Mulheres: a luta por espaço na política continua viva!

A ilustração retrata uma mulher de vestido branco erguendo o punho em sinal de resistência e conquista. Ao fundo, uma escadaria traz palavras como "direitos", "liberdade" e "justiça". Outras mãos erguidas reforçam o tom de luta, com montanhas verdes e um céu vibrante compondo a cena inspiradora.
Há 93 anos, as mulheres brasileiras conquistaram o direito de votar e serem votadas; na prática, ainda estamos seguindo a utopia por igualdade

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O interessante de se conhecer a história da conquista do voto feminino, que contamos em uma matéria do Conexão Ciência – C², ‘O que você sabe sobre a conquista do voto feminino no Brasil?’, é que podemos ter, à luz do passado, uma ideia mais consistente de como estamos no presente e como podemos projetar o futuro. Vemos, por exemplo, que as mudanças culturais têm um tempo próprio, bem aquém dos nossos desejos. E no tempo presente não é diferente.

Atualmente, as mulheres representam 51,5% da população e 52% do eleitorado no Brasil. Segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), nas eleições municipais entre 2016 e 2020, houve um aumento de 18% no número de candidatas e de 7,5% entre 2018 e 2022, nas eleições gerais federais e estaduais. Já no total de mulheres eleitas, houve um aumento de 17,5%, entre 2016 e 2020, e de 8,36%, entre 2018 e 2020. 

Quando se analisa a representação, os dados da eleição de 2024 mostram que houve avanços para as mulheres. Para o cargo de prefeito, houve um aumento de 7% no número de mulheres eleitas em relação a 2020, totalizando 728 eleitas; de vice-prefeito, o crescimento foi ainda mais expressivo, de 15% — 1.066 vices eleitas; e de vereadoras, o crescimento foi de 12% (10.537), embora o número de homens eleitos continue superior (47.189). 

Como podemos constatar, no caso da conquista do voto feminino, a representação de mulheres na esfera do Legislativo, passados 93 anos, ainda está aquém em termos de representatividade de população e eleitorado.

Formação política

Esses números propõem uma reflexão: por que a representação política ainda não reflete igualdade entre homens e mulheres? A pergunta é tão complexa quanto a resposta. O tema tem instigado pesquisadores de todo o país, que buscam a causa para a baixa representação feminina.

A pesquisadora Alana Morais Vanzela estuda, desde o começo da graduação em Serviço Social, na Universidade Estadual de Maringá (UEM), no Campus Regional do Vale do Ivaí (CRV-UEM), a participação da mulher na política partidária e na disputa de eleições. “A minha pesquisa foi buscar na monografia do curso entender como está estruturada essa participação política no município de Ivaiporã (PR), quantas mulheres haviam participado, até então. E, no mestrado, eu dei sequência a essa pesquisa, só que de forma mais ampliada”, explica.

Durante os anos de investigação, Alana percebeu que a ausência de políticas públicas impacta diretamente na possibilidade dessas mulheres conseguirem participar da disputa eleitoral. Além de todo o tempo e energia necessários para uma eleição, a mulher-candidata que ela pesquisou precisava dar conta dos compromissos de campanha e ainda continuar a jornada familiar com cuidados aos filhos, pais idosos, casa, especialmente as mães solos.

“Como não havia políticas públicas consolidadas na minha cidade, isso também impactava nessa possibilidade delas conseguirem se dedicar a essa outra atividade”, explica Alana. Sem contar que muitas não eram provedoras e não dispunham de recursos necessários para a campanha, além de ter que deixar de fazer aquilo que era entendido como o trabalho natural da mulher, o cuidado, para se dedicar à política. Infelizmente, mesmo em grandes centros urbanos, esta ainda é uma das maiores dificuldades das mulheres.

