O combate à seca tem novos (e incríveis!) recursos

O NAPI Biodiversidade: RESTORE desenvolve novas tecnologias a partir das soluções baseadas na natureza

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Quando pensamos em “Mata Atlântica”, logo vem à nossa cabeça a imagem de uma floresta diversa, cheia de fauna – com os animais em seu habitat natural, aproveitando os recursos que a natureza fornece – e com uma flora repleta de espécies arbóreas diferentes. A maioria dos brasileiros tem essa imagem da floresta,  já que a Mata Atlântica atinge cerca de 17 estados do território do nosso país, cobrindo desde o Ceará até o estado de Santa Catarina. É uma das florestas com mais diversidade do mundo, devido à extensão territorial imensa. No Paraná, esse bioma1 abriga desde a Araucária, uma famosa espécie arbórea, até a Peroba-Rosa, uma espécie totalmente diferente e que ilustra a capa desta matéria. Juntamente dela, temos também representado o mico-leão-da-cara-preta, mamífero típico do território paranaense e que está em perigo de extinção.

Pois é, nem tudo são flores ou árvores. Uma das causas desse perigo é a seca agressiva que atinge a floresta e prejudica o desenvolvimento de milhares de espécies vegetais, que costumavam compor aquela imagem inicial que temos da Mata Atlântica e que, hoje, tem mudado drasticamente. Por isso, é mais do que necessário buscar alternativas e soluções para o combate à seca neste bioma. Algo que tem sido feito por pesquisadores paranaenses.

Durante o evento Paraná Faz Ciência, que aconteceu na cidade de Londrina, no Paraná, entre os dias 6 e 10 de novembro de 2023, foram apresentadas as pesquisas do NAPI Biodiversidade: RESTORE, um dos Novos Arranjos de Pesquisa e Inovação do Estado. O nome é um acrônimo da frase “natuRe-basEd SoluTions for imprOving REforestation”, ou seja, “soluções baseadas na natureza para melhorar o reflorestamento”. Os pesquisadores fazem o uso da  aplicação de microrganismos para induzir tolerâncias à seca em mudas arbóreas da Mata Atlântica. Esse estudo não acontece apenas nessa floresta brasileira, mas, também, em uma floresta francesa e uma outra alemã. 

O coordenador geral do NAPI Biodiversidade: RESTORE, Halley Caixeta de Oliveira, é professor associado a Universidade Estadual de Londrina (UEL) e realiza trabalhos no Laboratório de Ecofisiologia Vegetal, além de lecionar disciplinas de Fisiologia Vegetal para vários cursos de graduação da mesma instituição, como Agronomia, Ciências Biológicas, Biotecnologia e Zootecnia. O pesquisador aponta que a proposta do RESTORE é de entender como o estresse da seca afeta de maneira severa as mudanças climáticas, como também o crescimento das espécies arbóreas de ambientes naturais e da microbiota do solo2, que interagem com essas plantas. 

Professor Halley Caixeta de Oliveira (Foto/Arquivo Pessoal)

A partir desse entendimento, desenvolvem-se estratégias e soluções baseadas na natureza, para aumentar a resistência das plantas e da microbiota do solo à seca. Extraindo da própria terra os microrganismos necessários para que esse material seja modificado e aplicado na muda das árvores e, assim, elas se tornem resistentes ao solo seco. 

Com as mudanças climáticas, esse período de seca está cada vez mais longo. Em um ano pode ser mais severa, demorando para chover. Em outros momentos são inconstantes e não seguem a regularidade da estação. Pensando nesse aspecto, as tecnologias desenvolvidas para as espécies de árvores procuram garantir o bom crescimento dessas mudas e a maior resistência delas às adversidades. 

