Na primeira vez que precisei vir até a redação do Conexão Ciência – C², a coordenadora do projeto me mandou a localização da sede do projeto, o Museu Dinâmico Interdisciplinar (Mudi). Daí, me achei rapidinho… passei na entrevista e estou aqui, atuando como bolsista de jornalismo. Alguns meses depois, caiu de eu ter que fazer uma reportagem sobre geoestatística. Não sei porque, mas esse momento veio à minha cabeça… pensei em localização, geo… GPS, que quer dizer Sistema de Posicionamento Global. Fui toda segura fazer minha entrevista e descobri um universo muito maior do que imaginava.
Antes de escrever o texto, então, ainda fiz o dever de casa e fui definir o termo geoestatística. Esta é uma ciência que estuda a terra. O “geo” vem do latim, terra. Mas, para a geoestatística, precisamos entender a Terra no sentido de coordenadas geográficas, que são a identificação de uma determinada área. A gente não tem CPF? Uma área tem uma coordenada geográfica. É um campo de estudo que está dentro da estatística como uma carta “coringa”, pode ser base para inúmeras áreas, podendo ser relacionada a inúmeros modelos e gerar informações que podem ser interpretadas e aplicadas.
Enfim, existe uma infinidade de aplicações da geoestatística. Tudo que tenha a ver com localização no espaço, que conseguimos colocar no GPS, por exemplo, é passível de estudos estatísticos com múltiplas abordagens. Mas, o professor Diogo Rossoni, do Departamento de Estatística, da Universidade Estadual de Maringá (UEM), nos lembra que a geoestatística pode inclusive ser aplicada em estudos de áreas não necessariamente geográficas, como superfícies de uma imagem, o mapeamento de pixels numa tela de computador, por exemplo.
Terras do Paraná
Esse cenário de números despertou o interesse da pesquisadora, Letícia Dal’ Canton. Graduada em Matemática pela Universidade do Oeste do Paraná (UNIOESTE), que ingressou, mais tarde, no mestrado e doutorado com estudos da aplicação geoestatística na agricultura. Pé no chão mesmo. Ela nos contou que é uma área muito forte, principalmente, no sul e centro-oeste do Brasil, estados com alta produção agrícola. “Não só no Brasil, a China também tem muitas pesquisas voltadas para agricultura”, reforçou.
Você leitor deve estar se perguntando: mas quais as relações possíveis da geoestatística com a produção agrícola?
Segundo Letícia, o agricultor trabalha sempre pensando em deixar a terra com a melhor qualidade possível para ter um alcance maior da produção. Quando se fala em soja e trigo, por exemplo, o solo tem que estar sempre o mais homogêneo possível de acordo com os atributos relacionados à produção, como pH, ferro, magnésio.
Porém, como se sabe que há uma variabilidade da terra em uma propriedade, busca-se com a geoestatística ter o conhecimento do ponto correto. De acordo com a pesquisadora, seria o ponto de referência… por exemplo, “do lado do pinheiro”. Ou seja, vão sendo definidos pontos específicos. Alguns observados pelo agricultor, onde ele percebe que tem déficit de nutrição; ou os técnicos vão georreferenciando os pontos, coletando amostras do solo em alguns locais que a própria estatística pode apontar. Neste caso, os estatísticos podem dizer quais pontos e quantas amostras de solo para análise se deve coletar. Essas coletas e informações são possíveis a partir de dados e técnicas e essa prática é chamada de Estatística Espacial.
Estudo e análises do solo
Primeiramente, “são feitos levantamentos por meio de amostras do solo espalhadas pela propriedade, para que se conheça a variação na terra em relação ao aspecto nutricional, que se reflete em cálcio, magnésio, potássio, ferro, pH, ou seja, todos os nutrientes que são passíveis de correção”, explicou a Letícia. Isto significa que não é possível analisar cada centímetro de uma área enorme, por isso são coletados e analisados alguns pontos (amostras). Dessa forma, é possível construir um mapa sobre todos esses pontos, contendo informações sobre todos os atributos físicos e químicos do solo.
