Impactando histórias de vida

Impacto social, ambiental e econômico são as contribuições dos Projetos Dignitá e Motirô na vida dos participantes

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Segue o protótipo, tira as medidas, recorta, cola… Durante as oficinas, o bate papo acontece. As risadas, histórias, piadas e até fofocas circulam pelo ambiente animando os encontros dos participantes. Com sorriso estampado no rosto, eles fazem de uma simples lona um extraordinário sonho concretizado em bolsas para guardar bolas, rodas e, também, ecobags. O material produzido é fruto de um trabalho de formiguinha, “um ajudando o outro”, como dizem os envolvidos no Projeto Dignitá. 

Parte dessa equipe é uma dupla de paratletas. Com eles, é impossível não cair na gargalhada. A cada tesourada na lona, uma história para contar. 

Rayan Augusto de Souza, 34 anos, está no projeto Dignitá há aproximadamente 2 anos. Cadeirante, após um acidente, ele conta que já realizou muitas atividades em sua vida, como teatro, aulas de dança, golf, jiu jitsu e foi até modelo. É, realmente, uma figura com muita história pra contar! Passou a infância mudando para diversos lugares no país. O pai era militar, então a família sempre o acompanhava para os locais onde ele era designado a trabalhar. Até que veio parar em Maringá, no Paraná. Foi então que conheceu o Dignitá durante um dia de treino de basquete.

A história foi parecida com a de Claudson Salomão, conhecido como DK, 26 anos, que iniciou o projeto em fevereiro deste ano. Ele era atleta de rugby e trabalhava com construção civil. Foi nesta atividade que sofreu um acidente e se tornou cadeirante. Desde então, procurava um esporte que pudesse praticar nesta condição e encontrou. “O basquete foi a porta de entrada para o Dignitá. Além disso, a integração com a Universidade foi muito importante para mim. É terapêutico e me desestressa. Fazemos amizades, contamos histórias e damos risada”, anunciou.

O Projeto Dignitá 

O Dignitá começou no período da pandemia, em que se enxergou uma vulnerabilidade no público PCDs (Pessoas com Deficiência), principalmente, em pensar maneiras de ajudar financeiramente as esposas dos jogadores de basquete de rodas, relembrou Nicolas Fernandes, acadêmico de Psicologia da UEM e membro de gestão de pessoas do projeto. Porém, devido à perda de patrocínio e a saída de alguns jogadores, houve algumas mudanças. Hoje, o foco do projeto está mais voltado para a questão da invisibilidade social que os atletas enfrentam. 

Com essas novas demandas, surgiu a iniciativa de criar oportunidades para inserir, dar visibilidade e capacitar os paratletas por meio da produção e venda de acessórios esportivos feitos com o reaproveitamento da lona vinílica e, consequentemente, a possibilidade de uma renda extra aos participantes. Foi diante desse cenário que nasceu, em 2021, o Dignitá,  projeto de extensão da Enactus, da Universidade Estadual de Maringá (UEM), em parceria com a Associação Kings de paratletas de Maringá. 

A Enactus UEM é parte de uma organização internacional presente em 33 países, conhecida pelo comprometimento de estimular o desenvolvimento de jovens universitários e os capacitar para cargos de liderança e empreendedorismo com soluções de impacto social, ambiental e econômico para comunidades em vulnerabilidade, traçando um elo entre o mundo corporativo e o mundo acadêmico. Apesar de conectados pelo mesmo propósito, o Dignitá se apresenta como um desmembramento, digamos, “um dos filhos” da Enactus, com personalidade e singularidade própria.

Para o presidente da Associação, Marcelo Amaral, essa união é de extrema importância. “Precisamos consolidar cada dia mais para que traga frutos bons e permaneça para as próximas gerações. Somos gratos e, ao mesmo tempo, felizes por estarmos juntos nesse projeto”. 

As oficinas do Dignitá  para a produção das bolsas e ecobags, acontecem na UEM, no bloco M05, sala 11, toda quinta-feira, com equipe de três atletas do Kings durante o período de 1 hora.

