Não é de hoje que a erva-mate, o café, a gralha-azul, a onça-pintada, o pinhão e, principalmente, a araucária, fazem parte do imaginário paranaense.
A emancipação do Paraná, que consistiu na separação da então província de São Paulo, colocou em evidência a necessidade de se criar uma identidade para o povo e para o território paranaense. Entre 1920 e 1930, surgiu o Movimento Paranista, uma proposta estética e cultural que visava exaltar a singularidade do Paraná, principalmente, pelas artes plásticas.
Porém, na mesma rapidez em que o povo se apegou a essa árvore de beleza singular, as atividades humanas contribuíram para um fato preocupante: há anos, a araucária corre risco de extinção.
Para mantê-la viva na paisagem paranaense, esforços são realizados em todos os cantos do Estado. Nos Campos Gerais, o Viveiro Florestal da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) realiza um trabalho que conecta ciência e educação ambiental com a sociedade, promovendo atividades educativas que fortalecem o conhecimento sobre o manejo e a importância da preservação.
O viveiro atua em várias frentes, inclusive na produção e doação de mudas nativas, dentre elas a araucária, em eventos como o “Arboriza Ponta Grossa”. A professora e supervisora do viveiro, Rosimeri de Oliveira Fragoso, destaca que grande parte das mudas doadas são produzidas pelo viveiro e utilizadas como ponte para alcançar as pessoas. “Nesses eventos, passamos informações não apenas sobre o plantio e manejo das mudas, mas também sobre o papel ambiental, social e econômico das florestas, seja no ambiente urbano ou rural”, aponta a professora.
Registros do Arboriza Ponta Grossa – 6ª edição (Foto/Aline Jasper) Registros do Arboriza Ponta Grossa – 6ª edição (Foto/Aline Jasper) Registros do Arboriza Ponta Grossa – 6ª edição (Foto/Aline Jasper) Registros do Arboriza Ponta Grossa – 6ª edição (Foto/Aline Jasper) Registros do Arboriza Ponta Grossa – 6ª edição (Foto/Aline Jasper) Registros do Arboriza Ponta Grossa – 6ª edição (Foto/Aline Jasper)
Preservar as florestas de araucárias garante a preservação de muitas outras espécies nativas e ameaçadas de extinção, e a procura pela araucária no viveiro reflete o quanto a sociedade reconhece sua importância para a biodiversidade. “Preservar a araucária é também um ato de valorização cultural e ambiental, e os impactos negativos das mudanças climáticas, potencializados pelo desmatamento das áreas naturais, têm se tornado do conhecimento das pessoas e chamado a atenção para a necessidade urgente de se buscar soluções”, diz Rosimeri.
Assim como o Viveiro da UEPG se destaca como um verdadeiro guardião da história e da biodiversidade do Paraná, um trabalho em rede envolvendo diversas instituições une biólogos, geógrafos e cientistas da computação por um motivo nobre: a preservação da araucária com o auxílio da tecnologia.
O software caretSDM
Para compreender como as mudanças climáticas podem impactar a ocupação da araucária no Paraná, pesquisadores do Novo Arranjo de Pesquisa e Inovação em Emergência Climática (NAPI-EC) estão trabalhando e aprimorando cada vez mais o software caretSDM, uma plataforma que utiliza inteligência artificial para avaliar como as mudanças climáticas podem interferir na distribuição de espécies naturais no Paraná.
“Com o software, é possível avaliar se diferentes componentes da biodiversidade, dados por diferentes espécies, deverão aumentar sua área de distribuição, ou seja, sua amplitude geográfica no espaço, ou diminuir a sua ocupação no espaço geográfico em face das mudanças no clima”, define a professora da Universidade Estadual de Maringá (UEM) e coordenadora institucional do NAPI-EC na UEM, Dayani Bailly.
