Neurociência e Alzheimer: pesquisa que fica na memória

Estudos dentro das universidades paranaenses possibilitam avanços significativos no tratamento dos pacientes

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21 de setembro foi a data escolhida pela Associação Internacional do Alzheimer para marcar o Dia Nacional de Conscientização da Doença de Alzheimer. No Brasil, a Lei 11.736/2008 instituiu oficialmente a data, que é dedicada à divulgação de informações sobre sintomas, formas de tratamento e outros esclarecimentos relacionados a essa doença.

A doença de Alzheimer é uma enfermidade neurodegenerativa progressiva que afeta a memória, o pensamento e o comportamento. Trata-se de uma das batalhas mais complexas e desafiadoras na área da Saúde, tanto para os pacientes, como também às suas famílias e a sociedade como um todo. É a causa mais comum de demência – um grupo de distúrbios cerebrais que causam a perda de habilidades intelectuais e sociais. As células cerebrais degeneram e morrem, causando um declínio constante na memória e na função mental. 

A doença pode ter vários estágios, que podem evoluir de forma lenta. As etapas são:

Recém formada em Educação Física na área de licenciatura pela Universidade Estadual de Maringá (UEM), Talita Pereira da Silva Marçal vivenciou de perto todos esses estágios com a avó, que tinha Alzheimer. Quando receberam o diagnóstico, ela e a família não entendiam muito sobre a doença, por isso, precisaram pesquisar e fazerem mudanças em suas rotinas, para se adaptarem à realidade apresentada. “Você precisa entender o que é o Alzheimer. Eu comecei a procurar como lidar, sobre possíveis feridas que podem surgir e o que poderia acontecer”, conta Talita. 

A situação vivida com a avó motivou Talita em sua jornada acadêmica. Tudo começou no primeiro ano da faculdade, fazendo a disciplina de Metodologia da Pesquisa Científica (Metep). No momento de definir um projeto de pesquisa, ela escolheu a área do Alzheimer. Porém, não parou por aí! No final do curso, hora de fechar o tema do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), a estudante, orientada pelo professor Rogério Massaroto de Oliveira, do Departamento de Educação Física, seguiu pesquisando a doença de Alzheimer, dessa vez de forma mais prática.

“A princípio a ideia era criar um jogo para pessoas idosas com Alzheimer, para que nós conseguíssemos ver o projeto de evolução ou retardamento no quadro. Nós fizemos alguns testes com a minha avó e deu certo. Porém, por conselho do meu orientador, precisamos parar a ideia principal, que era desenvolver o projeto piloto do jogo, pois ele levantou a possibilidade de ela vir a falecer, o que abalaria muito meu psicológico. Por isso, focamos na revisão bibliográfica e estamos elaborando primeiro como que vai ser, para eu levar para o mestrado a ideia de criar um jogo e levar para os asilos, lares, e, caso algum familiar se interesse, a gente também quer ir lá e aplicar para ver como vai funcionar”, explica Talita Marçal.

Durante as pesquisas, a estudante notou que o processo não é só você criar um jogo e colocá-lo em uso, pois, como o Alzheimer tem várias fases, é preciso identificar que estágio a pessoa idosa está, pois é algo muito específico. Ou seja, o que pode funcionar para um indivíduo, pode não trazer resultados com outro. Além disso, também é preciso conhecer a personalidade dessa pessoa.

“Você tem que entrar na vida lá atrás dela, para ver o que ela gostava. Nós falamos que é um jogo afetivo sensorial. Por meio de tato, sensibilidade, fala, lembranças, por aí você vai despertar o interesse dela”, acrescenta. No caso de sua avó, Talita testou o contato com o ursinho de pelúcia, o uso de músicas e até bola. “Eu percebi que na base musical ela conseguia lembrar a música e que ela começou a cantar uma melodia que ela já não lembrava mais”, exemplifica a estudante.

Dessa forma, o objetivo do estudo é criar vários tipos de jogos em determinados estágios da doença, para alcançar um público mais amplo dentro dessas condições. Outro ponto pensado pela estudante é a elaboração de jogos que os familiares também possam aplicar, pois, assim, esse conhecimento não fica restrito apenas aos pesquisadores, além de possibilitar a interação da família com a pessoa idosa portadora de Alzheimer. 

