Jeane Eliete Laguila Visentainer: a menina que queria ser professora e cientista

Diz a canção que sonhos não envelhecem, que basta contar compasso, que basta contar consigo

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A melodia do grupo mineiro Clube da Esquina bem cabe como trilha sonora para a voz compassada, firme e com clareza de raciocínio de Jeane Eliete Laguila Visentainer ao falar de sua vida e trajetória acadêmica. Sem nem mesmo ter consciência do que era ser uma cientista, quando menina, já tinha a curiosidade de saber como o corpo humano se defende das doenças.

Teve o pai como exemplo. O professor formado em Letras e Pedagogia, Marcílio Laguila, é seu grande referencial ainda nos dias atuais. “Eu gostava muito de estudar. E, por influência dele, acabei fazendo dois cursos paralelos no segundo grau, um deles o Magistério”, relembra. 

Aos 18 anos, Jeane ingressou na Universidade Estadual de Maringá (UEM) para cursar Farmácia e Bioquímica e, digamos, se encontra com o sonho de criança no laboratório, especificamente, na área de Análises Clínicas. Sem a mãe já falecida e apenas com o pai para cuidar de duas filhas, Jeane chegou a ter dúvidas se teria condições financeiras para fazer um curso integral, sem trabalhar. “Meu pai fez um grande sacrifício para me permitir realizar esse sonho”. Mesmo antes de terminar o curso, Jeane já dava aulas para alunos do antigo 2º Grau, hoje Ensino Médio.

E ela também buscava se superar. Determinada a seguir os passos do pai no Magistério, ainda em 1988, Jeane nem bem termina a faculdade, se candidata e é aprovada para uma vaga de professora colaboradora (temporária), na UEM, na disciplina de Imunologia. Como tinha uma carga menor de trabalho, aproveitou para engatar o mestrado em Ciências Biológicas (Biologia Celular), no próprio campus e, ao término, fez concurso e foi efetivada na disciplina.

Nesta época, já casada com o também professor universitário do curso de Química, Jesuí Vergílio Visentainer, e com uma filha, Lorena, os três partiram rumo a São Paulo para o doutoramento duplo, na Unicamp. Ela em Clínica Médica, ele em Ciência de Alimentos. Os estudos iam bem, as áreas de interesse e pesquisa se consolidavam e as oportunidades iam surgindo. “O fato de ser casada com um professor universitário, com o mesmo interesse pela ciência e objetivos comuns, facilitou muito o desenvolvimento da carreira”, ressalta. 

Tanto é verdade tal confluência de energia que lá foram mãe, pai e filha para o pós-doutorado em Laval University, no Canadá.  “A minha vida pessoal e a profissional sempre andaram juntas e esse apoio familiar foi fundamental para superarmos, juntos, os obstáculos e seguir em frente”, reflete.

Historicamente, o curso de Farmácia sempre foi dominado por maioria de mulheres. E desde que Jeane entrou na universidade no final dos anos 80 tem sido assim. Por isso, questões de gênero parecem não representar grandes obstáculos para o desenvolvimento da carreira acadêmica. É claro que cada mulher tem seus próprios demônios e desafios. Porém, percebe-se que o foco na pesquisa, ou mesmo na atividade profissional fora da academia, demonstra ser o foco principal dessas mulheres, que abraçaram a ciência, a docência e o desejo de fazer a diferença na sociedade.

Claro que no caminho muitas escolhas pessoais podem ter interferido nas decisões profissionais, ou vice-versa. Para Jeane, “o importante é que conseguimos uma interação muito boa entre nós e realizamos nossos sonhos, passando para a nossa filha a importância da educação, da carreira e, hoje, ela já encontrou seu caminho”. Na atualidade, Jesuí é professor aposentado do Departamento de Química, mas continua ligado à produção científica como bolsista 1B de produtividade em pesquisa do CNPq, inclusive trabalhando em pesquisas em comum. A filha Lorena é dermatologista, em Maringá. 

E Jeane pode dizer que conseguiu unir os dois principais sonhos de criança como professora e pesquisadora da Universidade Estadual de Maringá na área de Imunologia, com ênfase em Imunogenética e Imunohematologia. Agora ela é gestora na direção do Laboratório de Imunogenética da UEM, onde atende pacientes e doadores de medula óssea por meio dos exames de histocompatibilidade, que garantem o tão almejado transplante.

Oportunidade

Segundo Jeanne, um dos principais desafios impostos à carreira dela, foi a pandemia de Covid-19. Por causa do isolamento, ela sentiu falta do convívio com a família, e diz que também “pegou” a ausência da interação no laboratório e a distância dos alunos. “Foi um período de grande angústia”, lembra. Mas, depois de usar as ferramentas virtuais para discussões, foi possível estabelecer uma nova dinâmica, agora tendo o coronavírus como objeto de estudo e de forma remota. 

O trabalho se concentrou na busca e avaliação dos artigos científicos que surgiram sobre o novo coronavírus. A professora lembra que a grande questão da Imunologia é saber por que algumas pessoas desenvolvem a forma grave da doença e outras não. “Ao mesmo tempo em que houve uma parte muito triste da doença, para nós cientistas criou-se uma oportunidade de buscar respostas”.

Como orientadora no Programa de Pós-graduação em Biociências e Fisiopatologia/PBF, do Centro de Ciências da Saúde,  nível 5, pela CAPES, Jeane tem ampla experiência na pesquisa do Sistema HLA, citocinas, genes KIR e MICA, imunologia do transplante e de grupos sanguíneos eritrocitários, susceptibilidade genética a doenças infecciosas e hematológicas e influência de alimentos funcionais no sistema imunológico. Todo esse conhecimento já é objeto de livros, artigos e trabalhos reconhecidos internacionalmente e, agora, está servindo de suporte para o enfrentamento da pandemia. 

Hoje, estão sendo desenvolvidos projetos nessas áreas com colegas de trabalho de todo o Brasil, envolvendo a Covid-19 e a parte da genética dos indivíduos. “Tínhamos que verificar a seriedade da pesquisa e a metodologia para depois orientar como referência no enfrentamento da pandemia”. Os primeiros resultados das pesquisas orientadas pelo laboratório da UEM, na área da Imunogenética, devem ser publicados em breve. 

E muito mais está vindo por aí, porque as mulheres da ciência da UEM estão dispostas e disponíveis de coração para enfrentar os desafios e ainda estimular a juventude para abraçar a educação, a pesquisa e promover o conhecimento. Nós também pensamos “que de tudo se faz canção”, lembrando mais uma vez o Clube de Esquina. Jeane está confiante no futuro.

Jeane Eliete Laguila Visentainer tem o pai, Marcílio Laguila, como grande influência e incentivador (Arquivo pessoal)

Confira a primeira temporada do podcast “Donas da ciência”, e ouça a história da Jeane contada por ela mesma

Donas da Ciência – T1 E2 – Jeane Eliete Laguila Visentainer Conexão Ciência C²

Graduada em Farmácia pela UEM, Jeane Laguila conta, neste episódio, sobre seu sonho de ser professora e cientista.

O conteúdo desta página foi produzido por

Texto: Silvia Calciolari
Arte: Murilo Mokwa
Supervisão de Arte: Tiago Franklin Lucena
Edição Digital: Gutembergue Junior


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