“Sempre tive uma proximidade muito grande com a Universidade Estadual de Maringá (UEM), considero como minha casa desde sempre”. Essa fala, da professora do Departamento de Psicologia da UEM (DPI/UEM), Glaucia Brida, é apenas um exemplo da ligação que a universidade tem com toda a família dela. O pai, por exemplo, estudou ali na década de 1970, em um curso que, na época, era chamado de Estudos Sociais.
A filha de Glaucia, que tem, atualmente, 24 anos, também estudou e se formou na UEM, no curso de Direito, assim como outros familiares. Essa ligação não vem apenas do fato de ser maringaense, mas também do fato de sempre ter estudado em escola estadual, o que, para ela, foi uma vivência importante. Ali, ela acompanhou, desde menina, as lutas que os professores tiveram para realizar as atividades do dia a dia e para também garantir um ensino público de qualidade. Além disso, estudando com professores de ensino médio que também eram docentes na UEM, , ela fez muitas visitas, trabalhos e outras atividades dentro do campus da universidade.
“Talvez, a luta deles é que foi me inspirando ao longo do tempo. A formação não acontece só quando a gente entra na graduação, ela acontece no primeiro momento em que a gente entra em contato com a escola, com o tipo de escola e o tipo de vivência que a escola te permite”, explica Brida. Ela acrescenta que esses são os motivos dela gostar tanto de estar onde está e os motivos que a levam a defender tanto a universidade, “nesse momento tão difícil que ela atravessa”.
Glaucia também é chefe adjunta do Departamento de Psicologia, coordenadora geral da Unidade de Psicologia Aplicada (UPA), orientadora da equipe psicossocial do Núcleo Maria da Penha (Numape) e organizadora, junto a estagiárias do curso de Psicologia, do Somar – serviço de atendimento psicológico às mulheres em situação de violência.
Mas para entender o percurso trilhado por ela, é preciso voltar um pouco no tempo. Recém-formada, ela fez especialização em Psicanálise e Civilização, também na UEM. Quando ainda estava terminando a pós-graduação, ela foi aprovada no mestrado de Psicologia Social, na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Ali, ela continuou o trabalho que havia começado na especialização, sobre feminilidade, tentando entender a demanda de mulheres para grupos de gestantes.
Em seu percurso na pós graduação, Brida teve, entre tantas outras situações, dois exemplos da desigualdade de gênero, dentro e fora do mundo acadêmico. O primeiro exemplo, refere-se aos questionamentos que as pessoas fizeram ao saberem que ela iria para São Paulo. Por que ela, mãe e com um bebê, iria para outro cidade, em outro estado, para estudar? Perguntas que, provavelmente, não seriam feitas a um homem.
O segundo, refere-se a entrevista que fez como uma das etapas do processo seletivo do mestrado. Naquele momento, estava presente um professor que sabia que ela havia se tornado mãe a pouco tempo e questionou como ela faria a especialização tendo um bebê pequeno. Também outra pergunta que, provavelmente, não teria sido feita para um homem. Para Glaucia, isso foi uma demonstração de como o espaço acadêmico ainda é muito masculino e não leva em consideração as demandas das mulheres.
Dentro da universidade, no percurso trilhado na ciência, as dificuldades são as mesmas daquelas enfrentadas pelas mulheres do lado de fora dos muros da academia. Mesmo em áreas com maior número de mulheres, como a Psicologia, os espaços com cargos mais valorizados são, a maioria, ocupados por homens.
“Eu tinha uma orientadora que dizia que a gente consegue ver se a profissão é valorizada socialmente, de acordo com o número de homens. Essa inversão numérica das proporções, revela a dificuldade que as mulheres enfrentam. Não é fácil”, comenta a psicóloga.
Finalizado o mestrado, Brida trabalhou como psicóloga no Centro de Referência da Criança e do Adolescente, da Prefeitura Municipal de Maringá. A partir do trabalho com meninas e mulheres em situação de violência, no doutorado, também feito na PUC-SP, no Programa de Psicologia Clínica, ela trabalhou com o tema, buscando compreender as repercussões psíquicas da violência sexual na infância em mulheres e meninas. Neste período ela era docente na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, onde coordenou projetos de atendimento psicológico às mulheres e crianças em situação de violência sexual.
