Imagine que você vai acampar por alguns dias, mas não quer ocupar espaço na mochila para uma bateria ou tem receio de que a lanterna te deixe na mão. Então você leva uma folha plástica, grande e dobrável, enrola em qualquer lugar, como o tronco duma árvore, deixa exposta à luz por algum tempo e pronto: tem seu próprio gerador de luz. Leve, flexível, prático e sustentável.
O que era apenas imaginação até pouco tempo atrás está se tornando realidade por meio da tecnologia dos LEDs orgânicos, conhecidos como OLEDs (Organic Light Emitting Diodes). Você pode não conhecer a Eletrônica Orgânica, mas já ouviu falar em telhados cobertos de células solares para captação de energia do sol ou telas luminescentes baseadas em dispositivos orgânicos. Telas de celulares e tablets dobráveis são de tecnologia orgânica. A tecnologia dos OLEDs já está disponível também em grandes marcas de televisores.
O futuro dentro de casa
O OLED é apontado como a tecnologia do futuro quando se trata de iluminação e está substituindo outras técnicas. Até pouco tempo atrás, as televisões de tubo – pesadas e espaçosas – eram as mais comuns dentro de casa. Esse modelo perdeu espaço no mercado para o LCD, o plasma, o LED e, mais recentemente, o OLED. A utilização dos Oleds proporciona a fabricação de produtos mais finos, leves, flexíveis e com cores mais nítidas. Eles também têm um consumo de energia baixo para produzir luz, podem ter infinitas possibilidades de design e a sua produção gera resíduos que são quase totalmente reaproveitados, sendo, por consequência, considerada uma tecnologia verde.
E os OLEDs são apenas uma pequena parcela do que a ciência conhecida como Eletrônica Orgânica está desenvolvendo. Outros exemplos que serão acessíveis com o uso desta tecnologia futuramente são, por exemplo, tintas para recobrir paredes e aumentar o conforto térmico e gerar energia ou películas nas janelas capazes de mudarem a cor e absorverem o calor para economizar energia.

A Eletrônica Orgânica
“A dificuldade de explicar a Eletrônica Orgânica está justamente na eletrônica. ‘Orgânico’ todo mundo entende, mas explicar como a corrente elétrica se transforma em luz e assim por diante é mais complicado”, comenta a doutora em física e professora da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), Michelle Sostag Meruvia. A docente também é integrante do Novo Arranjo de Pesquisa e Inovação (NAPI) Eletrônica Orgânica, implantado pelo governo estadual em parceria com a Fundação Araucária.
“A Eletrônica Orgânica é conhecida pela natureza há centenas de milhões de anos. Efeitos como a bioluminescência de insetos, a fotossíntese, as enguias elétricas e o mecanismo da nossa visão são bons exemplos. Hoje, nós humanos estamos correndo atrás e aprendendo a fazer eletrônica com a natureza”, explicou, no I Workshop do NAPI, o físico Roberto Mendonça Faria, que atua há 48 anos na pesquisa.
A eletrônica orgânica, então, segue basicamente os mesmos princípios da eletrônica tradicional, mas utiliza como matéria prima moléculas e polímeros orgânicos sintetizados em laboratório. A partir desse material é que são confeccionados os dispositivos eletrônicos e optoeletrônicos, que passam a competir com os dispositivos tradicionais à base de silício.

É justamente o processo de sintetização de polímeros que faz brilhar os olhos da professora Michelle Sostag. Ela conta que, ao entrar na graduação, não conhecia a área, “todo mundo entra na física com aquele sonho de, sei lá, ir pra NASA, sabe?” Mas, ao fim do curso, foi a Eletrônica Orgânica que chamou a atenção. “Me interessei em parte pela novidade, mas também por, puxa vida, poder brincar com plástico, é divertido estudar as propriedades fundamentais e as aplicações de cada material”, conta a física.
Na PUC-PR, o objetivo do NAPI é esse: estudar e sintetizar polímeros orgânicos, visando a aplicação como substratos para dispositivos eletrônicos e optoeletrônicos. Os estudos por lá já começaram e os polímeros escolhidos para análise são o Poliácido Lático (PLA), conhecido por ser usado nas impressões 3D; e o Poli-hidroxibutirato (PHB), um polímero de base bacteriana.
Vantagens, sustentabilidade e transição energética
Em geral, os materiais eletrônicos orgânicos são mais leves, mais flexíveis e menos caros que os materiais inorgânicos convencionais à base de silício, mas não para por aí. A eletrônica orgânica é mais eficiente em termos energéticos e consome menos recursos na produção, uso e descarte.
Enquanto a eletrônica tradicional é completamente constituída por materiais inorgânicos – semicondutores inorgânicos, como o silício, a eletrônica orgânica emprega inúmeros materiais orgânicos. Isso traz a vantagem de grande variabilidade de materiais para desenvolver dispositivos com baixo custo, sem necessitar de fábricas com imensas salas limpas e infraestrutura cara, como a exigida na produção de chips de semicondutores inorgânicos.