O funcionamento do caretSDM é baseado na resposta das espécies aos gradientes ambientais, que estão em constante mudança devido às alterações climáticas. Isso significa que espécies que historicamente ocupavam áreas com condições climáticas típicas podem encontrar esses locais inóspitos no futuro, como explica a professora: “se os parâmetros climáticos de uma região mudam, aquele local pode deixar de ser adequado para a espécie. Com o software, conseguimos mapear como essas alterações impactam a distribuição das espécies no espaço geográfico”, detalha. Desenvolvido em linguagem “R”, o sistema integra modelos computacionais que analisam as condições ambientais das espécies e projeções climáticas para as próximas décadas, considerando diferentes cenários de emissão de carbono. Para entendermos melhor sobre essa poderosa linguagem de programação, o C₂ preparou um vídeo! Confira:
A escolha da araucária como espécie piloto para os testes do caretSDM não foi por acaso. “Símbolo do Paraná, essa árvore representa a identidade cultural do Estado e carrega importância ecológica e econômica, além de ser uma espécie que desperta o apreço popular, sendo crucial para o equilíbrio ambiental. Por isso, decidimos que seria a primeira espécie a ser modelada no software”, explica Dayani.
Embora existam outros softwares que realizem análises semelhantes, o sistema do NAPI-EC se destaca com melhorias significativas. “Nosso propósito foi melhorar a qualidade das avaliações e predições futuras. Os programas disponíveis no meio científico têm limitações e buscamos minimizá-las para oferecer uma ferramenta mais robusta”, explica a pesquisadora.
O software continua em fase de testes, um processo demorado devido à complexidade, para prever e corrigir erros antes que os usuários enfrentem problemas. “Estamos tornando o sistema mais fluido e robusto, mas ainda há trabalho pela frente”, comenta Dayani.
Mesmo em versão inicial, o caretSDM já está sendo utilizado em pós-graduações de algumas universidades do Brasil. Na UEM, professores e estudantes do Programa de Pós-Graduação em Ecologia de Ambientes Aquáticos Continentais (PEA) contribuem para seu aperfeiçoamento, identificando pontos a serem melhorados, enquanto utilizam a ferramenta, num ciclo de uso e feedback essencial para tornar o sistema ainda mais eficiente.

Dayani ainda destaca o trabalho de uma equipe altamente qualificada para o sucesso do desenvolvimento do software. “Luiz Fernando Esser, biólogo e pós-doutorando do NAPI-EC e do PEA, está a frente das tarefas de programação, contando com o apoio diferencial do professor Reginaldo Ré da UTFPR [Universidade Tecnológica Federal do Paraná] de Campo Mourão, que tem doutorado em Computação e Matemática Computacional. A equipe ainda conta com a experiência em Ecologia do Marcos Robalinho Lima, professor da UEL [Universidade Estadual de Londrina}, e José Hilário Delconte Ferreira, geógrafo, professor da UTFPR de Campo Mourão e especialista em geoprocessamento”, diz a pesquisadora.
NAPI Emergência Climática: trabalho em rede
A interdisciplinaridade dos trabalhos realizados nos NAPIs é um dos principais pilares que impulsionam o avanço das pesquisas no Paraná. No caso da pesquisa aqui relatada, a colaboração entre especialistas de diferentes áreas – ecologia, geografia e ciência da computação – tem permitido alcançar níveis de inovação que não seriam possíveis de outra forma. Na visão de Dayani, “a qualidade das investigações e das discussões cresce consideravelmente quando trabalhamos com profissionais de outras áreas. Essa interação enriquece as pesquisas e amplia nossa visão sobre processos ecológicos, sem contar que o financiamento da Fundação Araucária neste projeto em rede permitiu que alcançássemos níveis de entendimento e detalhamento dos processos em análise, coisa que não seria possível trabalhando de forma isolada”.
Para a professora, o trabalho em rede é uma necessidade no avanço científico global. “Dentro da ecologia e evolução, entendemos que o isolamento leva à extinção. E, na pesquisa, é o mesmo. Trabalhar em rede, especialmente de forma interdisciplinar, eleva os ganhos. É assim que conseguimos dar passos maiores na qualidade das avaliações e das inovações”, ressalta.