Quando voltou para Maringá, em 2013, e ingressou no DPI/UEM, ela passou a desenvolver e trabalhar em projetos voltados a violência contra as mulheres. “Ao estudar a violência sexual, a gente vê que os principais alvos são mulheres e meninas. Trata-se de uma violência de gênero, então eu passei a trabalhar com uma visão mais ampliada, não apenas contra crianças”, explica Glaucia.
Pandemia
Assim como todos os outros trabalhadores do mundo, a coordenadora geral da UPA, teve que lidar com um difícil processo de adaptação nos atendimentos durante a pandemia. Foi preciso transformar um serviço-escola com atendimentos psicológicos 100% presenciais em um serviço-escola on-line, do dia para a noite. Foi preciso participar de diversas reuniões de muitas reuniões e discussões da Associação Brasileira de Ensino de Psicologia e do Conselho Federal de Psicologia (CFP), porque, até então, não era permitido o atendimento on-line por alunos. O primeiro problema estava resolvido: o atendimento remoto realizado pelos alunos foi autorizado, de acordo com algumas recomendações do CFP.
O segundo problema começou assim que o primeiro foi resolvido. Eles não tinham nenhum tipo de estrutura para fazer o atendimento de forma remota. “Nós tivemos que refazer todo o nosso fluxo e protocolos de trabalho, criar todo um sistema por meio de pastas no Google Drive, instituir uma carta de serviços com detalhamento das ações. Tivemos que modificar todos os documentos que tínhamos em papel para o virtual, tivemos que aprender a usar ferramentas de aplicativos para fazer os termos que os pacientes precisam assinar, criar um novo jeito de agendar os pacientes, um novo jeito dos estagiários preencherem os formulários. A gente criou uma clínica virtual do nada!”
Na UPA, desde o início da pandemia, foram abertos 970 novos prontuários de usuários atendidos, foram mais de cinco mil procedimentos online neste período. O trabalho mediado por tecnologias da informação e comunicação (TICs) permitiu ampliar a oferta de atendimento psicológico a pessoas de outros lugares do Brasil e alunos da UEM de outros campi, que muitas vezes não tinham como ir a Maringá para serem atendidos.
Assim como a UPA, o NUMAPE/UEM também teve seu trabalho afetado pela pandemia. Em março de 2020, com o lockdown, o projeto da UEM e serviços voltados para a violência contra mulheres registraram uma diminuição de casos, por diversos motivos, como a mudança dos protocolos de atendimentos da rede de serviços, que dificultou o acesso e contato com a população. No caso do Numape, a coordenadora divulgou o atendimento remoto e novos números de contato nos programas jornalísticos mais populares de Maringá e região, e aos serviços da rede especializada de atendimento às mulheres em situação de violência. Também foram realizadas publicações nas redes sociais do NUMAPE para informar os contatos dos serviços da rede. Depois disso, os casos começaram a chegar e em maior número. Esse aumento reflete o crescimento do número de casos de violência contra mulheres registrados no mundo todo. E não foi diferente com o NUMAPE e toda a rede de atendimento às mulheres.
Houve, inclusive, o aumento dos índices de feminicídios, que, como Glaucia explicou, revela o ponto final de vivências recorrentes de violências em que a rede não pode atuar na proteção desta mulher a tempo. Com a crise sanitária, econômica e social, o aumento do número de feminicídios revela, também, que as mulheres estão mais vulneráveis, não apenas em relação às medidas de isolamento social – muitas, inclusive, precisaram trabalhar presencialmente neste período -, mas principalmente pela falta de acesso às políticas de proteção social.
De uma maneira geral, Brida acredita que no percurso de toda mulher é essencial uma rede de apoio de mulheres. “Durante toda a minha formação, para trabalhar e estudar, eu tive essa rede. Agora, na pandemia, eu fui retomando esse lugar de rede, para cuidar de outras mulheres. Levar ao médico, fazer compras etc. Nesse sentido, a pandemia aumentou o trabalho das mulheres”, diz Glaucia, mulher, professora e cientista.
Confira a terceira temporada do podcast “Donas da ciência”, e ouça a história da Glaucia contada por ela mesma
Donas da Ciência – T3 E2 – Glaucia – Conexão Ciência C²
O conteúdo desta página foi produzido por
Texto: Rafael Donadio
Arte: Murilo Mokwa
Revisão: Ana Paula Machado Velho
Supervisão de Arte: Tiago Franklin Lucena
Edição Digital: Gutembergue Junior