notas em tudo, e, esperando que a mesma situação se repetisse no vestibular, ele teria se frustrado com o resultado. Além disso, ele ainda teria se sentido desconfortável com os comentários da família, que, mesmo sem intenção, o comparavam com o irmão que havia garantido uma vaga na universidade.

“Ele colocou uma pressão nele mesmo, que tinha que passar porque eu passei, mas eu penso que também a minha família colocou uma pressão sem perceber em cima dele, falando das minhas aulas pra ele, ou falando como estava sendo a minha rotina na faculdade, coisas que eu até evitei de dizer para não ficar deixando-o mal”, conta Gabriel.

Apesar disso, Gustavo continuou estudando sozinho e conseguiu passar no vestibular este ano e ingressar na UEL. 

Embora essa tenha sido uma das poucas vezes em que ele foi comparado ao irmão, desde pequenos a família os trata de forma igualitária, e isso não era apenas no sentido de ‘’direitos’’ dentro de casa: a vestimenta, os brinquedos e os móveis eram todos compartilhados.

Esse tratamento gerou uma similaridade na personalidade deles e uma necessidade menor de socializar com outras pessoas, já que eles sempre tinham um ao outro para conversar sobre algo e, por isso, tinham o hábito de fazer as mesmas coisas e ter os mesmos amigos. “Se eu tivesse nascido sem o meu irmão gêmeo, provavelmente eu seria uma pessoa mais sociável do que eu sou hoje em dia, e provavelmente ele também”. 

Outro aspecto específico entre os dois é a falta de diferenciação entre eles. Quando perguntado sobre esse tema, Gabriel encontrou dificuldades em achar características diferentes entre ele e o irmão, citando apenas dois exemplos: a dedicação aos estudos e a timidez. Mas, apesar de tudo, ele acredita que quando cada um trilhar o seu caminho as diferenças entre eles se desenvolverão melhor. 

Mais gêmeos no mundo

Nas últimas décadas, a taxa de nascimento de gêmeos vem aumentando em todo o mundo. Isso ocorre porque, após os 30 anos, diferente dos homens que continuam a produzir espermatozoides ao longo de toda a vida, as mulheres não mantêm uma produção vitalícia de óvulos, o que dificulta o processo de gravidez e implica em problemas de fertilização.

Isso faz com que àquelas que já atingiram essa idade e desejam engravidar busquem por um dos métodos da chamada Reprodução Humana Assistida, um conjunto de técnicas que auxilia casais ou indivíduos que enfrentam dificuldades para gerar uma criança de forma natural.

É o caso de Evelize Aparecida Lazarin Previdelli, de 40 anos, que optou pelo método de fertilização in vitro. Foram cinco tentativas em um período de dois anos para que ela finalmente conseguisse engravidar e dar à luz a um casal de gêmeos bivitelinos.

Tomás Lazarin Previdelli e Helena Lazarin Previdelli, ambos de sete anos, são um casal de irmãos gêmeos que nasceram após 37 semanas de gestação, o equivalente a oito meses e uma semana. No processo, Evelize chegou a ter um descolamento da placenta, mas, apesar do susto, os dois nasceram saudáveis.

Na Medicina, a gravidez gemelar é considerada como de “alto risco” e requer um cuidado e atenção maiores, pois as mulheres estão mais propícias a terem algum tipo de complicação, como diabete gestacional, anemia materna, parto prematuro, pré-eclâmpsia, restrição de crescimento intrauterino, malformação fetal, e, inclusive, descolamento da placenta. 

Atualmente aos sete anos de idade, os gêmeos estão no período de desenvolvimento pessoal. Isso implica na personalidade, nos hábitos e nos costumes que cada um desenvolve dentro de si. O fato de serem de sexo distintos, de acordo com a mãe, contribuiu bastante para a diferença entre um e outro. ‘’Ele gosta muito de futebol e ela detesta. E isso, neste ponto, faz com que cada um fique em um lado’’.

Além dos gostos, a personalidade dos dois também se mostrou ser bem diferente. Helena é uma pessoa mais disciplinada, estudiosa e dependente, enquanto Tomás é questionador, independente e organizado. 