Prêmios 

O Dignitá ultrapassou as barreiras acadêmicas! O momento de celebração aconteceu com premiações e indicações em nível nacional. Foi o resultado da dedicação de um projeto que se preocupa com a realidade das pessoas com deficiência e continua sonhando para alcançar muito mais! 

Uma lona, um sonho

Você leitor deve estar se perguntando: o que é essa tal lona vinílica? Por que a escolha desse material em especifico? 

Pois bem, vamos lá!  A lona vinílica, muito utilizada para confecção de banners,  é um tipo de lona fabricada com uma mistura balanceada entre resina, plastificantes e uma carga de aditivos. Possui um tempo de decomposição longo que pode chegar a centenas de anos. “O que acontece é que não há uma destinação correta desse material e as consequências podem ser desastrosas ao meio ambiente”, explicou Natália dos Reis Martins, acadêmica de Engenharia Química da UEM e diretora de projetos da Enactus.  

Além das preocupações ambientais, a equipe também observou um custo benefício. Por ser um material de valor acessível, o projeto consegue adquirir um bom lucro e ainda produzir bolsas reforçadas, de qualidade e com preço justo para a comunidade.  “Foi uma junção do útil ao agradável”, destacou o acadêmico Nicolas.

A partir da produção e acabamentos, as bolsas e ecobags podem ser personalizadas de acordo com os desejos dos compradores e, parte do lucro da venda, é convertido para os participantes e o Dignitá se responsabiliza por todo direcionamento comercial e divulgação em redes sociais. Inclusive, já existem demandas solicitadas pelas atléticas da Universidade e algumas Prefeituras no Paraná. Um ponta pé inicial para a expansão de um sonho! Então, mãos à lona!

Além da Universidade 

O Dignitá permitiu uma aproximação da comunidade externa com a Universidade movidos pelo engajamento dos acadêmicos, ao “vestir a camisa”, com paixão, empatia e o desejo de transformar a realidade ao seu redor.  Para a acadêmica Natália, o projeto vai além da graduação.  “Nunca na vida veria isso na universidade. O contato com as comunidades, gestão de tempo, gestão de pessoas e impactar as realidades é uma das habilidades de liderança desenvolvidas nos acadêmicos. É nítido o brilho nos olhos de quem participa”, concluiu.

Um sentimento genuíno de pertencimento conecta os participantes do projeto. “A participação da equipe, vai além de confeccionar bolsas ou pelo acesso à ajuda financeira, mas pelo relacionamento  com a sociedade, com os mais novos e pela troca de experiências. Não é uma galera que conhecemos na vida, por exemplo”, contou Rayan.

O paratleta também ressaltou a tranquilidade que as oficinas proporcionam ao seu emocional, diferente do esporte em que há bastante cobrança, os encontros permitem um momento de sossego e faz bem para o time. “Às vezes, tem até um lanchinho muito bom! DK só vem por causa do lanche”,  brinca. 

Para o acadêmico Nicolas, são ações como essas que preparam os jovens para o mercado de trabalho, além de criar laços e possibilidades ao construir uma rede que pode ajudar futuramente. Ele destaca que o projeto, acima de tudo, o realiza como pessoa. “Uma das coisas que é característica do nosso grupo é a identificação com nossos valores. Isso é muito gratificante”.

Entrevista com os membros do projeto, Nicolas Fernandes e Natália dos Reis para o Conexão Ciência (Foto/Gabrielli Ferreira)

É fazendo que se aprende

Se lembra que falamos que o Dignitá era um dos ‘filhos’ da Enactus? Pois bem, iremos lhe apresentar o outro filho, agora! Motirô é um projeto que leva educação ambiental para escolas, além de capacitar professores e pedagogos para que os ensinamentos continuem sendo replicados ano a ano. Por meio de módulos educativos, as lições sobre meio ambiente são ensinadas de forma lúdica, além de mostrarem, na prática, maneiras de descartar de forma correta resíduos sólidos e orgânicos com o uso de composteiras.

