Novembro Azul: aliado do combate ao câncer de próstata

Desde 2011, a campanha Novembro Azul é o lembrete anual do combate a uma das doenças que mais mata brasileiros todos os anos

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Imagine a seguinte combinação de fatores na vida dos homens brasileiros: câncer de próstata sendo o segundo tipo de câncer mais comum, mais a baixa adesão de consultas em urologistas e mais a crescente estimativa de novos casos de câncer de próstata anualmente. Infelizmente, esse é o cenário ocupado pelo Brasil atualmente. O registro de novos casos da doença vem aumentando gradativamente e a estimativa, para um ano, é acima de 70 mil diagnósticos, com mais de 16 mil mortes decorrentes do mesmo, de acordo com o Instituto Nacional de Câncer (INCA).

Se estamos, cada vez mais, avançando na medicina, descobrindo novas formas de prevenção e tratamentos, além de receber constante informação, a pergunta que fica é: por que um aumento tão significativo desse? Bom, os dados em relação ao câncer de próstata possuem relação direta ao cuidado mais precário que os homens gastam em relação à própria saúde. Isso pode ser visto até mesmo dentro das Unidades Básicas de Saúde (UBSs) e hospitais. No Brasil, os homens vão menos ao médico do que as mulheres.

Enquanto foram realizados 862 milhões de atendimentos para o público do sexo feminino no Sistema Único de Saúde (SUS) em 2021, houve cerca de 100 milhões de atendimentos a menos para o público do sexo masculino no mesmo período, segundo a Sociedade Brasileira de Urologia (SBU), junto ao Ministério da Saúde. E, quando pensamos especificamente sobre o câncer de próstata, constatamos ainda mais a negligência dos homens. 

A consulta ao urologista é fundamental para o diagnóstico – já que ele é o profissional especializado no trato geniturinário, que inclui os rins, bexiga, uretra e órgãos reprodutivos masculinos -, mas os homens não comparecem às consultas. No primeiro semestre de 2022, apenas 200 mil pacientes homens compareceram ao urologista. 

É por isso que ações e campanhas de conscientização são super necessárias para combater essa doença que é, muitas vezes, silenciosa, mas que ainda assim, ocasiona a morte de milhares de brasileiros todos os anos. É aí que entra a campanha do Novembro Azul, que você provavelmente já ouviu falar! Sabe como ela começou? 

A campanha foi lançada oficialmente em 2011 pelo Instituto Lado a Lado pela Vida, para conscientizar os homens brasileiros a olharem para a própria saúde com mais carinho e zelar mais pelo próprio corpo. O Novembro Azul teve inspiração em uma campanha que já era global, o Movember, palavra que surgiu da junção de duas outras: moustache (bigode) + November (novembro). Em diversos países, os homens deixam o bigode crescer durante esse mês como forma de estampar no rosto o apoio à conscientização dos cuidados ao câncer de próstata. A escolha do mês de novembro se deu por conta do Dia Mundial do Combate ao Câncer de Próstata, que é celebrado no dia 17. 

Conscientização

Muitos podem questionar se uma campanha assim realmente ajuda em uma situação como a que estamos vivendo com os homens brasileiros. A professora Jaqueline de Carvalho Rinaldi, que possui doutorado e pós-doutorado envolvendo projetos relacionados ao câncer de próstata, responde que o Novembro Azul é sim fundamental nessa realidade. A professora, que coordena um grupo de estudos em Biologia da Reprodução (@gebiorep), explica que este é um momento específico do ano que paramos para pensar sobre a saúde do homem e, em especial, sobre o câncer de próstata. 

Professora Pós-doutora Jaqueline Rinaldi (Foto/Arquivo Pessoal)

O mês todo é um grande lembrete para os homens de que eles devem se atentar para a própria saúde. A professora alerta que o melhor caminho para aumentar a adesão aos cuidados da saúde do homem no Brasil é a conscientização. A campanha precisa ir onde os homens estão e não esperar que eles vão até a campanha. Os avisos, folders explicativos, agentes de saúde e ações devem extrapolar os locais de saúde como hospitais e postinhos e se infiltrar em mercados, postos de gasolina, comércio, ou seja, no dia a dia dos brasileiros. 