Projeto da UEL

Coincidentemente, a Professora Maria Elizabeth, ou apenas Beth como prefere ser chamada, também é mãe de gêmeas, da Marina e da Letícia, ambas univitelinas. Sua gestação, há 40 anos atrás, desempenhou um papel fundamental na origem de suas extensas pesquisas e estudos desenvolvidos ao longo de sua carreira como pesquisadora, especialmente em relação ao tema da gemelaridade.

Durante a gravidez, ela se sentiu interessada e buscou informações para lidar com a incógnita que pairava em sua mente naquele momento sobre a gestação e o atendimento a gêmeos. Mas, de acordo com ela, naquela época não havia muitas informações a respeito da perspectiva psicológica. Foi aí que ela decidiu pesquisar e desenvolver estudos para esclarecer as respostas ainda ocultas sobre as questões afetivo-emocionais. E de lá para cá foram inúmeras as suas participações em trabalhos que contribuíram para o desenvolvimento científico acerca do assunto. 

A professora e pesquisadora Maria Elizabeth Barreto Tavares dos Reis, junto das filhas Marina e Letícia, e seu filho Alexandre (Foto/Arquivo Pessoal)

Um deles, que ainda está dando os seus primeiros passos mas que já tem se mostrado promissor, é o projeto de pesquisa e extensão “Clínica Psicanalítica Ampliada: estudo sobre fatos clínicos detectados no atendimento a gêmeos e familiares”. 

Com duração prevista de três anos, o projeto que começou efetivamente em outubro de 2022 conta com a participação de oito alunos da graduação e três do mestrado em Psicologia, e tem como objetivo estudar os fatos clínicos obtidos a partir dos atendimentos aos gêmeos e aos familiares.

O programa oferta atendimentos na Clínica Psicológica da UEL e acompanhamentos no Hospital Universitário (HU) da cidade, no formato presencial ou remoto. No caso da clínica, é disponibilizada uma psicoterapia breve que dura em torno de 12 a 15 atendimentos, mas que, em alguns casos, se necessário, os atendimentos podem ser estendidos um pouco mais. 

Àqueles que se interessarem e buscarem pelo programa realizam num primeiro momento uma triagem para verificar se há ou não a necessidade de atendimento. Isso se dá porque, no caso de menores de idade, por exemplo, esse tipo de avaliação é importante para analisar se os problemas relatados decorrem deles ou da família, definindo assim o foco do atendimento, ou seja, se quem precisará é a criança ou o familiar, em especial o pai ou a mãe. 

Já no HU, o atendimento é feito na maternidade com gestantes e/ou puérperas internadas, que estejam passando por uma gestação gemelar ou que acabaram de passar por ela. “Já aconteceu de fazermos o acompanhamento de mães de gêmeos que tiveram internadas na UTI neonatal”, conta Beth. 

Por se tratar ainda de um projeto relativamente recente, não é possível ter neste momento grandes conclusões a respeito. Mas, de acordo com a coordenadora, já é possível constatar os benefícios do acompanhamento, notados através da escuta e interpretação das questões emocionais que as pacientes podem estar enfrentando devido à internação, bem como de seus temores e angústias relacionados à gravidez.

Os participantes do estudo também são convidados a se inscrever no Painel USP de Gêmeos da Universidade de São Paulo, do qual Beth faz parte. Esse painel tem como objetivo identificar gêmeos no Brasil e oferecer a eles a oportunidade de participar de estudos conduzidos por pesquisadores de todo o país.

Como participar

Pode-se inscrever no projeto gêmeos, independentemente da idade, seus familiares e gestantes que estejam passando ou que passaram por uma gestação gemelar.

Além disso, não é necessário que os atendimentos ocorram juntos. Caso apenas um dos gêmeos queira ser atendido, também é possível.

Para participar, os interessados podem entrar em contato com a Clínica de Psicologia da UEL pelo telefone: (43) 3371-4237 ou diretamente com o projeto através do e-mail: projetogemeosuel@gmail.com.

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Texto:
Leonardo de Jesus Dias e Fabio Augusto e Silva
Supervisão de texto: Ana Paula Machado Velho
Revisão: Rodolfo Rorato Londero
Edição de áudio: Leonardo de Jesus Dias
Arte: Mariana Muneratti
Supervisão de arte: Tiago Franklin Lucena
Edição Digital: Gutembergue Junior

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