Técnicas e tecnologias desenvolvidas

Para nossa sorte e, claro, para o futuro da biodiversidade, os pesquisadores têm tido muito sucesso no desenvolvimento de novas técnicas e tecnologias que colaboram para a manutenção, conservação e preservação das nossas florestas. Em meio a tanta devastação, aumento de garimpos ilegais, incêndios quase incontroláveis e as drásticas mudanças climáticas, existem muitas pessoas que estão buscando diminuir os efeitos dessas catástrofes. Todas estas têm colaborado, em menor ou maior grau, para o aumento da seca na Mata Atlântica, uma das mais ricas florestas em todo o planeta. Por isso, um dos grandes focos do NAPI Biodiversidade: RESTORE é desenvolver recursos, com soluções baseadas na natureza, que colaborem para que espécies vegetais tenham maior tolerância à seca na Mata Atlântica. 

O uso de microrganismos

Uma das novas técnicas desenvolvidas é a utilização de microrganismos para que essas plantas desenvolvam essa tolerância. “Está cada vez mais evidente que a planta, no ambiente natural, tem muita interação com os microrganismos ali presentes. Há uma associação, que é como uma troca, em que o microrganismo ajuda a planta e vice-versa. Ele pode desenvolver algo como um biofilme, tipo um muco, em volta da raiz vegetal, colaborando para a retenção de água. Além disso, os microrganismos podem produzir hormônios, fazendo com que a raiz cresça mais, ramifique mais, e assim, absorva mais nutriente e mais água. Ou o hormônio também pode ser do tipo que protege as plantas de estresses hídricos, ou seja, elas acabam reagindo melhor a escassez de água, adaptando-se a ambientes e períodos de tempo com poucas chuvas, por exemplo”, afirma o coordenador do NAPI Biodiversidade: RESTORE.

Isolamento e caracterização de microrganismos associativos de plantas (Foto/Arquivo Pessoal)

A grande questão é que há infinitos tipos de microrganismos no ambiente. Por isso, é necessário estudá-los. Os pesquisadores vão a campo para poder prospectar esses microrganismos, retirando-os do ambiente natural, levando-os para o laboratório e isolando-os. E o que significa isolar um microrganismo?

Sabe quando vemos aquelas plaquinhas de acrílico, cheias de manchas, usadas pelos pesquisadores? Lá está sendo realizado o cultivo e o isolamento. Os pesquisadores vão aumentar a quantidade de microrganismos, para, depois, conseguir separar as diferentes espécies que, na natureza, vivem e se desenvolvem juntas. A partir do momento que elas são isoladas, ou seja, separadas umas das outras, é possível analisar cada tipo individualmente e estudá-la da melhor forma possível. 

Isolamento e caracterização de microrganismos associativos de plantas (Foto/Arquivo Pessoal)

O professor Halley explica que, a partir daí, em laboratório, os pesquisadores realizam testes para descobrir se os microrganismos são benéficos para as plantas ou patogênicos, ou seja, podem causar algum tipo de doença. Se este for o caso, eles serão excluídos, afunilando para a seleção apenas dos mais promissores. 

O uso de fungos

O coordenador do NAPI Biodiversidade: RESTORE conta, ainda, que os pesquisadores do projeto não estão sozinhos nessa busca pela melhoria das plantas na tolerância à seca na Mata Atlântica, uma vez que o NAPI Biodiversidade: Recursos Genéticos e Biotecnologia também está envolvido nesse objetivo! Os pesquisadores deste NAPI estão estudando o uso de fungos para aumentar essa tolerância. Eles isolaram diversos fungos do gênero Trichoderma, muito encontrado nas árvores do gênero Araucária, que você já deve ter visto no quintal de alguma casa, no Paraná.