Com a Fundação Araucária como parceira estratégica, a ideia é compartilhar os resultados e garantir que o software alcance tanto a Academia quanto o público geral. “Vivemos em um cenário em que a produção científica é gigantesca, então, precisamos de estratégias bem definidas para destacar a qualidade do que produzimos. Temos o dever de mostrar como o dinheiro público está sendo aplicado e devolver à sociedade um retorno claro sobre o impacto das nossas pesquisas. A divulgação científica é uma forma de conectar a ciência com as pessoas e valorizar o conhecimento produzido no Brasil”, reforça Dayani.
Outras realizações
Embora o caretSDM já esteja funcional, só será considerado totalmente concluído após a publicação de um artigo científico e a disponibilização global do pacote final.
Já o chooseGCM é outro software desenvolvido no contexto do NAPI Emergência Climática, como uma ferramenta pioneira para selecionar os melhores Modelos Gerais de Circulação (GCMs) — projeções climáticas elaboradas por centros de pesquisa ao redor do mundo. O sistema surgiu para suprir uma lacuna no meio científico: até então, as ferramentas disponíveis não eram compatíveis com os dados mais recentes do CMIP-6 (Projeto de Intercomparação de Modelos Acoplados 6), amplamente revisados e considerados os mais confiáveis para estudos sobre mudanças climáticas.
Com o chooseGCM, os pesquisadores podem selecionar os modelos climáticos que melhor representam as variações futuras de uma determinada região, sempre utilizando os dados mais atualizados. O software analisa mais de 20 GCMs e identifica os mais adequados para cada estudo, realizando uma seleção tão precisa que poucos modelos são suficientes para alcançar resultados equivalentes aos que seriam obtidos ao utilizar todos os dados disponíveis. Tudo isso otimiza o processamento, reduz a demanda computacional e economiza tempo, tornando-se um apoio essencial para cientistas que trabalham com projeções climáticas e biodiversidade.

Publicada na prestigiada revista Global Change Biology, a ferramenta ganhou destaque como capa do periódico. “O chooseGCM já está disponível e em pleno funcionamento para todo o mundo. É uma ferramenta única, desenvolvida dentro do NAPI, da qual temos muito orgulho”, diz Dayani.
Impacto na sociedade
Embora o software pareça muito técnico, sua aplicação gera resultados que podem ser traduzidos em políticas públicas e medidas concretas, trazendo melhorias na qualidade de vida. Um exemplo claro é a identificação de áreas de refúgio climático no Paraná, essenciais para conservar espécies da biodiversidade com importância direta para a população e os sistemas produtivos. Isso inclui desde alimentos e matérias-primas até outros elementos indispensáveis para a economia local e o bem-estar social.
Com base nas projeções do caretSDM, o governo pode priorizar a conservação dessas áreas, implementando ações que assegurem sua integridade frente às mudanças climáticas. A manutenção dessas áreas garante a sobrevivência de espécies-chave, fundamentais para cadeias produtivas e para a segurança alimentar. Além disso, o software pode antecipar cenários de chegada de pragas ou vetores de doenças em regiões específicas, permitindo a adoção de medidas preventivas que minimizem prejuízos aos agricultores e ao sistema de saúde pública.

Outro aspecto relevante é a possibilidade de prever os impactos das mudanças climáticas sobre polinizadores, essenciais para a agricultura. “A produtividade agrícola aumenta com a ocorrência de polinizadores em determinados campos agrícolas, e com o suporte do caretSDM, é possível planejar estratégias para mitigar os efeitos das mudanças climáticas, beneficiando tanto os produtores quanto os consumidores de alimentos”, destaca Dayani.
Ao possibilitar essa transposição da ciência para políticas públicas, o caretSDM fortalece a capacidade de gestão ambiental e econômica, antecipando problemas e proporcionando soluções que beneficiam toda a sociedade. De mãos dadas com a ciência, a conservação ambiental, o controle de pragas e a proteção de recursos essenciais tornam-se mais eficientes, garantindo que o Paraná esteja ainda mais preparado para os desafios do futuro.
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Texto: Guilherme de Souza Oliveira
Revisão de texto: Ana Paula Machado Velho
Edição de vídeo: Luiza da Costa
Arte: Guille Cordeiro e Lucas Higashi
Supervisão de arte: Hellen Vieira
Edição Digital: Gutembergue Junior
A pesquisa que mencionamos contribui para os seguintes ODS:

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