“Quando o agricultor vai comprar suplementos para adubação do solo, ele precisa então saber onde aplicar e corrigir o solo para ter uma produção maior. Por ter um custo alto, o produtor estuda as variações na área agrícola e as maneiras de aplicar os produtos em regiões, onde realmente há necessidade para não haver desperdício, além de um maior custo benefício e otimização na produção de grãos. Isso vai tornar a produção mais barata e, consequentemente, melhorar o valor final do que está produzindo”, explica a pesquisadora.
Mas coletar e analisar as amostras, mesmo sendo de uma parte do solo não é algo simples ou barato. Por isso, os pesquisadores empregam metodologias cada vez mais eficazes de geoestatística para reduzir a quantidade de material que deve ser coletado. Esse foi o tema do mestrado e do doutorado de Letícia. Ela investigou como a aplicação de técnicas geoestatísticas pode reduzir o número de amostras, sem perder a qualidade de análise e, consequentemente, contribuir para o custo benefício do agricultor com uma taxa menor de prejuízos e gastos.
Os mapas acima representam a área agrícola em análise, com a localização espacial dos pontos amostrais. O segundo mapa, (do manganês) foi feito após a coleta e investigação laboratorial, em que a partir dos valores obtidos nos pontos coletados, utilizou-se a geoestatística para estimar no restante da área.
Durante suas pesquisas, foram realizadas análises em Cascavel e Toledo, em uma parceria com a Unioeste, abrangendo uma área de 167 hectares, com coletas de 102 pontos. A partir das pesquisas, foi reduzido para cerca de 50 pontos, sem perder a qualidade.
“Foi incrível! Um resultado muito satisfatório!” Do ponto de vista prático, para o agricultor significou uma redução de 50% nos custos e permitiu que ele fizesse a correção do solo de forma localizada”, conclui a pesquisadora.
Ciência para além da Universidade
Letícia conta que, após o período de pesquisa na Academia, começou a pensar em outras possibilidades para conseguir entrar no mercado de trabalho. Foi em uma conversa com uma amiga, também pesquisadora na área estatística, que surgiu o interesse de ir além da área acadêmica. Ela iniciou sua atuação na mais recente vertente da área, muitas vezes desconhecida, mas que está em crescimento, a Ciência de Dados.
Um cientista de dados, basicamente, é o profissional que utiliza as mesmas ferramentas usadas na Academia, mas destinada ao mercado de trabalho. No geral, as empresas produzem muitos dados diariamente com características específicas, como por exemplo, um hipermercado, já que são inúmeras vendas por dia, explica Letícia.
A cientista cita um estudo de caso realizado pela Rede Walmart nos Estados Unidos: toda sexta-feira, especialmente, os homens iam aos hipermercados comprar fraldas para seus bebês para o final de semana e, também, um fardinho de cerveja. A Rede, rapidamente, percebendo que essa era uma atitude corriqueira, colocou estrategicamente as embalagens de cerveja ao lado das fraldas para influenciar a compra, a chamada “venda casada”. E não é que deu super certo? De acordo com a pesquisa, houve um aumento significativo das vendas.
Partindo desse exemplo, Letícia explica que esses resultados foram observados a partir do perfil do cliente analisando a base de dados da Rede Walmart, o que possibilitou a identificação da relação entre as vendas de fraldas e de cervejas, num determinado período. Produtos que, até então, sem a análise estatística, não seriam associados.
Esse conjunto de ações, estudos e técnicas, faz parte do dia a dia de Letícia, atualmente, no marketing digital. Seu trabalho permite “melhorar a experiência de compra para o cliente em relação ao produto, a partir da extração dos dados para análise, o que contribui para as estratégias da empresa”, conclui a cientista.
Todos esses resultados são adquiridos a partir da contribuição de uma ciência que é como ter um “coringa” na manga num jogo de cartas, já que potencializa as diversas áreas do saber: a estatística. Você viu isso neste texto e pode conferir, também, na outra matéria desta semana sobre estatística espacial. Confira lá!
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Texto: Débora Arcanjo
Supervisão de texto: Ana Paula Machado Velho
Arte: Mariana dos Santos Muneratti
Supervisão de arte: Tiago Franklin Lucena
Edição Digital: Gutembergue Junior
A pesquisa que mencionamos contribui para os seguintes objetivos ODS: