Provavelmente, seu feed do Instagram, assim como o nosso, tenha sido invadido por inúmeras montagens de fotos feitas no estilo do Studio Ghibli1 usando inteligência artificial (IA). Isso ocorreu em abril deste ano. O assunto abriu margem para uma discussão ética e moral para o uso de IA em aspectos de criatividade como a produção de imagens, texto e áudio. Contudo, engana-se quem pensa que a inteligência artificial serve apenas para usos ligados à comunicação.
No vídeo abaixo, mostramos quais os tipos de inteligências artificiais existem atualmente.
Nas pesquisas que fizemos para escrever este texto, muitos autores conceituavam que a inteligência artificial é um sistema tecnológico, no qual máquinas são capazes de reproduzir e realizar tarefas simulando a inteligência humana.
Essa área começou a ter alguma expressividade como campo de estudo e aplicação, no Brasil, a partir de 1970. Com o correr das décadas, a inteligência artificial passou a ter visibilidade e expressividade comercial e institucional no território brasileiro.
Nos anos 1990, o campo se expandiu para áreas diversas como a de reconhecimento de padrões, processamento de linguagem natural e visão computacional. Sem falar nos setores de saúde, finanças e industrial.
Uma das múltiplas possibilidades da utilização de softwares avançados, que aplicam a inteligência artificial em seus produtos ou serviços, pode ser observada na Universidade Estadual de Maringá (UEM). O Programa de Computador “Gel Analysis App — Molecular Analysis Automation System” foi desenvolvido pelos professores Julio Cesar Polonio, Clenivaldo Pires da Silva, Mateus Filipe Tavares Carvalho, Yandre Maldonado e Gomes da Costa, Franklin Cesar Flores e Claudete Aparecida Mangolim, vinculados a diferentes departamento da Universidade.
Mas o que é esse programa?
O projeto começou com o doutorado do pesquisador Clenivaldo Pires da Silva. Durante o mestrado, ele desenvolveu um banco de dados para gerenciamento de coleções biológicas. Quando ingressou no doutorado, orientado pelo professor João Alencar Pamphile (UEM), teve contato com Julio Cesar Polonio, pós-doutorando no período. Os dois se uniram com a ideia de desenvolver um sistema que auxiliasse a análise de bandas em geis de eletroforese — um ‘jeito’ de separar pedaços de DNA2, RNA3 ou proteínas usando eletricidade. As moléculas andam por um gel e se separam conforme o tamanho.

Esse processo é feito a partir da análise de fotos das bandas de geis. Nelas é que é aplicado o material genético. No primeiro momento, essa verificação era feita pelos pesquisadores de maneira manual. Segundo o professor Julio, “usávamos uma régua na frente do monitor, fazendo a leitura. Cada coluna era uma amostra e eu ia anotando onde tem essas marcas, que a gente chama de bandas”, afirma.
Era um trabalho demorado, lembra ele, sem contar que era propenso a erros. Então, a ideia foi, justamente, automatizar o processo de forma a evitar erros e que fosse mais rápido, e mais prático.
Surge, assim, o Programa de Computador “Gel Analysis App — Molecular Analysis Automation System”, que diminuiu a probabilidade de erros e resultados em minutos. Polonio destaca que “não é o primeiro software para análise de geis, mas é o primeiro que usa inteligência artificial para fazer esse reconhecimento de bandas. Então, esse é o grande salto que a gente teve com o desenvolvimento desse aplicativo”.

A inteligência artificial do aplicativo foi treinada com uma grande quantidade de imagens de bandas de geis, criando assim um dataset4. O aplicativo é como se “estivesse aplicando um leitor de código de barras para fazer a leitura do perfil de fragmentação, de amplificação que esses DNAs vão apresentar. E aí, cada indivíduo, segundo ele, pode ou não características semelhantes”, afirma Julio Polonio.
Em termos de aplicabilidade, a tecnologia pode ser usada, principalmente, para filmes de pesquisa e diagnóstico. Por exemplo, pensando em termos de detecção de doenças de uma forma mais rápida; para uma análise mais ágil, de geis, com muita informação; para filmes forenses5, tanto em termos de crimes como também em exames de paternidade.
O pesquisador confirma que os geis mais complexos, normalmente, são mais utilizados para fins de estudos de diversidade genética. Essa técnica facilita o uso para estudos desta natureza, mas também, “de quantificação de diversidade genética e estudos voltados para melhoramento genético, da agricultura, de animais, para estudos voltados à caracterização genética e muito mais”. Até porque o software está em constante atualização assim como as ferramentas de IAs.
Ciência e IA: como essas duas áreas se encontram?
O Jornal da Ciência é um informativo bimestral da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). A edição de junho – julho de 2023 foi exclusivamente dedicada ao impacto da IA na ciência.
As primeiras páginas apresentam que “as tecnologias eletrônicas e digitais vêm conquistando espaços no cotidiano desde a Revolução Industrial — isso não é novidade —, mas a velocidade com que elas vêm evoluindo e transformando hábitos e horizontes é uma novidade cada vez mais difícil de acompanhar”.
A inteligência artificial já está bem mais presente nas áreas da ciência, da indústria e da medicina, como você pôde conhecer, por exemplo, no projeto que mostramos acima, ainda em fase de testes.
Contudo, para a maior parte das pessoas, a Inteligência Artificial se resume a participar de trends do Studio Ghibli. Isso porque, de acordo com o bimestral, muita gente já tinha ouvido falar em IA, mas nunca teve a chance de usar diretamente — e de forma tão simples, fácil e didática — recursos que chegassem em resultados tão impressionantes. Em artigo para a Revista Piauí, o professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e pesquisador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Democracia Digital (INCT.DD), Rafael Cardoso Sampaio, afirmou que “certamente, é difícil saber se tais impactos serão positivos ou não. Nosso ponto é afirmar que tais efeitos irão acontecer no curto prazo e que a academia e ciência brasileira precisam se preparar para tanto. A simples negação ou proibição dessas ferramentas não ajudará o debate, não colocará o Brasil numa posição de liderança em novas tecnologias e nem nos permitirá fazer um debate sério sobre a regulação da inteligência artificial, algoritmos e plataformas de redes sociais no futuro próximo”, em publicação.

Atualmente, o Projeto de Lei 2338/23, do Senado Federal, segue em análise pela Câmara dos Deputados. O texto regulamenta o uso da inteligência artificial. A proposta classifica os sistemas de inteligência artificial quanto aos níveis de risco para a vida humana e de ameaça aos direitos fundamentais como os autorais e a propriedade intelectual. Até o momento de publicação deste texto, o PL, que aguarda tramitação, seguia nas mãos de uma comissão especial.
O futuro dirá!
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Texto: Maysa Ribeiro Macedo e João Luiz Lazaretti da Silva
Supervisão de Texto: Ana Paula Machado Velho
Arte: Mariana Muneretti
Supervisão de arte: Lucas Higashi
Edição Digital: Guilherme Nascimento
Glossário
- Studio Ghibli: O Studio Ghibli é um dos estúdios de animação mais influentes do mundo, fundado no Japão por Hayao Miyazaki e Isao Takahata. ↩︎
- DNA: O DNA (ácido desoxirribonucleico) é uma molécula que guarda todas as informações genéticas de um ser vivo. Ele funciona como um “manual de instruções” que diz ao corpo como crescer, funcionar e se reproduzir. ↩︎
- RNA: O RNA (ácido ribonucleico) é uma molécula que ajuda a transformar as informações do DNA em proteínas. Ele funciona como um “mensageiro” que leva as instruções do DNA até as partes da célula que produzem as proteínas. ↩︎
- Dataset: É um conjunto organizado de dados, geralmente usado para estudar, analisar ou treinar programas de computador, como na inteligência artificial. Ele pode conter textos, imagens, números ou outros tipos de informação. ↩︎
- Forenses: Se refere a técnicas e conhecimentos usados para investigar crimes. A ciência forense, por exemplo, usa exames em digitais, DNA, sangue ou computadores para ajudar a descobrir o que aconteceu e quem esteve envolvido. ↩︎
A pesquisa que mencionamos contribui para os seguintes ODS:

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