Silvia Elena Prado é natural da Venezuela e viu sua vida mudar repentinamente três anos atrás. Tudo começou quando o seu filho mais velho se mudou para o Brasil, mais especificamente para a cidade de Maringá, no Paraná. Ele veio a convite de uma prima, já que possuía alguns familiares no país. E, posteriormente, a filha mais nova de Silvia falou que também gostaria de ir para Maringá, morar com o irmão. O planejamento da viagem foi bem rápido e, em menos de um mês, a caçula já estava na nova cidade.
Depois de um ano, chegou a vez de Silvia partir para a cidade paranaense, em setembro de 2019. Somado à vontade de visitar os filhos, ela veio com o objetivo de buscar novas oportunidades, para uma melhor qualidade de vida, tendo em vista o colapso político, econômico e humanitário pelo qual a Venezuela vem passando, desde meados de 2013, por conta da crise de exportação de petróleo (principal fonte de riqueza do país) e de conflitos políticos.
A imigrante conta que essa situação fez ela e sua família passarem por muitas dificuldades. “O acesso aos serviços públicos era péssimo, os salários não cobriam necessidades básicas como comida e remédio, tudo estava extremamente caro”, relata. Assim, sabendo que teria que morar em Maringá por um tempo indeterminado, Silvia já foi logo em busca de um emprego. Ela queria se ocupar e pensou, de cara, em procurar algo relacionado à costura, porque é algo que gosta muito de fazer.
Na Venezuela, tinha uma loja, mas foi obrigada a fechar as portas diante da crise do país. Ela também trabalhou como professora do ensino fundamental, durante 31 anos. No entanto, devido ao processo de revalidação do diploma, que é caro e extremamente burocrático, Silvia resolveu começar um curso de costura e seguir nessa área durante sua estadia no Brasil. Quando estava fazendo o curso, foi trabalhar como costureira em uma fábrica de roupas, na parte de acabamento das peças.
A venezuelana aprendeu bastante com seus colegas de trabalho. Lá, conseguiu entender mais do idioma, porque a maioria dos que trabalhavam junto com ela eram brasileiros. E, apesar de entender mais o português, Silvia ainda tem dificuldades com a pronúncia de algumas palavras e até em compreender algumas gírias, já que as pessoas do círculo social dela não usam muito.
É a partir daí, que surge o papel da Enactus, uma organização internacional sem fins lucrativos, em que voluntários atuam impactando a vida dos indivíduos. O grupo reúne estudantes, líderes e empresários, que possuem o desejo de desenvolver projetos sociais, por meio de ações empreendedoras.
A Enactus está presente em Maringá envolvendo os estudantes da Universidade Estadual de Maringá (UEM), que formaram a Enactus UEM, tendo como objetivo encontrar soluções para que as dificuldades de determinadas comunidades sejam sanadas.
Os trabalhos da organização surgem a partir da verificação de um problema dentro da sociedade e, com a questão da chegada de muitos imigrantes em Maringá, a equipe enxergou a necessidade de integrar essas pessoas, oferecendo, inicialmente, aulas de português, com o projeto Raízes e Asas, que foi reformulado e, dele, nasceu o Lavi. O novo projeto continuou com os mesmo membros do Raízes, mas, dessa vez, com o intuito de estabelecer pontes para ligar os imigrantes haitianos e venezuelanos a entrarem em contato com as empresas da região, ajudando, desse modo, pessoas como a Silvia.
Mas, antes de continuarmos essa história, você sabe o que é imigração? Qual a diferença entre imigração e migração? No vídeo abaixo, o Conexão Ciência tira algumas dúvidas.
A Enactus UEM está muito ligada ao significado de cada detalhe em suas iniciativas e com o nome desse projeto não foi diferente. “Como o Lavi atende a comunidade haitiana e venezuelana, a gente tentou associar o nome do projeto a uma das nacionalidades e a logo à outra. Lavi significa vida, no criolo, que é a língua falada no Haiti. E a logo do Lavi é um turpial, que é uma ave símbolo da Venezuela, que também significa presença de vida. Onde tem turpial, tem vida também”, explicou Mariana Maria Silva Santos, estudante da UEM e coordenadora do Lavi.
Para fazer o projeto acontecer, atualmente, a Enactus UEM tem uma parceria com o Instituto Sendas, que é de Maringá e acolhe os imigrantes. “Eles disponibilizam os dados desses imigrantes e, a partir disso, a gente vai atrás das empresas. Um exemplo de parceria que o Lavi tem é com a Ecobio, uma empresa que produz ecobags a partir de um tecido feito de garrafas PET. Nós vimos que tínhamos mulheres imigrantes capacitadas na parte da costura e havia essa empresa de cunho social, totalmente alinhada com os valores da Enactus, precisando de funcionários. Então, a gente juntou essas duas esferas”, conta a estudante Maielly Adriana, coordenadora da Enactus UEM.
Silvia recorda que já tinha conhecimento do Instituto Sendas quando chegou em Maringá, porque sua filha já havia comentado com ela. “Nós morávamos perto do Instituto e acompanhamos todo o trabalho antes dele começar a funcionar. Estou, praticamente, aqui no Sendas, desde quando eles começaram a atuar.”