Na fase final do TCC, em novembro de 2023, a avó da Talita teve uma piora em seu quadro de saúde e veio a falecer. Mesmo diante dessa situação, a estudante pretende seguir os estudos nesse caminho. “Eu quero que as pessoas tenham mais acesso sobre isso, porque lidar com alguém com Alzheimer é muito difícil, a pessoa precisa estar preparada para o que vai acontecer. É preciso abrir as portas para o pessoal conhecer, porque a gente não pode guardar só para nós, então, temos que divulgar o que foi passado”, destaca Talita.

Por se tratar de uma enfermidade complexa, para a qual ainda não existe cura, os tratamentos exigem uma abordagem multidisciplinar, que incluem consultas em diversas especialidades, fisioterapias, exames, medicações de alto custo, a própria educação física, citada anteriormente, cuidados intensivos, entre outros. E é nesse cenário complexo, que as universidades despontam como centros de progresso na ciência, possibilitando avanços significativos no tratamento e, sobretudo, alimentando a esperança de pacientes, familiares e sociedade. 

As descobertas proporcionadas a partir da pesquisa não apenas abrem portas para novas terapias, mas também contribuem para um entendimento mais profundo dos fatores de risco, padrões de progressão e até mesmo estratégias de prevenção. 

Pesquisas para o tratamento da doença de Alzheimer

Um dos exemplos da relevância das pesquisas para o tratamento do Alzheimer é o que acontece na Universidade Estadual do Centro-Oeste (Unicentro) de Guarapuava, no Laboratório de Neurociências e Comportamento, fundado pela professora Juliana Sartori Bonini, em 2010. O Laboratório, que está ligado aos Novos Arranjos de Pesquisa e Inovação (NAPI’s) em  Genômica e Neurociência, trabalha tanto com a Neurociência e com o comportamento, como com pesquisa básica, que seria com modelos animais, por exemplo, de Alzheimer, e também com pessoas. 

Atualmente, 30 pesquisadores estão vinculados ao laboratório. São professores, estudantes de graduação, mestrado e doutorado, além de docentes de outras instituições como a Universidade Federal do Paraná (UFPR), Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) e colaboração com professores de outros estados. 

A pesquisa básica é coordenada pelo professor Weber Claudio Francisco Nunes da Silva, que é vice-coordenador do grupo de pesquisa. O laboratório tem um modelo de Alzheimer e busca alternativas e tratamento na pesquisa básica para essa patologia, como o exercício físico, que, conforme apontou um dos estudos realizados no laboratório, consegue melhorar a memória, em modelo animal, desses pacientes. 

“A pesquisa é em animais, mas a gente consegue extrapolar isso para o ser humano e tem um artigo nosso também que mostra isso. Então, foi uma revisão de literatura bem consistente que mostra que o exercício físico melhora a cognição dele de uma maneira geral. Tanto a parte da memória como a parte de função executiva, que é mais dependente de pré-frontal e que, a longo prazo, é afetado no paciente”, aponta a professora Juliana Bonini, coordenadora do Laboratório. 

Desde 2010 até hoje já foram realizadas em torno de 200 pesquisas, entre iniciação científica, dissertações, orientação de mestrado, doutorado e pós-doutorado. São pesquisas diferentes em graus de complexidade, mas sempre trabalhando a principal linha de estudos, que considera a alteração da nutrição do paciente com doença de Alzheimer com a progressão da doença, como é sua condição de saúde de uma maneira geral, quantos medicamentos toma e que implicações isso traz para esse paciente. 

“Também produzimos cartilhas voltadas para o público não acadêmico para que possam entender a doença, como que a gente trata e para os cuidadores também. Temos pesquisa voltada para esse cuidador, verificando a condição dele, como pode trabalhar com esse paciente, como isso interfere na progressão da doença”, ressalta a professora Juliana. 

E é a partir das pesquisas feitas no Laboratório de Neurociências e Comportamento que  em 2012 é fundada a Associação de Estudos, Pesquisa e Auxílio das Pessoas com Alzheimer (AEPAPA). Tendo como ponto de partida uma dissertação de Mestrado, na qual se verificou que muitas das pessoas que tinham Alzheimer em Guarapuava, no Paraná, não eram assistidas, e, a partir da detecção dessa lacuna, uma equipe multidisciplinar foi montada. Num primeiro momento em forma de voluntariado e, depois, com a conquista de verba, esses profissionais passaram a integrar o quadro de funcionários da AEPAPA para fazer o tratamento dos pacientes com Alzheimer. 