Um dos grandes benefícios do Trichoderma é em relação a melhora da absorção de água feita pela planta, uma vez que ele realiza uma exploração avançada do solo. E a forma com que ele faz isso é a parte mais legal! Os fungos têm o que são chamadas de “hifas”, que são longos filamentos de células, que acabam sendo quase como os braços para os humanos. Quando esse fungo é associado a alguma planta, as hifas vão crescer ao redor dela, tornando-se também os seus “braços”. Por serem muito finas e de fácil crescimento, as hifas se espalham pelo solo muito mais facilmente e alcançam maiores distâncias que as próprias raízes dessa espécie vegetal. Dessa forma, a hifa capta água e nutrientes de locais mais distantes, caso o local que a planta esteja enraizada não tenha esses recursos. Assim, nos testes realizados pelo NAPI Biodiversidade: Recursos Genéticos e Biotecnologia, o fungo tem colaborado para o sucesso de crescimento das araucárias, uma vez que elas tiveram grande melhora na tolerância à seca.

Comparativo entre mudas com aplicação de Trichoderma e sem (Foto/Arquivo Pessoal)

São várias as técnicas de sucesso que estão sendo desenvolvidas, mas é válido destacar que a grande diversidade da Mata Atlântica faz com que alguns recursos funcionem para algumas espécies, mas não seja um sucesso com outras. Por isso, é necessário continuar buscando novas alternativas e testando em grupos de espécies arbóreas. “Na floresta alemã, há duas espécies arbóreas principais. Na França, são quatro espécies. Ou seja, se você as estudou, você já está entendendo bem todo o ecossistema do país. No nosso caso aqui, a quantidade é enorme, é gigantesca, chegando a centenas de espécies. Esse é um desafio muito grande e por isso a gente pega algumas espécies como modelo, estudando-as mais a fundo e testando essas tecnologias, inferindo que elas funcionarão, ou não, em espécies semelhantes”, afirma Caixeta.

Futuro do NAPI Biodiversidade: RESTORE

O professor Halley reforça que todas essas tecnologias ainda estão em fase de testes em laboratório, mas que serão encaminhadas para testes em campo já no segundo semestre. “A expectativa com o NAPI Biodiversidade: RESTORE é criar técnicas e tecnologias que colaborem com a preservação da biodiversidade, como materiais e microrganismos, além de encontrar novas soluções baseadas na natureza. E que estes, sigam uma perspectiva sustentável, com baixo trato ambiental, contribuindo para a produção de mudas e de espécies arbóreas nativas, de melhor qualidade, mais resistentes à seca e que, ao serem plantadas no campo, vão crescer melhor e não precisarão ser replantadas. Algo que vai auxiliar em um reflorestamento mais bem sucedido, não só do ponto de vista da planta, mas também pensando na qualidade do solo. Junto com o desenvolvimento dessas técnicas, a gente está restaurando a microbiota do solo, que faz com que a planta e a floresta, como um todo, cresça. A vida no solo é super importante para o sucesso dos reflorestamentos, por isso é importante o seu cuidado e a manutenção da ciclagem de nutrientes”, afirma o coordenador do projeto.

Testes em ambiente externo (Foto/Arquivo Pessoal)

Esse é o último ano de execução do NAPI Biodiversidade: RESTORE, mas as pesquisas nesse campo não se encerraram. Elas continuam com o NAPI Biodiversidade: Recursos Genéticos e Biotecnologia, por meio do qual será possível ampliar os testes com mais espécies arbóreas nativas, espécies de interesse agrícola, espécies de interesse ornamental e até mesmo com espécies de interesse de produção de madeira.

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Texto:
Mariana Manieri Pires Cardoso e Maysa Ribeiro Macedo
Supervisão de texto: Ana Paula Machado Velho
Arte: Leonardo Rasmussen
Supervisão de arte: Tiago Franklin Lucena
Edição Digital: Gutembergue Junior

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A pesquisa que mencionamos contribui para os seguintes ODS:

Glossário

  1. Bioma: conjunto de vida vegetal e animal, constituído pelo agrupamento de tipos de vegetação que são próximos e que podem ser identificados em nível regional, com condições de geologia e clima semelhantes e que, historicamente, sofreram os mesmos processos de formação da paisagem, resultando em uma diversidade de flora e fauna própria (IBGE EDUCA, 2024). ↩︎
  2. Microbiota do solo: conjunto de microrganismos presentes, como fungos, bactérias e vírus ↩︎

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