Em especial, a campanha precisa ir aonde se encontram os idosos. O motivo? O câncer de próstata é considerado um câncer da terceira idade, já que 75% dos casos ocorrem a partir dos 65 anos, segundo dados do INCA. A idade é um fator de risco muito importante para a doença e é necessário que homens idosos se atentem com mais cuidado para esse fato. No entanto, é claro que os homens mais jovens não podem dar bobeira e pensar que estão totalmente livres do diagnóstico. É fundamental seguir bons hábitos em um estilo de vida saudável para prevenir o surgimento da doença. 

A profa. Jaqueline Rinaldi explica que o câncer de próstata tem origem multifatorial, ou seja, depende da combinação de vários fatores. Claro que a predisposição genética é importante, mas também sofre influência  da inflamação persistente, o uso de tabaco, a ingestão de álcool, dieta desbalanceada incluindo industrializados e embutidos, restrição de sono, vida sob estresse… Traduzindo: a nossa vida moderna. “A industrialização trouxe todos esses fatores, predispondo a vários tipos de câncer, incluindo o câncer de próstata”, afirma a professora. 

🎧A pesquisadora explica como o câncer de próstata se desenvolve dentro do organismo masculino.

Com o avanço nas pesquisas, hoje já está muito evidente que o desenvolvimento do câncer de próstata vai muito além daquilo que está no DNA celular. Um estudo muito interessante sobre causas externas do câncer de próstata foi realizado por Rinaldi durante o seu pós-doutorado na Universidade de Illinois, em Chicago. De acordo com a pesquisadora, conforme a idade vai avançando, a próstata se torna mais vulnerável a outros hormônios que atuam como desreguladores endócrinos.

Cuidados no dia-a-dia

A professora explica que a exposição ambiental pode estar relacionada às questões mais inofensivas que podemos pensar: por exemplo, a água que ingerimos, os protetores solares que aplicamos ou os plásticos que utilizamos acabam por ser a fonte de liberação desses componentes que entrarão em contato com o nosso organismo e que funcionam como desreguladores endócrinos. Daí a importância da pesquisa realizada no pós-doutorado da professora. 

Em Chicago, ela estudou os efeitos da exposição ao estrógeno e ao  Bisfenol A (BPA) em células tronco prostáticas normais e cancerígenas. A pesquisa foi desenvolvida no laboratório da Dra. Gail Susan Prins, que estuda a relação do BPA e próstata há mais de 20 anos. Ele pode ser encontrado na composição de plásticos como vasilhas, garrafinhas, bacias ou potes que usamos diariamente em diversos momentos do nosso dia. Quando esse plástico é aquecido é possível que o Bisfenol A seja liberado, como por exemplo, quando esquentamos o almoço no microondas dentro de um recipiente plástico, ou mesmo quando usamos o recipiente como suporte para colocar um alimento ou água quente. 

Professora Pós-doutora Jaqueline Rinaldi atuando em laboratório (Foto/Arquivo Pessoal)

De acordo com Jaqueline Rinaldi, um desregulador endócrino é um componente capaz de promover o desequilíbrio da produção de hormônios endógenos, levando à maior predisposição ao câncer. Por esse motivo, as pesquisas realizadas por Prins, foram responsáveis pela mudança de leis americanas e, atualmente, a presença de BPA em plásticos é proibida nos EUA. Uma maneira de evitar diversos problemas de saúde, inclusive o  câncer de próstata. 

A prof. Jaqueline Rinaldi explica que no Brasil ainda não há essa restrição, mas é obrigatório que os rótulos e etiquetas dos produtos mencionam a presença do componente A pesquisadora também alerta para que estejamos sempre atentos em ler essas informações, para saber o que estamos adquirindo e utilizando no nosso dia a dia. 

Dessa maneira, o câncer de próstata é capaz de se manifestar naquele homem mais “improvável”, que teoricamente tem hábitos saudáveis e não possui um histórico familiar de doenças. Por isso, é fundamental estar atento aos sinais emitidos pelo corpo de que algo não está certo e ter um urologista de confiança para orientações, especialmente na terceira idade. 

Consultas e exames

O diagnóstico precoce é um grande aliado ao tratamento desse tipo de câncer, possibilitando uma recuperação completa do indivíduo e reduzindo os riscos de morte por conta do câncer de próstata. Segundo o INCA, a dificuldade de urinar, a diminuição do jato de urina, a necessidade de urinar mais vezes durante o dia ou à noite, bem como a presença de sangue na urina são sinais que podem indicar o câncer de próstata. No entanto, não é necessário desespero caso algum desses sintomas se manifeste, já que eles também estão associados a outros problemas de saúde. Por isso, para verificar sua relação direta com o câncer de próstata é necessária a consulta com um médico para realização de exames.