A imagem mostra uma mulher jovem, olhando para a câmera, de cabelos pretos curtos, sobre o ombro, vestindo uma blusa estampada em branco e preto.
Assistente social e professora temporária do CRV-UEM, Alana Morais Vanzela (Foto/Arquivo pessoal)

Alana também destaca alguns pontos levantados como obstáculos ao ingresso e permanência na política. Além da ausência de políticas públicas para assegurar essa participação, as mulheres enfrentam uma formação política inexistente para entender as regras do jogo, a falta de apoio da família e, em muitos casos, a violência política de gênero. 

“Na pesquisa, elas entendem que as mulheres não são ensinadas a ter interesse pela política. Nesse processo de entender, que é um espaço em que elas poderiam participar, seria importante ter apoio dos partidos na formação política e, também, da família”, relata.

A pesquisadora acredita que o caminho para uma maior representação seria apoiar as organizações e fortalecer os movimentos de mulheres. “Quanto melhor a gente conhece o problema, acho que vai se conseguir, de alguma forma, pensar em novas estratégias e instrumentalizar essa luta”, conclui.

Vale lembrar que em 1997, o Brasil adotou cotas de gênero para mulheres na formação das chapas. A norma exige que partidos assegurem o mínimo de 30% das vagas e o máximo de 70%, com candidaturas de cada sexo. Mesmo com essa política afirmativa, a avaliação é que a representação feminina não se ampliou, muito em função das fraudes e anistias que não punem os partidos pelo uso de candidaturas ‘laranjas’, ou seja, para cumprir a cota.

Violência contra a mulher

Quando se fala que a falta de mulheres, eleitas ou indicadas para cargos estratégicos, nas instâncias de poder prejudica, diretamente, a participação das delas na política, não é mero devaneio. 

Que o diga Tânia Tait, escritora, professora aposentada, jornalista e militante partidária filiada histórica do Partido dos Trabalhadores na luta que defende as mulheres contra todos os tipos de violência. Para ela, que vive em Maringá, Noroeste do Paraná, e atua como voluntária na Associação Maria do Ingá Direitos da Mulher e no Fórum Maringaense de Mulheres, tudo na vida é política.

“Pela política, a gente enxerga tudo. O fato de um governo não investir em combate à violência contra a mulher, como foi no governo anterior, é uma atuação política. Aumentou o feminicídio, por quê? Porque não houve investimento de combate ao feminicídio. É uma decisão política. Por mais que as pessoas não enxerguem, é política, sim”, ressalta.  

Além da violência de gênero presente na sociedade, é preciso combater a violência política contra as mulheres, dentro e fora dos mandatos. A ‘puxação de tapete’ acontece à luz do dia, quando não as mulheres são ameaçadas, perseguidas e assassinadas durante sua atuação política.

A imagem mostra uma mulher branca sorrindo, olhando para a câmera, de óculos e cabelos castanhos na altura do ombro, usando um vestido com imagens coloridas.
Tânia Tait é autora do livro ‘Elas querem o Poder’ (Foto/Arquivo pessoal)

Tânia esmiúça a vida nada fácil da mulher na política. “Enquanto você está ali, atuando politicamente, fazendo campanha para os homens, tudo certo! Quando você começa a fazer campanha para as mulheres ou para si própria, outras coisas entram em questão. Por exemplo, ninguém nunca questiona um homem político ser casado. Ninguém nem pensa. Ele é o que ele é, e pronto. Agora, para as mulheres, se for divorciada, já acho que vai ter problema. Se for solteira, já vai ter problema”

Nessa hora entra a violência política. “Acontece o que se chama a invisibilização da mulher, quando são colocados diversos empecilhos na sua trajetória”, relata. Mesmo com todos os obstáculos, nos anos 2000 começou a surgir uma tendência um pouco diferente, que é a eleição de mulheres ligadas a movimentos sociais.