Equipe da Associação de Estudos, Pesquisa e Auxílio das Pessoas com Alzheimer realizando atividades com pacientes (Foto/Arquivo AEPAPA)

Na Associação, considerada de utilidade pública em nível municipal, estadual e federal, é oferecido suporte psico-educacional e psicossocial as pessoas com Alzheimer, cuidadores e familiares, orientações sobre direitos do idoso e encaminhamentos socioassistenciais. Também são atendidos grupos de convivência com idosos, familiares e cuidadores com coordenação pedagógica, fortalecendo laços familiares e comunitários, avaliação, monitoramento e adequação nutricional dos idosos, atendimento de fisioterapia na sede da Associação e em domicílio, atenção farmacêutica, além de fomentar e divulgar pesquisas sociais e epidemiológicas sobre a doença de Alzheimer. 

A professora Juliana comenta que tem encontrado muitos resultados de pesquisas que indicam que, dependendo da desnutrição do idoso, ele vai evoluir mais rápido na doença. Considerando a escala de gravidade na doença, especialmente no estágio inicial, há condições de uma certa autonomia e conforme evolui a doença, existe perda dessa autonomia e isso está relacionado, também, com a alimentação. “A dieta vai ficando mais pobre, ele vai tendo menos condições de mastigar, apresenta problema na deglutição e isso vai interferir na progressão da doença”, comenta a professora.

O sistema nervoso central é afetado em todos os aspectos, como o desenvolvimento motor, mais um fator que vai desencadear maior dependência do paciente. E aí, novamente, a pesquisa se mostra relevante: “mesmo que não tenha um tratamento que reverta isso, essas pesquisas que nós desenvolvemos também são para tentar manter no estágio durante mais tempo para que a doença não evolua tão rápido e ele tenha qualidade de vida”. 

Isso porque, conforme os estágios da doença avançam, a qualidade de vida retrocede. E como a principal alteração é no nível de memória, muitas vezes chega em um ponto em que o idoso não consegue mais reconhecer a família, pessoas que lhe eram muito próximas e como narra a professora Juliana, “é muito sério e muito triste e, por isso, essa doença não é vista como uma doença do idoso, mas como uma doença da família. É social”. 

Portanto, os estudos em torno do tema não focam apenas em aspectos clínicos e de tratamento, mas considerando ainda o aspecto social, atendendo não só o idoso, mas também as famílias, que precisam de um suporte para conseguir enfrentar a doença que é tão debilitante. Entre as pesquisas desenvolvidas no Laboratório de Neurociências e Comportamento está uma que identifica que os idosos, por exemplo, têm obesidade sarcopênica. E essa é a primeira vez que é relatado no mundo e o resultado da pesquisa está publicado em um artigo que já é amplamente utilizado como referência. 

E o que é essa obesidade sarcopênica? O idoso que tem Alzheimer (isso não acontece só no idoso com Alzheimer, acontece no idoso saudável também), apresenta perda de massa muscular junto à obesidade. E a professora Juliana explica que, normalmente, isso no processo fisiológico é algo que não deveria acontecer, mas nesse idoso acontece, pela sua condição a causa desta ocorrência está no processo inflamatório por trás dessa patologia. E, novamente, isso interfere na progressão da doença, uma vez que essa perda de massa muscular é muito importante no idoso e a sarcopenia interfere em como ele vai viver, se terá autonomia, por quanto tempo essa autonomia se mantém e, consequentemente, vai refletir em tudo, principalmente na qualidade de vida. 

Nesse sentido, as pesquisas se desenvolvem para buscar alternativas que diminuam os impactos da enfermidade no dia a dia das pessoas, desde entender procedimentos, medicamentos mais eficientes, até a importância do exercício físico. “Temos um artigo que mostra que a musicoterapia é uma alternativa para a reabilitação desse paciente. Outro mostrou que o exercício físico é muito importante, sendo que a maior parte dos idosos que a gente trabalha não faz atividade física. E isso é essencial para a manutenção da autonomia e da cognição também, que uma coisa está interferindo na outra”, explica a professora Juliana. 

Encontro on-line da equipe da Associação de Estudos, Pesquisa e Auxílio das Pessoas com Alzheimer (Foto/Arquivo AEPAPA)

Primeiro as perguntas, depois as respostas

Recentemente, um dos projetos de pesquisa do Laboratório de Neurociências e Comportamento conquistou uma verba estadual do Fundo Paraná para trabalhar com o desenvolvimento de um hidrogel de erva mate. Por quê?  Muitos idosos ficam acamados no estágio final da doença. E, por permanecerem muito tempo na mesma posição, desenvolvem escaras na região sacral,  que são feridas na pele muito comuns em pessoas acamadas ou cadeirantes. Como os tratamentos são bastante limitados, os pesquisadores passaram a buscar, por meio da literatura científica, possibilidades de tratamento e, como resultado, chegaram na erva mate, matéria prima muito eficiente para esse hidrogel. 