Há dois exames aliados ao combate ao câncer de próstata. Um é o clássico exame de sangue, para avaliar a quantidade do antígeno prostático específico (PSA) – uma proteína produzida pela próstata – presente no organismo. O outro é o exame de toque retal, em que o médico faz uma avaliação do tamanho da próstata do paciente e analisa a presença de nódulos, relando na próstata com o dedo. A próstata deve ter uma superfície lisa e uniforme e quando ela está com irregularidades é possível de ser sentida com o toque do dedo. 

Para confirmar o câncer é necessário realizar uma biópsia. Neste exame são retirados pedaços muito pequenos da próstata para serem analisados no laboratório e ele só é feito quando alguma anomalia ou alteração é encontrada no toque retal ou quando os índices de PSA estão altos. 

De acordo com Jaqueline Rinaldi, o exame do toque é muito efetivo na busca do diagnóstico do câncer de próstata. A professora explica que isso é porque a maior incidência de câncer de próstata ocorre na região chamada zona periférica do órgão, a qual é possível de ser tocada durante o exame em questão. Essa região fica mais distante da uretra e da bexiga. 

A área da próstata que fica próxima da uretra e da bexiga é chamada de zona central. Quando esta área é afetada pelo câncer de próstata é que os sintomas, indicados pelo INCA, vão aparecer, porque está próxima de órgãos que têm relação direta com a vontade ou privações para fazer xixi. Ou seja, é possível que o indivíduo já esteja com câncer de próstata em desenvolvimento, mas não apresenta nenhum sintoma, o que reforça a importância do exame do toque. 

O grande tabu envolvendo esse tipo de exame faz com que muitos homens deixem de ter um diagnóstico precoce de uma doença facilmente tratável. A professora explica que essa aversão de muitos homens ao exame do toque e a preferência pela realização somente do exame de PSA pode, por vezes, complicar a detecção do câncer de próstata. Isso porque o antígeno prostático não é produzido apenas pela próstata ou mesmo o nível do antígeno pode estar baixo porque nem todas as lesões levam ao aumento do PSA, bem como há lesões que demoram para levar ao aumento desse PSA.

Vencer o preconceito

Por mais que sejam procedimentos simples e rápidos de serem realizados, muitos homens ainda possuem muito receio e acabam por não fazer e negligenciam sua própria saúde. Em uma perspectiva global, isso possui raízes muito profundas. O machismo atravessa a vida de homens em todo o planeta e impacta nos mais diversos níveis de suas vidas. Nesse caso, a saúde, qualidade de vida e longevidade têm sido fortemente impactadas.

Em uma sociedade machista, a intimidade masculina é muito observada e questionada. Investigar acerca do câncer de próstata leva diretamente ao mais íntimo de um homem. Em especial acerca dessa doença, o toque retal faz com que muitos se distanciam da preocupação consigo mesmo. Muitos homens questionam a própria masculinidade apenas por conta de um simples exame e, para além disso, questionam a masculinidade alheia. 

A campanha do Novembro Azul também possui a finalidade de trazer à tona o debate acerca dessa masculinidade que é afetada. Expor que os homens mais fortes são, de fato, aqueles que se preocupam com o estado da própria saúde e que também se preocupam com a saúde de amigos, colegas e familiares. Lembrar aos homens brasileiros que sua virilidade não deve ser baseada em um simples exame ou no diagnóstico de uma doença. 

O grande perigo do câncer de próstata, quando ele não é diagnosticado ou quando ele é diagnosticado mas não é tratado, é se transformar em um câncer invasivo e metastático, que é o câncer que extravasa os limites da próstata e atinge outras partes do corpo. “As células cancerígenas prostáticas podem invadir órgãos próximos da próstata, como a bexiga, o intestino, as glândulas seminais e a própria cavidade abdominal”, afirma Jaqueline Rinaldi. 

As células cancerígenas podem cair também nas chamadas vias de disseminação. Uma dessas vias é a linfa, que permite que o câncer se espalhe para os linfonodos, podendo afetar a cadeia de gânglios linfáticos da virilha, ou mesmo da região abdominal. Outra via de disseminação é o próprio sangue, a chamada via hematogênica. Este é um grande perigo a vida do indivíduo, pois a chance das células cancerígenas se instalarem nos ossos é muito alta, desenvolvendo assim, o câncer ósseo, o qual é extremamente difícil de ser tratado.