Para a professora Michele, o grande problema ambiental do uso do silício está na sua extração e descarte. “O silício, em si, não é o problema, porque o tempo de degradação dele é bem mais rápido do que o do plástico”, explica Sostag. No entanto, no processo de mineração, o solo é desmatado, rios são poluídos, animais morrem e, ainda, “é aberto caminho para novas bactérias e vírus que estavam quietinhos nos infectar”, complementa.
A quantidade de lixo eletrônico gerada no mundo também é alarmante. Em 2022, foram produzidas 62 milhões de toneladas de lixo eletrônico, segundo a ONU, sobretudo com o descarte de alumínio, cádmio, chumbo, plástico entre outros materiais. Segundo a pesquisadora, a quantidade de materiais usados em dispositivos orgânicos é infinitamente menor e, portanto, o problema do lixo eletrônico também deverá ser mitigado.
A também física, professora da UTFPR e coordenadora do NAPI Eletrônica Orgânica, Andreia Gerninski Macedo lembra, ainda, que a eletrônica orgânica contribui para a geração de energia limpa. As células solares orgânicas, que geram energia elétrica por meio da absorção da luz solar, e os supercapacitores, que são dispositivos que armazenam grandes quantidades de energia, são dois exemplos concretos da contribuição da Eletrônica Orgânica à geração e armazenamento de energia limpa e renovável.

A coordenadora do projeto relembra que o aumento do consumo de energia não irá parar e que é justamente a queima dos combustíveis fósseis, aliada a outros fatores, que têm aumentado as temperaturas médias do planeta e gerado mais desastres naturais. “Esse aumento contínuo e acelerado do consumo de energia exige que a matriz energética seja alterada o mais rápido possível. Caso contrário, o aquecimento global pode trazer consequências irreversíveis para a vida no planeta”.
Setores de aplicação
Assim como a eletrônica tradicional, a orgânica tem aplicações em diversos setores. No entanto, é pouco provável que a eletrônica orgânica substitua a tradicional em todas as aplicações, principalmente naquelas que requeiram altas velocidades de processamento.
Por outro lado, a possibilidade de dispositivos flexíveis, dobráveis, aderidos ao corpo humano e até implantados traz novas aplicações. Na área da saúde, por exemplo, existem estudos de dispositivos orgânicos visando aplicações neuromórficas1, que têm contribuído com pesquisas sobre o cérebro humano.
No setor energético, a aplicação se dá por meio das células solares e dos dispositivos fotovoltaicos, todos orgânicos. Na área ambiental, além dos fatores já citados, também estão sendo desenvolvidos sensores de meios fluídos (atmosfera, rios e lagos) que poderão monitorar com eficiência a qualidade do ar e das águas a custo muito baixo. O controle de emissão de gases poluentes, incluídos os do efeito estufa, podem ser igualmente monitorados em indústrias, veículos automotores e na agricultura.
O NAPI Eletrônica Orgânica
O Novo Arranjo de Pesquisa e Inovação (NAPI) Eletrônica Orgânica foi lançado em junho de 2024, como uma iniciativa do Governo do Estado, por meio da Fundação Araucária e da Secretaria da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (Seti).
Para integrar essa rede de pesquisa, o NAPI conta com dezenas de pesquisadores da Universidade Estadual de Londrina (UEL), da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) e da Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Também tem pesquisadores internacionais na Universidade de Aveiro, em Portugal e na Universidade de Karlstad, na Suécia.
Os NAPIs propõem uma iniciativa de produção de conhecimento de forma colaborativa pelos pesquisadores paranaenses, direcionados para atender demandas setoriais, regionais e estaduais. Nesse sentido, a parceria do NAPI Eletrônica Orgânica com o setor industrial mostra-se muito significativa.
A pesquisadora e coordenadora do NAPI explica que muito do que está sendo desenvolvido pelo NAPI depende de maquinários e processos que só podem ser executados em escala industrial. São parceiros do Arranjo a SANEPAR, LACTEC, Bosch, América R&D Ltda e Grafeno do Brasil.
Sobre a iniciativa, Michelle Sostag, da PUC-Pr, reforçou a importância da pesquisa colaborativa para todas as áreas da ciência. “A ciência se constroi em passos curtos, são muitos pequenos processos que envolvem milhares de pessoas, fazer ciência depende da discussão, de diferentes visões e olhares que acrescentam a um determinado tema”, comenta a professora.
Além disso, ela também atenta ao fato de que o processo de financiamento das pesquisas no Brasil depende de investimentos governamentais e que, a depender do posicionamento de determinado governo vigente, é possível perder anos de trabalho. Por isso, para ela, é importante que pesquisadores de diferentes instituições trabalhem em conjunto: “Se a gente se ajuda, trabalha junto e pesquisa junto, num geral, isso tende a alavancar o processo de desenvolvimento e tornar mais rápida a ciência de forma geral”.
Para conhecer mais sobre o trabalho desenvolvido pelo Arranjo, confira o vídeo institucional e acesse o site do NAPI.
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Texto: Joana Giacomassa de Oliveira
Supervisão de Texto: Ana Paula Machado Velho
Arte: Guille Cordeiro e Hellen Vieira
Supervisão de arte: Tiago Franklin Lucena
Edição Digital: Gutembergue Junior
Glossário
- Neuromórfico: Que simula o modelo de funcionamento do cérebro humano e sua capacidade de aprender novos recursos a partir de estímulos externos, tomar decisões em contexto de incerteza, interpretar dados complexos, entre outras competências. ↩︎
A pesquisa que mencionamos contribui para os seguintes ODS:

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