O Lavi já empregou quatro mulheres, incluindo a Silvia, na Ecobio. “É muito gratificante chegar ao Instituto Sendas e ver essas mulheres trabalhando. São pessoas com cerca de 50 anos, totalmente fora do padrão que o mercado de trabalho procura e, pessoalmente, é muito bom manter o contato e ver que elas são tão gratas pelo projeto. É totalmente mérito delas, às vezes, só faltava um Lavi ali na vida de alguém para fazer a ponte com as empresas”, declara Mariana Santos.
Além do contato da Enactus com os imigrantes, por meio do Instituto Sendas, a organização também participa de eventos em que a equipe do Lavi entrega um panfleto, no idioma da pessoa, com as informações do projeto e o número de algum membro, para que eles entrem em contato com o Lavi. A partir dessa comunicação, os participantes do projeto vão conhecendo mais sobre essas pessoas, podem contatar as empresas e irem passando as informações dos imigrantes para elas.
“A gente vê no que eles são capacitados e, muitas vezes, eles têm uma média de formação acadêmica superior à brasileira. Por exemplo, uma das imigrantes do Sendas é enfermeira, mas ela não consegue atuar no Brasil por conta da revalidação do diploma, que é caríssima e é um processo extremamente burocrático. Uma ideia seria colocar essa mulher em uma clínica de estética, que ela tivesse um curso técnico, para poder atuar em alguma área que seja parecida com a dela. Não é ideal colocá-la, por exemplo, como atendente em algum local, mas sempre buscar alinhar a formação acadêmica com o trabalho aqui no Brasil”, explica Maielly Adriana.
Além de todo o lado empreendedor, a Enactus UEM vê, ainda, o lado humano da imigração. Mariana Santos veio de Sergipe para Maringá e, quando chegou, sentiu-se muito desconfortável por estar em outro local, mesmo tendo feito a escolha de vir para universidade estadual, a UEM. “Imagina para os venezuelanos e haitianos o quanto deve ser difícil? Eu acho que a gente precisa alinhar os dois pontos, ter o lado humano de empregar essas pessoas e também saber o potencial que elas trazem pro mercado de trabalho em Maringá, porque, quando você olha os dados, você vê como essas são pessoas totalmente capacitadas e instruídas, mas que, muitas vezes, não conseguem ingressar no mercado de trabalho”, comenta a coordenadora.
O diferencial do Lavi é esse contato humano com os imigrantes, já que, por esse grupo estar necessitado de emprego, existem muitos casos de exploração quando se trata da questão de trabalho, e isso era um receio muito grande do Lavi, pensar como eles iriam acompanhar essas pessoas para que esses casos não ocorressem. A solução foi um plano de acompanhamento para o imigrante e para a empresa.
“A primeira parte é a de analisar o imigrante, a pessoa no seu particular e apresentar para empresa para ver se eles combinam. Se der certo, a gente acompanha a empresa para saber se o diferencial que a gente ofertou está sendo mesmo apresentado e, ao mesmo tempo, acompanhar o imigrante para saber se ele não está sofrendo nenhuma exploração, se está tudo bem e se ele está sendo acolhido no trabalho, ou seja, como está a integração dele lá dentro”, explica Mariana Santos.
Para facilitar a vida dos imigrantes, o Lavi está pensando, agora, na construção de um guia com todas as associações e institutos que lidam com a causa imigrante aqui em Maringá e até um passo a passo de como, por exemplo, ir até a uma UBS, ou mesmo, lidar com o passaporte. O objetivo do guia é ajudar o imigrante a estar mais situado quando chegar no Brasil ou em Maringá. Também está nos planos futuros do Lavi conseguir capacitar essas pessoas com cursos e outras atividades, dentro da Universidade.
Enfim, o Lavi está sempre buscando formas de agregar qualidade para a vida do imigrante e, apesar de não estar oferecendo nenhum curso no momento, a equipe está constantemente de olho em iniciativas profissionalizantes oferecidas pela Prefeitura de Maringá, que são muitas. As mulheres que foram empregadas pela Ecobio, por exemplo, foram capacitadas pela Prefeitura em um projeto da Secretaria da Mulher, que aconteceu em 2021, no Mês da Mulher, e todas as máquinas que estão no Instituto Sendas, onde elas trabalham, foram doadas pelo governo municipal.
A Prefeitura de Maringá está muito ligada às questões que envolvem a presença dos imigrantes na cidade. Em 2021, a Secretaria de Juventude, Cidadania e Migrantes (Sejuc), passou a ser responsável pelas políticas públicas voltadas para os imigrantes. A pasta tem à frente Emmanuel Predestin, o primeiro haitiano a ocupar um cargo no primeiro escalão municipal. Por meio da secretaria, a Prefeitura já lançou alguns projetos relacionados aos imigrantes, como a criação do Centro de Referência do Imigrante de Maringá e a lei que prevê o Conselho Municipal dos Direitos dos Refugiados, Migrantes e Apátridas.
No áudio abaixo, Fernando Vanalli, gerente de migrantes da Sejuc, fala sobre a criação desses projetos e como eles são importantes para a cidade:
O conteúdo desta página foi produzido por
Texto: Maria Eduarda de Souza Oliveira e Milena Massako Ito
Revisão: Ana Paula Machado Velho
Edição de áudio: Maria Eduarda de Souza Oliveira
Edição de vídeo: Ingrid Lívero
Arte: Murilo Mokwa
Supervisão de Arte: Tiago Franklin Lucena
Edição Digital: Gutembergue Junior