A mitologia grega, repleta de histórias fascinantes, oferece uma narrativa cativante sobre a origem da uva. Segundo o mito, a uva foi um presente dos deuses, especialmente do deus Dionísio, conhecido também como Baco pelos romanos. Dionísio é amplamente venerado como o deus do vinho e da festividade. Ele é retratado como um deus errante, que, em suas jornadas pelo mundo, ensinou aos mortais a arte do cultivo da uva e da produção do vinho, transformando esses conhecimentos em símbolos de alegria, celebração e comunhão.
Ao longo dos milênios, a tradição do plantio das videiras se espalhou por todo o mundo, adaptando-se a vários climas e culturas. Atualmente, as plantações de uva estão presentes nos cinco continentes habitados do nosso planeta e apresentam uma grande diversidade de cultivares1 e sistemas de produção. E a capacidade dela ser transformada em uma variedade tão ampla de produtos, desde alimentos frescos, bebidas e até derivados culinários e cosméticos, demonstra sua enorme versatilidade e a torna uma fruta apreciada em diferentes regiões ao redor do mundo.
O professor e engenheiro agrônomo, Luiz Antonio Biasi, conta que, em termos de área cultivada, a uva é a primeira fruta entre as espécies frutíferas de clima temperado, com mais de 6 milhões de hectares em produção no mundo. Já em termos de produção, é a segunda fruta de clima temperado, ultrapassando 74 milhões de toneladas por ano. Essa importância mundial reflete-se também no Brasil, com destaque para o estado do Paraná.
As regiões Norte e Noroeste do estado estão associadas à produção de uvas de mesa. Conhecida como a Capital da Uva Fina, Marialva é responsável por pouco mais de 50% da produção de uvas de mesa do Estado. Recentemente, o município passou a ter Indicação Geográfica (IG) para a produção de uvas de mesa, registro que é conferido a produtos ou serviços que são característicos do seu local de origem.
Enquanto isso, as uvas para processamento se concentram em sua maioria nas regiões Sul e Sudeste do estado.
Quarto maior produtor brasileiro de uvas no país, com mais de 51 mil toneladas cultivadas em uma área de cerca de 3.500 hectares. “Porém, o Paraná já foi um estado que se sobressaiu mais na produção de uvas, alcançando mais de 100 mil toneladas anteriormente”, relembra Biasi.
Ouça o áudio e conheça a diferença entre as classificações de uvas.
NAPI Inova Vitis
Com o objetivo de contribuir para o desenvolvimento da vitivinicultura paranaense, surge o Novo Arranjo de Pesquisa e Inovação (NAPI) Inova Vitis, que é composto por pesquisadores do Instituto de Desenvolvimento Rural do Paraná (IDR-Paraná), Universidade Federal do Paraná (UFPR), da Universidade Estadual de Londrina (UEL) e da Universidade Estadual de Maringá (UEM).
A vitivinicultura é um termo que, às vezes, traz dúvidas para as pessoas, por existirem outras denominações parecidas, como viticultura e vinicultura. Ao entender essas duas palavras, fica mais fácil saber o que é a vitivinicultura. Confira no infográfico abaixo:
De acordo com a articuladora do NAPI e pesquisadora do IDR-Paraná, Alessandra Maria Detoni, o NAPI Inova Vitis foi criado em função de demandas do setor produtivo. “Observamos que, ao longo dos anos, o cultivo de uvas no estado vem enfrentando algumas dificuldades, entre elas estão os danos causados por derivas de herbicidas”, explica a pesquisadora. Dessa forma, o NAPI visa apresentar soluções inovadoras para esses e outros problemas do segmento.
A deriva de herbicidas é um fenômeno em que esses produtos químicos, aplicados para controlar plantas daninhas, deslocam-se para fora da área alvo de aplicação e atingem locais não desejados. Um deslocamento que pode ocorrer por várias razões, incluindo vento, volatilização (quando o herbicida se transforma em vapor), escoamento superficial ou movimentação pelo solo.
Alessandra explica que as videiras são extremamente sensíveis a produtos químicos como alguns herbicidas, que podem comprometer o desenvolvimento e a produtividade do pomar. Essa adversidade tem levado muitos viticultores a abandonar a atividade, resultando na perda de postos de trabalho, retração de investimentos e sérios problemas sociais, nas regiões metropolitanas de Londrina e de Maringá, onde a produção de uvas de mesa é um importante segmento gerador de riquezas.