Quem cozinha sabe da enorme quantidade de cascas, restos e todo o material orgânico que descartamos para fazer um almoço simples de segunda-feira. Casca de cebola, casca de alho, aquela parte do tomate que ninguém come, tudo vai para o lixo. Se em nossas casas, com uma, duas, três ou quatro pessoas esse número já é alto, imaginem em uma escola que prepara refeições para centenas de alunos, diariamente. O que poucos sabem é que aquela casca de banana que parece inofensiva ou aquele pedaço de tomate meio machucado pode liberar compostos tóxicos e de difícil decomposição se descartados de forma inadequada, prejudicando o meio ambiente. 

É aí que as crianças das escolas que têm parceria com o projeto ganham a oportunidade de aprender, na prática, como transformar em adubo natural materiais que seriam descartados. Esse fertilizante gerado ajuda a comunidade local, sendo destinado para hortas residenciais e comunitárias da região. A compostagem não é um processo simples, envolve conhecimentos científicos. Possibilita aos alunos aplicarem os conceitos aprendidos em sala. Para resumir, é na compostagem que acontece a estabilização da matéria orgânica, gerando nutrientes e minerais, que serão absorvidos pelas plantas.  

Dizem que a palavra convence, o exemplo arrasta e é exatamente isso que a diretora de projetos, Natália dos Reis, nos contou sobre o feedback dos pais dos alunos. “Muitos pais contam que os filhos estão ensinando como descartar os alimentos de forma correta, o que pode e o que não pode e alguns até querem ter composteiras em casa”. A pirâmide de conscientização ambiental formada pelo Motirô é ampla, atingindo uma comunidade formada por alunos, pais, professores e funcionários das escolas em que passam. 

Criado em 2018, o projeto vem firmando parcerias com as Secretarias de Educação de Maringá e Sarandi, somando 20 escolas atendidas nessas cidades. Para Júlia Giacomelli, estudante de Engenharia Química da UEM e que faz parte do Motirô, desde 2021, o projeto tem como objetivo se tornar política pública nos municípios da região, capacitando pedagogos e professores, além de ensinar, principalmente, por meio do exemplo. Segundo a universitária, “246,50 kg de resíduos orgânicos foram compostados em 2022, gerando 140 kg de adubo”.

O Legado 

A acadêmica Natália relembra emocionada sobre o legado de Júlia Barnabe, presidente do ciclo anterior da Enactus, que faleceu no ano passado, aos 21 anos. A história e propósitos dela serviram de inspiração para os membros atuais. “Ela organizou e estruturou várias propostas que estamos concretizando agora. Foi exemplo de gestão, na forma de falar com as pessoas, além de uma grande amiga”, finalizou.

O impacto dos projetos Dignitá e Motirô superou as premissas iniciais ao despertar o sentimento de empatia, identificação e desejo de transformação da realidade de pessoas que anseiam em participar da sociedade de forma ativa e, acima de tudo, ter suas demandas atendidas. Contudo, assegurar a dignidade das pessoas com deficiência, é criar oportunidades, desenvolver talentos e torná-los protagonistas de suas histórias. Essa é a maior vitória!

Acompanhe também o impacto do projeto Lavi da Enactus na vida de imigrantes e sua integração na sociedade e no mercado de trabalho. E na outra reportagem da semana, as conquistas dos catadores de materiais recicláveis, em Guarapuava-PR.

Glossário:

Paratleta – Atleta com algum grau de deficiência.

Compostagem – Processo de reciclagem do lixo orgânico, transforma a matéria orgânica encontrada no lixo em adubo natural, que pode ser usado na agricultura, em jardins e plantas, substituindo o uso de produtos químicos

EQUIPE DESTA PÁGINA
Texto: Débora Arcanjo e Gabrielli Ferreira
Revisão: Ana Paula Machado Velho
Supervisão de texto: Ana Paula Machado Velho
Arte: Hellen Vieira
Supervisão de arte: Tiago Franklin Lucena
Edição Digital: Gutembergue Junior

A pesquisa que mencionamos contribui para os seguintes objetivos ODS:

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