“No estágio de câncer de próstata metastático, o que se faz é tratamentos paliativos, para melhorar a qualidade de vida e estender a sobrevida do paciente, porque as chances de cura são bem reduzidas”, afirma a pesquisadora. Isso sendo fruto de um tipo de câncer altamente curável e tratável. 

Um dos recursos empregados no tratamento do câncer de próstata é a ressecção cirúrgica, combinada ou não à radioterapia e/ou a quimioterapia. A professora Rinaldi realizou estudos sobre os possíveis tratamentos alternativos ao câncer de próstata. Durante seu período de atuação em Chicago, ela pôde realizar a coleta de amostras de pacientes com a doença, uma vez que seu laboratório ficava vinculado a um hospital. Algumas destas amostras de explante, ou seja, a cultura de pequenos fragmentos da próstata humana, possibilitam entender e estudar com mais clareza e assertividade como funciona o mecanismo de crescimento, sobrevivência e manutenção dessas células cancerígenas, para assim viabilizar maneiras de bloquear esse crescimento. 

Avanços nos estudos

Na Universidade Estadual de Maringá, a professora atua também no Grupo de Estudos em Biologia do Sistema Reprodutor, o GEBIOREP. Junto com os alunos, ela desenvolve um projeto sobre câncer de próstata, o qual é induzido quimicamente em roedores, para avaliar os efeitos do câncer no organismo, seu desenvolvimento e possíveis formas de tratar.

Jaqueline Rinaldi em parceria com a pesquisadora Gail Prins desenvolveram pesquisas investigando as células tronco cancerígenas. Existe uma teoria de que esta população celular  forma o câncer recidivante ou indolente, ou seja, o câncer que retorna após ter estado em remissão, em tese, significando que o indivíduo estava curado. Assim, o foco de pesquisa nessas células é encontrar alternativas para os pacientes que não respondem mais positivamente aos tratamentos convencionais.

Os avanços nos estudos do câncer de próstata são essenciais para a melhora de tratamentos e qualidade de vida de quem tem a doença, mas é fundamental que eles estejam aliados à conscientização dos homens sobre esse câncer. Que campanhas como o Novembro Azul sejam levadas a sério e sejam um lembrete da importância de cuidar da própria saúde e também estar atento à saúde dos homens ao seu redor. 

É por isso que o Novembro Azul está sendo encaminhado para se tornar lei no Brasil. O Projeto de Lei (PL) 4.967/2020, da senadora Rose de Freitas (MDB-ES), busca oficializar essa proposta. Além da iluminação de prédios públicos com luzes de cor azul, o projeto prevê a promoção de palestras, eventos e atividades educativas todos os anos durante o mês de novembro. A matéria ainda não foi distribuída a nenhuma comissão e ainda aguarda um relator. 

E, para além da campanha, um outro projeto de lei relacionado ao debate sobre a saúde do homem também está sendo estudado. O PL 4.968/2020, já aprovado pelo Senado e em trâmite na Câmara dos Deputados, determina que as empresas devem fornecer boletins de informação aos empregados sobre o câncer de próstata e outros tipos da doenças, bem como que o empregado não sofrerá prejuízo de salário, por até 3 dias, dentro de 12 meses, para a realização de exames preventivos.

Glossário:

Hormônios andrógenos: hormônios responsáveis pelas características sexuais masculinas. São produzidos nos testículos, nos homens, e nos ovários, nas mulheres. 

Testosterona: hormônio andrógeno que serve para o desenvolvimento dos órgãos sexuais masculinos e todas as demais características do homem, como aumento da massa muscular, massa óssea, pêlos no corpo e libido

Dihidrotestosterona: hormônio andrógeno, derivado da testosterona. Responsável pela diferenciação dos genitais masculino e feminino na formação do embrião. 

Hormônios estrógenos: tipo de hormônio sexual, produzido pelos ovários, pela placenta e, em pequenas quantidades, pelo córtex das glândulas suprarrenais e testículos.

Bisfenol A: um monômero de plástico policarbonato, composto químico que serve para fabricação de plásticos rígidos e transparentes.

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Texto:
Mariana Manieri Pires Cardoso
Supervisão de texto: Ana Paula Machado Velho
Revisão: Silvia Calciolari
Edição de áudio: Mariana Manieri Pires Cardoso
Arte: Mariana Muneratti
Supervisão de arte: Tiago Franklin Lucena
Edição Digital: Gutembergue Junior

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