Além disso, a busca por cultivares para a elaboração de vinhos finos e de suco de uva tem sido cada vez mais frequente, sobretudo na região metropolitana de Curitiba, no Oeste e Sudoeste do Estado, dado ao alto valor agregado que esses itens possuem. “Produtos com identidade regional e cultural constituem uma alternativa de grande potencial socioeconômico”, pondera.
Para isso, é preciso valorizar os recursos que o Estado dispõe e conhecer os potenciais de clima, solo e cultivares para a elaboração de vinhos e sucos de uva de origem regional. “Dados da Associação dos Vitivinicultores do Paraná – VINOPAR apontam que quase 97% da matéria-prima é oriunda de outros estados. Falta matéria-prima para a indústria paranaense. Quando o Estado deixa de produzir e a indústria precisa comprar matéria prima em outros locais, você está deixando de ganhar dinheiro, de gerar empregos e impostos no Paraná”, destaca Alessandra.
Ambas as necessidades fizeram com que o grupo de pesquisadores do NAPI Inova Vitis se reunisse para o desenvolvimento de uma proposta de ação que cooperasse para o crescimento sustentável da produção de uvas no Paraná. Dessa forma, o Novo Arranjo se encontra alicerçado em dois eixos principais: um eixo trata da produção sustentável de uvas de mesa em sistemas de cultivo protegido e o outro foca na introdução de novas cultivares e bioinsumos, visando a produção sustentável de uvas para o processamento industrial no Paraná.
O primeiro eixo do NAPI Inova Vitis está sendo desenvolvido no município de Marialva e tem a finalidade de proteger os parreirais dos danos causados por derivas de herbicidas por meio do uso de coberturas plásticas. Elas atuam como uma barreira física protetiva e permanente, reduzindo a volatilização dos herbicidas e minimizando seu impacto nas videiras. Essas coberturas também ajudam a diminuir a umidade nas folhas, de modo a diminuir a incidência de doenças e permitindo um manejo mais sustentável com menor uso de fungicidas, por exemplo.
O segundo eixo, por sua vez, desdobra-se em algumas frentes e é focado nas uvas para processamento da região metropolitana de Curitiba. Lá, o grupo possui várias atividades com cultivares de Vitis vinifera, que são as videiras destinadas à produção de vinhos finos. Esse trabalho procura verificar a adaptação, produtividade e qualidade dessas vinhas.
A articuladora do NAPI informa que, na mesma região, a equipe também desenvolve um trabalho no Centro Paranaense de Referência à Agroecologia (CPRA) para o cultivo orgânico da uva Bordô, utilizada na produção de vinhos comuns e sucos.
Além do mais, o Arranjo quer demonstrar que é possível cultivar uvas de alta qualidade no Paraná, fornecendo aos agricultores alternativas que permitam um maior escalonamento da produção e colheita. Para isso, trabalham no Polo Regional de Pesquisa de Santa Tereza do Oeste com diversas cultivares para produção de suco e avaliam o processo e a qualidade do suco para ampliar as opções disponíveis aos produtores.
E ainda dentro do segundo eixo, outro projeto importante surgiu da observação de pomares em decadência por conta de doenças. “Estamos investigando as causas dessa decadência, incluindo a presença de viroses que, muitas vezes, são confundidas com deficiência nutricional. O objetivo é mapear a situação da virose nos pomares paranaenses e orientar os produtores sobre possíveis intervenções, incluindo a substituição total de plantas afetadas, para que possam continuar produzindo de maneira eficiente e rentável.”, explica a pesquisadora do IDR-PR.
A partir desse conjunto de ações, o NAPI Inova Vitis espera proporcionar vários benefícios para o estado do Paraná. O Novo arranjo representa uma iniciativa crucial para a revitalização e modernização da vitivinicultura paranaense. Ao focar em inovações tecnológicas e práticas sustentáveis, o projeto possui o intuito de superar os desafios enfrentados pelos viticultores, aumentar a produtividade e a qualidade das uvas e promover uma sustentabilidade ambiental e econômica.
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Texto: Maria Eduarda de Souza Oliveira
Supervisão de texto: Ana Paula Machado Velho
Revisão: Silvia Calciolari
Edição de áudio: Maria Eduarda de Souza Oliveira
Arte: Any Veronezi e Hellen Vieira
Supervisão de arte: Tiago Franklin Lucena
Edição Digital: Gutembergue Junior
Glossário
- Cultivares: Cultivares são plantas que foram selecionadas e melhoradas por humanos para possuir características desejáveis, como maior resistência a doenças, melhor produtividade, ou qualidades específicas de sabor, cor ou forma. Essas plantas são propagadas de maneira controlada para manter essas características consistentes. ↩︎
A pesquisa que mencionamos contribui para os seguintes ODS:
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