“Nas últimas eleições, o que a gente percebeu foi o contrário, uma onda reacionária e conservadora propondo pautas de costumes. É preciso ter essa discussão. Não basta ser mulher. Tem que ser uma mulher comprometida com a busca dos direitos. Porque uma mulher que não está comprometida, ela reforça o processo discriminatório e excludente do qual ela é também vítima”, alerta.

Diversidade em foco

Recapitulando, vimos que o problema da representação feminina nas instâncias de poder está afetada por um pensamento, ainda não superado totalmente, que coloca a mulher como ser inferior e incapaz de ‘aprender’ as coisas da política. Entendemos que aquelas que chegam com sucesso aos patamares mais visíveis da política, não estão livres de diversos tipos de violência e enfrentam mais obstáculos que os homens. 

E quando você atua no espaço político na defesa de parte da sociedade que está ausente do poder e da representação política, como mulheres negras, indígenas e a população LGBTQIAPN+? 
Margot Jung pode nos ajudar a entender como está essa luta por direitos e, na maioria das vezes, por existir.  Graduada em Gestão Pública, pela Universidade Estadual de Maringá, e titular do Conselho Estadual dos Direitos das Mulheres, Margot é mulher bissexual, feminista e militante, que defende a diversidade e os direitos das pessoas plurais.

A imagem mostra uma mulher de cabelos pretos curtos na altura dos ombros, olhando direito para a câmera, vestindo uma camisa branca com listra finas azul claro.
Margot Jung defende políticas públicas para as mulheres entrarem na política (Foto/Arquivo pessoal)

“Quando era menina eu me achava rebelde, mesmo sem saber de política. Desde que eu iniciei minha vida no mundo do trabalho, comecei a me identificar muito com as pautas da esquerda. Na UEM, tomei contato com os movimentos políticos, especialmente, o que envolvia as greves por ensino superior de qualidade e gratuito”, relembra. Nesse período, Margot já defendia as pautas feministas e sempre teve compromisso com o movimento pela diversidade no espaço político e social.

Por sua militância, Margot foi candidata à deputada estadual, em 2022, e à vereadora, em Maringá (2024), figurando entre as candidatas LGBTs mais votadas. Foi a mulher mais votada do PT e está na segunda suplência do partido, na Câmara Municipal. Sua experiência na luta por espaço na política faz com que Margot tenha uma explicação para a baixa representatividade das mulheres.

“É assim porque não é interessante para o patriarcado que nós tenhamos mulheres eleitas. Para eles, é bom que nós não tenhamos pessoas negras, que nós não tenhamos LGBTs, que nós não tenhamos indígenas. Não é interessante porque isso são políticas públicas. O fato é que essas pessoas requerem políticas públicas próprias. E aí, quando se tem muita política pública, menos política para o privado, menos política para o meu grupo, menos recurso para o meu grupo, menos recurso para a minha igreja”, alerta.

Consciente do seu papel por abrir caminhos para outras pessoas LGBTs chegarem e atuarem na política, Margot também se mostra otimista em relação ao movimento que começou nos idos anos 1900. 

“A luta que eu estou fazendo hoje, eu vou ver o reflexo mais para frente, daqui a duas ou três eleições, talvez. Mas, agora, com relação ao fim dessa consciência de que o homem vale mais, de que o homem merece mais, que a política não é lugar para mulher, isso eu acho que ainda vai demorar muito tempo, assim, 50 anos, 80 anos para a gente ver. Nós não estaremos aqui quando isso acabar”, lamenta.

Para saber mais sobre como pensam nossas entrevistadas, dê um play no podcast “Conexão Voto Feminino” pra não perder nenhum detalhe.

Afinal, é como disse o poeta: o caminho só se faz caminhando. As mulheres que o digam!

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Texto:
Silvia Calciolari
Revisão: Ana Paula Machado Velho
Arte: Any Veronezi
Supervisão de arte: Hellen Vieira
Edição Digital: Guilherme Henrique

A pesquisa que mencionamos contribui para os seguintes ODS:

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