Bolsistas de graduação, mestrado e doutorado estão envolvidos nesse projeto, que resultará no hidrogel que auxiliará no processo de cicatrização. “Desta forma, vamos tentando responder às perguntas, porque assim é feita a pesquisa. Você responde uma pergunta, surge uma ideia, depois vem uma nova pergunta e é assim que vai ser desenvolvido. E temos um cenário muito eficiente para o desenvolvimento desse hidrogel porque o Paraná é o principal produtor de erva mate do Brasil, na frente até do Rio Grande do Sul”, explica Juliana Bonini. 

Outro projeto, realizado junto das Unidades Básicas de Saúde (UBS), realiza mutirões mensais para o atendimento das pessoas idosas e avaliar sintomas de demência. O principal indício, no início, é a perda da memória. Então, os pesquisadores avaliam para verificar o grau de demência dentro do Alzheimer, que é mais prevalente na nossa população. Essa perda de memória se manifesta nas coisas sutis e cotidianas, como por exemplo, esquecer a chaleira no fogo por várias vezes, sair de casa, se perder e não conseguir voltar. Se perguntar o que ele fez na semana passada, não vai saber responder. 

E é aqui que a professora Juliana ressalta outra dificuldade relacionada ao paciente com doença de Alzheimer: “O problema é que temos uma epidemia de solidão das pessoas idosas hoje e isso interfere na cognição. A solidão é um fenômeno mundial, inclusive dos nossos idosos, eles ficam muito sozinhos e acabam não se dando conta dessas pequenas coisas”. 

E quanto mais demora para buscar o diagnóstico, mais a doença avança, até que o grau de perda de memória é tão severo que não consegue mais se dar conta, muitas vezes chegam a ficar agressivos e não reconhecem mais ninguém. 

Muitos dos pacientes chegam para receber assistência já no estágio intermediário da doença. O estágio inicial da doença é frequentemente ignorado por dois fatores: a negação e a desinformação. E, segundo a professora Juliana, o principal é a desinformação, porque, culturalmente, as pessoas acreditam que a perda de memória é um processo fisiológico e não é. “Então ele vai se perdendo aos poucos, chega num ponto que vai ficando tão grave que finalmente a família se dá conta e só então vai procurar ajuda. Mas aí, muitas vezes, nesse estágio é muito mais difícil”, completa a professora.

São muitos projetos, com diferentes grupos e ações, trabalhando não só na pesquisa, mas revertendo isso em resultado para a comunidade. É a ciência fazendo diferença no dia a dia das pessoas, na melhora da qualidade de vida. Muitas das iniciativas possibilitam que o aluno consiga ver a teoria dentro da universidade e, depois, ir  para a comunidade, onde vai ter contato com essas realidades. 

Teoria e prática são fundamentadas a partir da Pesquisa, exercendo um papel central na luta contra a doença de Alzheimer e buscando impactar positivamente a vida dos pacientes, familiares e a sociedade. O objetivo é entender a patologia, testar novos caminhos, tratamentos, recursos, promover a conscientização, reduzir os estigmas, ressaltar a importância do diagnóstico precoce e do cuidado adequado, capacitar profissionais de saúde que terão ação vital no tratamento e na observação da doença e seus impactos na qualidade de vida do paciente e sua família. 

Há algo aqui que jamais podemos esquecer: a batalha contra a doença de Alzheimer é uma jornada repleta de desafios, desde o diagnóstico até o tratamento e os cuidados de longo prazo. E a pesquisa realizada nas universidades desempenha esse papel crucial na busca por uma compreensão mais profunda da doença e na identificação de novas oportunidades de tratamento. E eis aí o pesquisador: observar, investigar e explorar desde as perguntas às respostas. 

E são as respostas que nos trarão novas perguntas!  

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Texto: Andressa Deflon Rickli e Milena Massako Ito
Supervisão de Texto: Ana Paula Machado Velho
Revisão: Silvia Calciolari
Arte: Hellen Vieira
Supervisão de arte: Tiago Franklin Lucena
Edição Digital: Gutembergue Junior

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